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Estudo biomecânico: o teu melhor aliado em termos de saúde, conforto e desempenho

Provavelmente ainda ninguém te explicou quais são as vantagens de realizar um estudo de biomecânica. Se ainda és um cético e achas que é um desperdício de dinheiro, basta referir que se a tua bicicleta estiver bem ajustada a ti, evitarás problemas de saúde, estarás a pedalar de um modo mais confortável e o teu desempenho será muito melhor.

Miguel Ángel Sáez

Estudo biomecânico o teu melhor aliado em termos de saúde, conforto e desempenho
Estudo biomecânico o teu melhor aliado em termos de saúde, conforto e desempenho

É do conhecimento geral que a biomecânica é um aspeto muito importante no desempenho e na saúde relacionada com o ciclismo. Certamente já leste inúmeros artigos quer na revista BIKE ou eventuamente na CICLISMO A FUNDO, ou mesmo no site especializado mountainbikes.pt. E se já alguma vez fizeste um bike fit para rever a tua posição na bicicleta alguém te explicou os benefícios. No entanto, raros são os casos em que são detalhados os processos seguidos, quais os benefícios obtidos e que parâmetros/particularidades são tidas em conta (cada corpo humano é diferente e nenhum bike fit é igual ao outro). 

Por isso, preparámos este artigo, explicando a nossa própria experiência e recorrendo a um dos melhores biomecânicos da Península Ibérica, Victor Calsamiglia, o qual nos deu a conhecer em detalhe, e de modo revelador, um mundo totalmente novo, no qual o ciclista está no centro da biomecânica em vez da bicicleta, como tradicionalmente se faz. 

O NOSSO CASO ESPECÍFICO E A NOSSA BICICLETA

Um estudo biomecânico (também denominado bike fit) tem como objetivo verificar se a bicicleta está bem ajustada às nossas necessidades e particularidades. Confessamos que não sentíamos nenhum desconforto ao andar nela, mas, como é óbvio, é sempre conveniente fazer uma revisão para evitar problemas de saúde e desconforto a médio prazo. O princípio é o mesmo quando vamos ao dentista: vamos de vez em quando para evitar problemas mais graves. 

Levámos a nossa Cannondale Scalpel Carbon no tamanho L, a qual tem uma posição de condução bastante agressiva, ideal para XC, sendo bastante rápida a rolar e muito ágil nas subidas. O avanço está colocado numa posição muito baixa, sem espaçadores debaixo e o selim está numa posição alta, o que provoca uma sensação aparentemente eficaz a pedalar. 

NÃO ESTÁVAMOS TÃO BEM COMO PENSÁVAMOS...

Depois de chegar ao biomecânico, o primeiro passo foi montar-me na bicicleta e pedalar sob o olhar atento do Victor. O objetivo era fazer uma primeira inspeção visual para detetar possíveis movimentos incorretos a olho nu, além de referir quais eram as nossas sensações em cima da bicicleta. Depois, foram feitas medições dos ângulos mais determinantes durante a pedalada, nomeadamente o tornozelo, joelho e anca. Além disso, também foram analisados os ângulos que influenciam o conforto geral, como os cotovelos, a distância entre a anca e o guiador (em cada lado), entre outros parâmetros. Esta primeira avaliação proporcionou dados bastante interessantes que indicaram imediatamente pontos suscetíveis de melhoria. Pensávamos que estávamos bem sentados, mas, na verdade o Victor notou que baixamos demasiado a ponteira do pé direito quando o cranque está no ponto mais baixo. Além disso, notou que o joelho do mesmo lado, o direito, se extende demasiado para fazer baixar o pé até ao pedal. Segundo o Victor, embora esta circunstância não esteja a gerar atualmente nenhum problema visível, isso não significa que no futuro não provoque consequências. Quanto à nossa flexibilidade e força, por enquanto estão boas, tolerando bem os desequilíbrios biomecânicos, mas é necessário corrigi-los, não só por uma questão de saúde, mas também de eficiência energética e desempenho. 

