A trajetória de vida de Gabriel Mendes está diretamente relacionada com o ciclismo, um desporto que assumiu como seu desde a sua infância, sendo ele atleta durante largos anos. Desde 2010, abraçou o ciclismo de pista em Portugal após a construção do Velódromo Nacional em Anadia e a Academia de ciclismo de pista.
Depois da sua carreira como atleta, seguiu um percurso académico em linha com a sua paixão pelo desporto. Posteriormente desempenhou a função de treinador. Antes de se tornar selecionador nacional, colaborou com uma equipa de ciclismo de estrada, onde adquiriu experiência.
Quem é Gabriel Mendes?
Sou natural da Marinha Grande, tenho 50 anos, estou ligado ao ciclismo desde a minha adolescência, o ciclismo faz parte do meu contexto familiar. O meu pai fez ciclismo quando era mais jovem, e é daí que vem o meu gosto pelo ciclismo. A cultura da bicicleta sempre foi algo presente na minha família, e influenciou o meu percurso de vida. Fiz ciclismo até aos meus 23 anos, posteriormente deixei o ciclismo de forma competitiva Entrei na universidade, licenciei-me em Ciências do Desporto e fiz o mestrado na universidade de Coimbra. Fui docente de Educação Física e desporto escolar e foi nessa altura que surgiu a oportunidade de assumir o meu atual cargo, depois da inauguração do velódromo em Anadia.
Em 2010, foi nomeado selecionador nacional de ciclismo de pista, numa época em que a modalidade ainda estava em fase de desenvolvimento no país. Desde então, tem sido responsável pela formação e orientação de nomes como Iúri Leitão, Ivo Oliveira, Rui Oliveira e Maria Martins, que fizeram história em Portugal nesta modalidade.

Como surgiu a oportunidade de trabalhar com a Federação de Ciclismo como Selecionador de Pista?
Após a inauguração do velódromo em Anadia, a Federação abriu uma vaga para selecionador nacional de pista. Esta vaga seria para a pessoa que iria coordenar e desenvolver o ciclismo de pista. Eu enviei o meu currículo, e soube à pouco tempo que havia mais 14 pessoas a concorrer para a mesma vaga que eu. Cheguei a acordo com a Federação e iniciei o processo. Sou uma pessoa apaixonada pelo ciclismo, e ter a oportunidade de trabalhar no desporto que mais me apaixona é de facto algo fantástico.
Quais são as características que o definem como Selecionador?
Isso está diretamente associado à minha filosofia de trabalho. Organização, metodologia de trabalho e ter um processo assente no conhecimento da ciência, baseado numa cultura de exigência e otimização de recursos. Trabalho num sentido de aprendizagem, gosto de trabalhar num meio de excelência, procurando sempre a minha melhor versão.
Como foi o processo de criação da atual seleção nacional de pista e o seu percurso?
No contexto da seleção nacional de pista, os trabalhos foram feitos gradualmente. A escola de pista foi o primeiro passo, focava-se em desenvolver jovens atletas que viessem a integrar a seleção nacional. Após 2 anos, começaram a integrar outros atletas fora da escola, nomeadamente os gémeos Oliveira, que integraram a seleção na passagem de cadetes para juniores, e são atletas que ainda hoje continuam como elite. Desde o início que fizemos questão de incluir a vertente feminina, e ao longo deste ano a seleção tem crescido e incorporando novos atletas. A seleção foi crescendo progressivamente e fomos obtendo resultados promissores. Desde 2013, com a primeira medalha na pista no Campeonato da Europa, continuamos muito constantes a obter resultados de relevo. Nos últimos dois anos a magnitude dos resultados tem crescido com a vitória nos Campeonatos do Mundo e Jogos Olímpicos. Chegamos ao topo, sob o ponto de vista de resultados, atingimos o culminar com a vitória nos Jogos Olímpicos.”
Sob a orientação de Gabriel Mendes, a seleção nacional conquistou 38 medalhas em competições diversas ao longo de dez anos. Isso inclui um desempenho destacado nos Campeonatos da Europa, Campeonatos do Mundo e outros eventos internacionais. A qualificação para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 foi um marco significativo na carreira de Gabriel Mendes, simbolizando um avanço importante para o ciclismo de pista português. Com esta qualificação Maria Martins tornou-se a primeira ciclista portuguesa a competir nessa modalidade. Em 2024, Portugal conseguiu a classificação Olímpica no feminino e masculino.
Como foi competir nos Jogos Olímpicos 2024 com a vertente feminina e masculina?
