Se já tiveste a oportunidade de subir uma daquelas montanhas icónicas no final de uma volta de longa duração ou Granfondo, e especialmente se o fizeste entre o último terço dos participantes, verás que não há sinais excessivos de alegria entre aqueles que estão em pleno esforço. Dependendo da quilometragem acumulada, ou melhor, das horas a pedalar, podes encontrar de tudo um pouco. Ciclistas de um lado da estrada com cãibras; outros com um olhar perdido e uma pedalada cansada em modo automático.... E reina um silêncio sepulcral, quebrado apenas pelas únicas palavras que são normalmente ouvidas em tais momentos: "Quanto tempo falta até ao topo?” Mesmo que coincidas na última subida com alguém que conheças e que esteja a sofrer as mesmas dificuldades, no máximo é normalmente lançado um tipo de ruído que pode ser interpretado como uma saudação, enquanto demonstras o teu estado catabólico.
E sim, a conclusão de um evento nestas circunstâncias ocorre geralmente quando o treino foi pobre, especialmente se o percurso foi “salpicado” em inúmeros momentos com minutos de glória pelo cicloturista. E o responsável por tudo isto resume-se a algumas letras: fadiga. O ciclista tem geralmente a ideia errada quando se trata de apreciar a incidência de certos valores ou métricas relacionadas com o seu desempenho. A figura FTP é normalmente dotada de poder absoluto, uma vez que é postulada como uma referência para avaliar o desempenho. Mas como se diz por vezes, uma árvore não faz a floresta.
Sim, é muito importante para um ciclista ter um FTP elevado, mas também é importante ser capaz de o manter o mais tempo possível. Ou seja, à medida que os quilómetros passam, de uma forma ou de outra, surgirá um cansaço que o tornará incapaz de produzir os mesmos watts que deu no início. Se tivesse de subir a mesma estrada após cinco horas, por exemplo, não o poderia fazer com a mesma potência que no início. A fadiga é responsável pela perda de energia. Não faz sentido ter 4 W/kg de potência se, quando se anda de bicicleta durante quatro horas, esta permanecer a 2,8 W/kg. E para evitar esta perda de desempenho, o treino tem métodos ou práticas que podem mitigar esta queda. Conhecer as diferentes causas e tipos de fadiga é fundamental.
O QUE É A FADIGA?
A fadiga é a impossibilidade física, psíquica ou orgânica de continuar um esforço ao mesmo ritmo a que estava a ser feito. A perceção do indivíduo pode ser muito diferente dependendo das suas características e das alterações químicas que ocorrem a nível orgânico. Costuma afetar o desempenho, com uma perda de performance, cansaço e alterações ao nível muscular que podem ser notadas de diferentes formas, dependendo do tipo de fadiga presente. Quando o organismo está sujeito a condições de trabalho stressantes para as quais não está treinado, faltam-lhe respostas adaptativas e defende-se de modo a evitar ser exposto a um exagero que só pode levar a lesões.
É normal que a fadiga apareça à medida que os quilómetros passam, por uma variedade de razões. Em ciclistas menos treinados, é geralmente a principal causa das temidas cãibras. Para além da passagem das horas, a forma como é feito o esforço fará a fadiga aparecer precipitadamente. Exceder o limiar em excesso e, em demasiadas ocasiões, as mudanças pesadas, cadências extremamente baixas, aceleração excessiva, nutrição inadequada, etc., são algumas ações que irão acelerar a fadiga. Uma vez que esta se instala, cada ciclista será afetado de forma diferente, sendo o grau de treino muito importante. A fadiga pode surgir ao nível do sistema nervoso central e ao nível muscular.
FADIGA PERIFÉRICA OU MUSCULAR
Este tipo de fadiga é aquele em que os mecanismos que deterioram a contração muscular afetam as várias estruturas localizadas sob a placa motora. Por isso, ocorre uma alteração das propriedades contráteis dos músculos ativos. Entre os efeitos causados pela fadiga periférica estão:
-Diminuição da fosfocreatina. Substrato utilizado para uma intensidade máxima e esforços muito curtos. Este não deve ser o caso dos cicloturistas, uma vez que estes esforços são feitos apenas a um nível competitivo.
-Ácidos musculares devido ao aumento de iões de hidrogénio (+H). É uma situação que, uma vez ultrapassado o estado máximo estável de lactato (MLSS), muito próximo do limiar FTP ou anaeróbico, se acentua.
-Descida do glicogénio muscular. É inevitável à medida que a intensidade aumenta, e pode antecipar o início da fadiga.
FADIGA CENTRAL
Entende-se por fadiga central quando a causa da deterioração da contração muscular está acima da placa motora - na fadiga muscular acontece abaixo -, afetando uma ou mais estruturas nervosas envolvidas na produção, manutenção ou controlo da contração muscular. Caracteriza-se pela incapacidade do sistema nervoso central em maximizar o recrutamento de músculos ativos.
CANSAÇO NUTRICIONAL
Para além da intensidade dos esforços, a nutrição é uma parte muito importante no aparecimento da fadiga, com maior incidência em provas de longa distância e Granfondos, onde os esforços estão acima dos substratos aeróbicos e exigem energia e envolvimento de fibras musculares que são mais típicas de um nível competitivo. A orografia já obrigará em demasiadas ocasiões a utilizar uma grande quantidade de glicogénio muscular que a longo prazo, sem uma contribuição adequada de hidratos de carbono de forma exógena, favorecerá a chegada da fadiga. Nesta situação há uma presença importante de ácidos gordos no plasma e um aumento, ou melhor, uma maior proporção no sangue, de um aminoácido como o triptofano, em relação aos aminoácidos ramificados. Esta descompensação faz com que o triptofano atravesse a barreira hemato-encefálica e haja um aumento da serotonina, o que faz subir a perceção do esforço e da fadiga.