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AJUSTE DOS CLEATS, DO SELIM E DO GUIADOR

Após conversar com o Victor da CyclistLab sobre os valores que tinha obervado e quais os pontos que ele achava que podiam ser melhorados, fizemos alguns ajustes na configuração da bicicleta. O objetivo destes ajustes era que a bicicleta não implicasse nenhuma limitação em termos de movimentos para manter, por um lado, a minha integridade física e, por outro, potenciar o meu desempenho. É empolgante tomar consciência daquilo que podemos evoluir por vezes com a alteração de um pequeno pormenor que, à priori, consideramos irrisório. Além disso, esta abordagem mais focada no ciclista e não tanto na bicicleta é a essência da biomecânica. A bicicleta é uma mera ferramenta para que o nosso movimento corporal seja fluido, eficiente e que respeite a nossa integridade física. Por esse motivo, como foram detetados alguns gestos na minha pedalada que estavam incorretos, decidimos adaptar a bicicleta de modo a reverter esses movimentos, tornando-os mais adequados, para rendermos mais em termos de desempenho e evitar lesões. 

Uma posição correta equivale a uma qualidade da pedalada melhor e evita lesões.

Os ajustes começaram por baixar a altura do selim, depois foi modificada a posição do cleat direito (precisamente a do pé que pedalava mais instável) e posteriormente foi mudada a posição do guiador, colocando-o mais perto do selim. 

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EXPLICAÇÃO DOS AJUSTES

O Victor explicou-nos detalhadamente porque motivo fez cada ajuste. Esta é sem sombra de dúvida uma das mais valias de um estudo deste tipo, ou seja, deve ser explicado ao ciclista quais são as suas assimetrias/particularidades, debater com ele os métodos de as debelar, estabelecer um método e explicar como é que se pretende melhorar em termos de biomecância. 

Como o nosso pé direito baixava demasiado (forçando a flexão plantar), foi decidido baixar o selim para facilitar chegar ao ponto mais baixo do cranque sem que a ponta do pé baixe tanto. 

O ajuste dos cleats, mais precisamente o do lado dieito, consistiu em aproximá-lo da linha média do pé, para o lado interior do sapato. O objetivo era que o contato do sapato com o pedal fosse mais estável, algo que se perde quando pedalamos com as pontas dos pés, como era o nosso caso no lado direito. 

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Por último, e numa tentativa de apoiar mais a anca no selim num ponto mais adiantado dos ísquios, com uma maior rotação anterior, o Victor decidiu baixar alguns graus a ponta do guiador rodando-o. Graças a esta ligeira curvatura do guiador, conseguimos alterar a posição dos punhos, favorecendo a estabilidade na pedalada e proporcionando um apoio maior dos nossos pontos de contato (anca com o selim). 

VERIFICAÇÃO DAS MEDIÇÕES E INTERIORIZAÇÃO DOS NOVOS VALORES

Depois de realizados todos estes ajustes e debatidas as causas e consequências, fizemos novamente uma medição com gravação da imagem em 3D. Esta medição final serve para comprovar se os ajustes realizados na nossa posição conseguiram fazer com que nos consigamos mover dentro dos ângulos biomecânicos corretos. Foi o que aconteceu. Baixámos o selim, corrigimos a posição do cleat e alterámos a distância entre a anca e o selim (corrigindo o ângulo do tornozelo direito, fazendo com que o pé baixasse num ângulo mais plano e estável, transmitindo mais força quando o cranque está paralelo ao solo). Durante o tempo em que o Victor mediu os novos ângulos, estivemos a pedalar, tentando interiorizar esta nova posição, que requer sempre um pequeno período de adaptação. Todos nós temos um sistema de perceção de movimento e cada um reage de forma diferente a cada ajuste. Por isso mesmo, é necessário interiorizar e ter consciência de que é essa nova posição que devemos adotar para evitar lesões e ter um desempenho melhor. 

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SENSAÇÕES

Depois de todo o processo, chegou a hora da verdade. Fomos pedalar com a nossa bicicleta ajustada e adaptada às nossas características pessoais (aquilo que se chama biomecânica). Confessamos que durante os primeiros quilómetros notámos que levávamos o selim mais baixo do que o tínhamos antes deste estudo (cerca de 1 cm, o que é bastante), mas em troca notámos uma melhoria considerável na qualidade da nossa pedalada. A sensação é de que agora pedalamos numa posição mais estável e equilibrada, incluindo em subidas técnicas, onde a estabilidade é fundamental. E também sentimos uma maior conexão com a bicicleta. 

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À medida que os quilómetros passavam, as sensações foram melhorando e já não sentíamos que estávamos a pedalar com o selim mais em baixo, passando a pedalada a ser mais fluida. Quem diria que, mesmo sem sentirmos dores ou desconforto, tínhamos a bicicleta mal calibrada e que, acima de tudo, tínhamos margem de progressão. 

OS PASSOS QUE NOS AJUDARAM A PROGEDIR:

1: Entrevista

Conversa com o biomecânico, explicando as nossas sensações, desconfortos e objetivos. 