Foi fantástico. Em 2020, não conseguimos estar presentes em Tóquio na vertente masculina, na qual tivemos uma série de situações que ocorreram no processo de qualificação, quando tínhamos condições para o fazer. Foi uma pena não conseguirmos qualificar no masculino, foi excelente conseguimos no feminino. A equipa não baixou os braços, focamos no processo para 2024, com intuito de não sofrermos as situação que tínhamos sofrido no processo de qualificação anterior. A equipa é extremamente consistente e regular, e própria foi evoluindo durante o processo, já tínhamos um ótimo trabalho desenvolvido e saímos com muita competência e conseguimos fazê-lo com sucesso em Paris. A partir do momento em que o Iúri é campeão mundial de Omnium criou-se uma nova expectativa. No meu processo de trabalho não faço para colocar pressão nos atletas, mas sim opto por outra abordagem, focada na responsabilidade do trabalho que desenvolvemos e no que controlamos. Eu não controlo as expectativas que as pessoas criam fora do contexto da seleção, mas tenho a responsabilidade de fazer a gestão adequada das expectativas tendo em conta a análise que nós fazemos do contexto, e isto foi trabalhado precisamente nos Jogos.

Iúri Leitão fez história ao conquistar a medalha de ouro na disciplina de Omnium, no Campeonato Mundial de Ciclismo de Pista em 2023, realizado em Glasgow, tornando-se o primeiro ciclista português a alcançar esse feito. Este triunfo não apenas solidificou a sua posição entre os melhores do mundo, mas também elevou Portugal no cenário do ciclismo de pista, aproximando o país de uma maior visibilidade internacional. Gabriel Mendes admite que houve uma pressão nova que surgiu com a conquista do título mundial por Iúri Leitão. O trabalho para os Jogos Olímpicos de Paris 2024 foi extenso e meticuloso, com um processo de apuramento que se estendeu por dois anos e envolveu diversos intervenientes. Refletindo sobre a mentalidade da equipa, Gabriel Mendes enfatizou que abordaram os Jogos com um sentido de responsabilidade, cientes de que estavam de olhos postos na competição mais importante a nível mundial.
Abordamos os Jogos com o sentido de responsabilidade, sabíamos que iríamos para a competição mais importante a nível mundial e que teríamos de ter um abordagem consciente das nossas capacidades e de respeito para com os nossos adversários, o resto nós não controlamos.
O trabalho foi árduo, mas compensador, e todos os portugueses puderam viver com emoção a primeira medalha olímpica de ciclismo de pista na estreia da seleção nacional masculina de pista nos Jogos Olímpicos. Iúri Leitão, carinhosamente apelidado de "Flying Pig", carimbou o seu nome na história do ciclismo português, conquistando a medalha de prata na competição de Omnium. Iúri finalizou a prova com 153 pontos, ficando atrás apenas do francês Benjamin Thomas (164 pontos) e à frente do belga Fábio van den Bossche (131 pontos). Esta conquista não apenas marcou a primeira medalha olímpica portuguesa no ciclismo de pista, mas também se juntou ao histórico segundo lugar de Sérgio Paulinho em Atenas 2004, elevando ainda mais o prestígio do ciclismo nacional.
Portugal não se ficou por aqui, seguiu-se a vez da dupla de Iúri Leitão e Rui Oliveira entrarem na pista em dupla para o Madison, onde brilharam ao conquistar a medalha de ouro. Com uma performance impressionante, a dupla portuguesa somou 55 pontos. Esta vitória histórica não apenas garantiu o primeiro ouro olímpico para Portugal no ciclismo de pista, mas também solidificou o nome de Iúri Leitão e Rui Oliveira na história do desporto nacional, tornando-se uma verdadeira "dupla maravilha" ao escreverem um novo capítulo na trajetória olímpica do país. E Gabriel Mendes foi o responsável por esta dupla.

Como foi viver as vitórias da Seleção Nacional de Pista nos Jogos Olímpicos de Paris?
Foi uma alegria, uma satisfação, um orgulho enorme. Se perguntar a qualquer atleta, o sonho é ir aos Jogos Olímpicos, ganhar uma medalha olímpica, então, é o expoente dos sonhos. E também o sonho de qualquer selecionador. Nós conseguimos conquistar aquilo que sonhamos ao longo deste tempo todo, da nossa vida como profissionais de desporto. Não há palavras para descrever, é um momento de alegria máximo, foi um dos momentos mais importantes, é para isso que todas as nações se preparam e investem. É um orgulho enorme por tudo o que fizemos e o trabalho que dedicamos, e conquistar logo na nossa estreia, é algo incrível.