REDUZIR A FADIGA COM TREINO
Se treinares com medidor de potência, verás que os watts que produzes são a quantidade de trabalho que fazes num determinado tempo. Portanto, quanto mais potência se move, mais trabalho se acumula.
O trabalho é quantificado em kilojoules. Se usares a potência, isso pode ser muito prático, especialmente quando se enfrenta um teste objetivo, pois podes ver no ciclocomputador os kilojoules que gastaste. Na realidade, os kilojoules são uma referência ideal para o treino de resistência à fadiga. Ajudam-te a fazer um treino específico e a testar a perda de potência que tens depois de teres acumulado uma certa quantidade de trabalho. Se treinares com base no ritmo cardíaco, não será possível saber quanto trabalho acumulaste. O ritmo cardíaco não é objetivo e ainda menos quando se enfrenta um desafio, seja ele de lazer ou de competição, porque irás ultrapassar o teu limite devido à excitação do momento e à secreção de adrenalina. O ritmo cardíaco traduzir-se-ia em calorias consumidas e essa tradução não seria objetiva devido a múltiplos fatores. Os dados de potência são a única forma de quantificar a fadiga acumulada ao longo do tempo. Permitem obter um valor de referência para enfrentar uma subida longa, uma vez que conhecerás a percentagem de perda de potência de acordo com os kilojoules que acumulaste no início da subida. Para além do treino de resistência à fadiga, é necessário ter em conta os seguintes fatores:
- Procurar uma estratégia nutricional com a ingestão necessária de hidratos de carbono
- Há que estar bem hidratado, com as quantidades adequadas de sódio.
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Evita exceder o limiar anaeróbico e FTP na medida do possível. No caso de um ciclista que compete, o seu treino deve centrar-se em ser capaz de aumentar o tempo de trabalho acima do seu FTP.
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Executar treino de força durante toda a temporada. Mesmo que não se aumente a força, atrasa-se a fadiga, especialmente durante o esforço prolongado.
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Não pedales em força porque aceleras o esvaziamento das reservas de glicogénio. Adota o método de pedalar em cadência.
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Não deves vestir roupa em excesso. Leva a um aquecimento do corpo, hipersudação e desgaste cardíaco e energético.
A fadiga não está presente apenas nos esforços a longo prazo, é também a causa da perda de desempenho a um nível competitivo e em períodos mais curtos. Atingir o momento de um sprint com fadiga pode decidir o vencedor.
Adquirir maior resistência à fadiga é uma das questões pendentes para muitos ciclistas. Um exemplo: um ciclista que pesa 70 kg com 340 W de FTP e uma perda de 20% quando atinge 2500 kJ, passa de 4,8 W/kg a 3,8 W/kg. Um ciclista de 70 kg com 310 W FTP e 8% de perda a 2500 kJ, passa de 4,4 W/kg para 4 W/kg. A fadiga castigou o atleta que tinha o nível supostamente mais elevado. Como podes ver, não vale a pena ter números excelentes no início se acumulares cansaço excessivo ao longo do caminho. É por isso que comentamos no início do artigo que em diversas ocasiões é difícil compreender que há vida para além do FTP. A primeira coisa a fazer para chegar melhor ao final de um evento, seja num Granfondo ou numa competição, é controlar a distância ou o custo de energia que podem envolver.
Quando se treina para competições, particularmente a nível recreativo, normalmente não há problema em treinar um volume adequado para provas regulares. Nestes casos não é necessário um volume excessivo e com treino para uma duração de 4h-4h30', já tens garantias suficientes para o dia do evento. Outra coisa é treinar o volume de um evento recreativo de bicicleta, onde é necessário estar mais disponível para treinar algumas horas em certas sessões. Juntamente com a intensidade, sem ser excessiva, pode ser acrescentado um número significativo de kilojoules. O desnível acumulado pode ajudar a acrescentar mais trabalho.
COMO MELHORAR A RESISTÊNCIA
No treino, temos o hábito de começar a um ritmo excessivamente rápido. A melhor maneira de aumentar a resistência à fadiga seria o contrário, aumentando essa intensidade no final das voltas, quando já se acumulou fadiga. Se treinares com base no ritmo cardíaco, as sessões que melhoram a resistência à fadiga são as que se encontram na zona de intensidade aeróbica e na zona limite extensa. Ou seja, entre 80%-85% e 85%-88% da frequência cardíaca máxima, a menos que conheças os limiares, embora as intensidades se aproximem do limiar anaeróbico. Este treino deve começar no final da base e deve ser incluído em certas sessões do período específico. Se controlares as tuas sessões com medidor de potência, os exercícios que melhoram a resistência à fadiga, distribuídos da mesma forma, corresponderiam aos realizados em Z3, Sweet Spot e FTP. Em todos os casos serão aplicados progressivamente, começando com o último ciclo da base, embora em ciclistas especializados possam ser incluídos mais cedo. O nível do ciclista será importante para avaliar se esta abordagem mais precoce é ou não apropriada.