2: Inspeção visual e anotação de ângulos

Primeira medição dos ângulos em movimento e inspeção visual da pedalada. É importante transmitir as sensações ao biomecânico. 

3: Exploração física da base

Comprovação da mobilidade e flexibilidade das articulações para saber que limitações morfológicas podes ter (isso irá definir eventuais limites aos ajustes e modificar a tua biomecânica).

4: Diagnóstico biomecânico

O biomecânico, após avaliar a tua nova posição em cima da bicicleta, vai escutar as tuas sensações e, tendo en conta a tua morfologia, saber que limitações de movimento podes ter, fazendo um diagnóstico sobre os possíveis problemas e quais ajustes devem ser feitos. 

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5: Ajustes

Serão feitos os ajustes pertinentes na tua bicicleta.

6: Medição final dos ângulos

Serão novamente medidos os teus ângulos e serás observado enquanto pedalas. Será comprovado se os novos parâmetros de movimento estão realmente dentro da normalidade e dentro dos valores compatíveis com o desempenho máximo e saúde. 

7: Avaliação, reflexão e interiorização das novas medidas

Já com estas novas medidas, deves pedalar e interiorizar/consciencializar que a partir desse momento o teu corpo se vai adaptar. Deves partilhar com o biomecânico as sensações. 

O DIAGNÓSTICO DO BIOMECÂNICO

Antes de tocar na bicicleta, para mim era importante que o ciclista compreendesse a sua postura

“Ao vermos o ciclista a pedalar na sua bicicleta, detetámos como a sua forma de pedalar condicionava os seus movimentos. O contato excessivo nos ísquios inibiu a extensão da anca, mas também condicionou a posição da cabeça e da coluna. Atuamos dependendo da posição do pé em relação à pélvis, mas também onde está a cabeça. Neste caso, esta disposição tinha consequências biomecânicas, sem dor, mas com déficit. Como o sacro estava muito vertical, a pélvis ficava ligeiramente recuada, o que evitava a intervenção do glúteo, fazendo ao mesmo tempo com que o pé direito recebesse carga na sua parte externa, que é o seu ponto mais débil, condicionando assim o seu apoio". 

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"Antes de tocar na bicicleta, para mim era importante que o ciclista compreendesse a sua postura e as alterações que tínhamos de fazer. Primeiro o ciclista, depois a bicicleta. Neste caso, era necessário que o ciclista se sentasse na parte interna dos ísquios, para adiantar a cabeça e libertar a parte externa do pé direito. A resposta muscular a partir dessa alteração, sem dor, deverá definir um gesto mais fluido, estável e direto. Graças a essa nova posição, com uma melhor extensão do quadril, o pé responde melhor em direção à cabeça do primeiro metatarso, permitindo pedalar com o calcanhar ligeiramente mais baixo. São mudanças subtis, mas com um enorme impacto biomecânico". 

Víctor Calsamiglia, Cyclistlab Biomecánica. www.cyclistlab.com.

QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS MITOS DA BIOMECÂNICA

Graças a este estudo, questionámos alguns mitos que são associados tradicionalmente à biomecânica. 

A biomecânica é só para profissionais

Pedalar corretamente não só beneficia os que competem e os que procuram sempre o máximo desempenho. O conforto, bem estar e a saúde são consequências diretas de uma boa biomecânica e isto, evidentemente, beneficia qualquer pessoa que ande de bicicleta, independentemente da modalidade relacionada com o ciclismo, incluindo mobilidade urbana. 

Não precisas de ser um pró para ir fazer um estudo biomecânico. Podes ter a certeza de que as melhorias são palpáveis

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A biomecânica só se baseia em teorias

Como vimos no estudo que fizemos, a tecnologia é uma ferramenta indispensável para identificar de forma objetiva alguns problemas, mas a observação, a reflexão e a transmissão de informação entre o ciclista e o biomecânico é a forma mais importante de resolver problemas e encontrar soluções na posição em cima da bicicleta. 

O protagonista é a bicicleta

Qualquer estudo biomecânico deve ser feito por uma pessoa acreditada e com credenciais válidas, como foi o caso deste realizado pelo Victor, com uma experiência enorme no setor. Ele demonstrou que o centro dos estudos biomecânicos está no ciclista e não na bicicleta, embora haja quem pense o contrário. O objetivo é que os nossos movimentos sejam eficientes e não potenciem, lesões, por isso devemos adaptar a nossa bicicleta às nossas necessidades e não o contrário. Deves ter isso em conta. 

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