Durante os últimos anos, este é um tema sempre presente nas conversas tanto com amigos, como com pessoas ligadas à modalidade. O nosso país é pequeno, financeiramente pobre, mas em abono da verdade, tem um lote de ciclistas, técnicos, mecânicos e massagistas de topo mundial.
Este tema é polémico, sei bem disso, mas merece ser abordado até porque se as perguntas apenas ficarem no ar, nunca mais encontraremos os motivos que levam o nosso país a não estar presente nas corridas World Tour com uma equipa lusa. Tendo respostas e encontrando os problemas, mais facilmente encontraremos soluções e definiremos um rumo.
Muitos não se lembram, mas antes sequer de surgir o World Tour, Portugal aparecia esporadicamente na alta roda do ciclismo mundial. Publicámos inúmeros artigos na revista Ciclismo a fundo ao longo dos anos, mostrando os feitos de grandes ciclistas lusos em representação de equipas nacionais, feitos esses que ficarão para sempre na história da nossa modalidade.
Uma das equipas que mais se destacou além fronteiras foi a Maia/MSS, mas também existiram outras que participaram em provas de alto gabarito mostrando as cores nacionais. Um país de emigrantes tem sempre essa vicissitude, ou seja, tem sempre o apoio dos seus conterrâneos, onde quer que corra.
Mas afinal, porque motivo não temos uma equipa World Tour, nem sequer Profissional Continental? Não há apenas uma resposta, mas um somatório de motivos que teimam em travar a evolução do ciclismo em Portugal.
Primeiro, Portugal é um país em que a cultura do ciclismo, apesar de estar paulatinamente a crescer, ainda é incipiente face a outras modalidades, como o futebol, que açambarca patrocinadores ávidos por minutos em prime time.
Acresce o facto de o ciclismo, enquanto modalidade competitiva, ainda estar conotada com o doping. É urgente corrigir este problema, quer fazendo o que outros países já contemplam - criminalizar o doping e aumentar as penalizações para ciclistas, técnicos ou demais indivíduos envolvidos em esquemas destes - caso contrário corremos o risco de perder a batalha antes sequer dela ter ocurrido.
Depois, e este ponto é muito importante, é necessário separar o trigo do joio. Não podemos continuar a aceitar que ciclistas e equipas que atempadamente avisam as entidades antidopagem de que um determinado ciclista foi alvo de uma intervenção terapêutica - por recomendação médica - com um produto não aceite , sejam penalizados. Não me quero alongar muito neste tema, até porque há várias leituras do mesmo e cada caso é um caso, mas há relatos de ciclistas que estando em internamento receberam medicamentos que as entidades antidopagem consideram banidos, mas que são utilizados em ambiente hospitalar. É um tema complicado, mas primeiro está a saúde do ciclista, e depois está o controlo antidoping. É verdade que um ou outro ciclista podem abusar e deturpar este processo, mas penso que não serão a maioria.
O segundo ponto tem a ver com a capacidade de investimento. Sim, Portugal é um país pobre, com um défice elevado, mas com um potencial enorme. Temos empresas saudáveis, grandes e que precisam de crescer ainda mais - sobretudo a nível externo - para não perderem o comboio. A competição hoje em dia é gigante - sobretudo devido ao mercado digital - e não encontro razões para empresas financeiramente estáveis não apostarem no ciclismo enquanto veículo priveligiado de promoção dos seus produtos ou valores. Veja-se o caso da Galp, EDP, Corticeira Amorim, Delta, entre outras.
Acresce o facto de o ciclismo ser considerado um meio de promoção verde (baixo nível de poluição), o que pode ser encarado pelos departamentos de Marketing e Publicidade, uma forma de promoção no sentido positivo.
Temos também o caso da autopromoção regional ou nacional. Veja-se o caso da Astana, da UAE Emirates, da Bahrain... Portugal cresceu nos últimos dois anos antes da pandemia devido ao Turismo e ter uma equipa lusa a promover o que de melhor temos em eventos desportivos transmitidos em direto para mais de 100 países somente é equiparável a campeonatos de grandes dimensões como a Liga dos Campeões, a título de exemplo. O Turismo de Portugal poderia ter aqui um papel importante, sobretudo a nível de ativação de marca. Lembro-me perfeitamente de estar em provas World Tour e ser possível experimentar produtos dos patrocinadores dessas equipas. Convidar jornalistas de outros países, mostrar o que de melhor se faz a nível nacional numa prova World Tour é o melhor escaparate que pode haver.
Em terceiro lugar destaco a necessidade de saber vender. Uma equipa Pro Continental ou World Tour é muito mais do que apenas um projeto desportivo, é um negócio. Ou seja, para além de termos uma estrutura montada que se dedique exclusivamente à vertente desportiva, é necessário ter também uma outra equipa que "alimente" esse projeto, quer angariando patrocinadores, quer "mimando-os", envolvendo-os no projeto, fazendo ações de Marketing direto e promovendo muito e de forma assertiva nas revistas da especialidade, nas redes sociais e em sites próprios. Uma equipa - digamos a verdade - tem de vestir a camisola do Marketing puro e duro, caso contrário, se um patrocinador sentiu que investiu "x" milhões em algo que lhe deu um retorno "y", mas com ativação zero ou perto, não tem muito interesse.
Atualmente os patrocinadores querem sobretudo duas ou três coisas: promoção, ativação e resultados. E, claro, zero problemas.
Mas será que estas grandes empresas não foram contatadas e tudo isto não passa de utopia? Claro que todas estas empresas já foram contatadas por equipas - e até por organizadores de provas, diga-se de passagem -. Aliás, estas grandes empresas que referi apoiam outras modalidades e eventos, mas falta algo que o ciclismo ainda não conseguiu demonstrar e que do meu ponto de vista - que poderá estar errado - passa por manter a luta contra o doping e sobretudo pela apresentação de projetos ambiciosos - sejamos realistas, as empresas grandes querem apostar em grandes projetos - e que mais do que a vertente desportiva, salvaguardem a vertente de promoção comercial e a notoriedade.
Temos ciclistas de altíssismo nível, temos staff nas melhores equipas World Tour, temos técnicos de topo - como o José Azevedo, Ricardo Scheidecker... - e temos empresas com potencial exportador. O que é que nos falta? Arriscar, cuidar (sobretudo da modalidade, que bem precisa) e apostar (na formação, na criminalização do doping, na divulgação das provas e dos patrocinadores, enfim, no futuro da modalidade).
A Efapel é, no nosso país, um exemplo perfeito do que deve ser feito a nível comercial/marketing. Esperemos que mais equipas sigam este caminho e que as grandes empresas acreditem que o ciclismo é muito mais do que aquilo que alguns querem que seja. O céu é o limite...