Em conversa com Rui Oliveira após os Jogos Olímpicos, numa entrevista exclusiva com o campeão olímpico, o ciclista destacou o papel fundamental de Gabriel Mendes, não apenas como treinador e selecionador, mas também na gestão eficiente dos recursos destinados ao ciclismo de pista. O investimento no desporto em Portugal é significativamente menor em comparação com outras nações onde o apoio ao desporto é mais substancial.
O investimento no desporto em Portugal, especialmente no ciclismo, tem sido uma preocupação constante, refletindo a necessidade de um maior apoio para que os atletas possam alcançar resultados internacionais. Para 2024, o Governo destinou aproximadamente 50 milhões de euros ao desporto, um aumento em relação ao ano anterior, mas ainda assim insuficiente quando comparado ao orçamento da Federação Portuguesa de Futebol, que ultrapassa os 120 milhões de euros. Essa disparidade é evidente na distribuição das verbas, onde o ciclismo e outras modalidades enfrentam desafios para obter financiamento adequado.
Gabriel Mendes, treinador da seleção nacional de pista, atua como um micro gestor neste cenário, otimizando os recursos limitados para maximizar o desempenho da equipa. A falta de investimento significativo no ciclismo em comparação com outras nações onde o desporto é amplamente apoiado limita as oportunidades de desenvolvimento e sucesso dos atletas portugueses. É necessário que haja um aumento no apoio financeiro e institucional no ciclismo em Portugal para que os atletas possam competir em igualdade de condições no cenário internacional.
Qual é o impacto que as medalhas olímpicas conquistadas podem ter para angariar futuros investimentos para o crescimento do ciclismo de pista em Portugal?
A minha expectativa é que tenhamos as condições e os apoios necessários para manter a equipa competitiva. Precisamos desses apoios. O ciclismo de pista tem em si bastantes exigências: logísticas, para que nós consigamos durante as competições proporcionar aos atletas as condições de trabalho ao nível que estão a competir. Tecnologia e material, no ciclismo de pista há muitas quedas, há acidentes, e é preciso substituir o material, já para não falar da qualidade do material que tem de ser adquirido. As exigências são elevadas, e precisamos de apoio para essas mesmas exigências. Até aqui temos feito uma gestão com os meios que temos, os recursos não são infinitos, temos de otimizar o que temos. Focamos em fatores externos, todos nós vamos aumentando as tecnologias, a qualidade do material, chegamos a um ponto em que esses fatores são muito similares, mas quando o material é muito similar o que faz a diferença é o atleta. Precisamos manter o grau de investimento que nos permita manter a equipa competitiva.
O futuro do ciclismo português não passa apenas por assegurar os investimentos no ciclismo de pista, mas também por apostar na formação da próxima geração de ciclistas que poderão representar a seleção das quinas. Como Gabriel Mendes, selecionador nacional de ciclismo de pista, sabiamente menciona, "o que faz a diferença é o atleta". Desta forma, a formação torna-se um dos focos principais para dar continuidade ao excelente trabalho já realizado e almejar mais vitórias no futuro.
Qual é o futuro da formação de ciclismo de pista?
Nós temos atividade com as categorias juniores e Sub-23, menos com cadetes, e isso está relacionado com os fundos e recursos que conseguimos ter. Atualmente temos algumas limitações. Queremos enquadrar mais trabalhos, queremos reforçar para termos um melhor processo para acolher mais jovens para representar a seleção nacional e pensar a médio e longo prazo. Para termos novos atletas a chegar a elite, é necessário fazer um reforço, porque temos limitações. Se não tivermos investimento, não há capacidade para enquadrar a seleção num quadro competitivo, o processo torna-se mais lento, difícil e a probabilidade destes atletas surgirem é menor.
Relativamente aos investimentos e à discussão acerca da construção de um novo velódromo, Gabriel Mendes admite que se tivermos mais velódromos, há benefícios para o ciclismo de pista e para o próprio ciclismo em geral. Nota que para essa realidade ser exequível é necessário investimento. O velódromo é um instrumento de trabalho onde os atletas mais jovens podem desenvolver competências técnicas que têm impactos noutras vertentes. Sublinha que é necessário manter as estruturas já construídas em boas condições, e deixa um apelo: 'Venham os investidores, que o investimento será bem alocado.'"
Gabriel Mendes continua a destacar-se como selecionador, e o seu trabalho é reconhecido, não só através dos resultados dos seus atletas, mas também pela atribuição de prémios e distinções do Comité Olímpico Português. A dedicação e o compromisso de Gabriel Mendes ao ciclismo de pista têm sido fundamentais para o crescimento da modalidade em Portugal.
Os objetivos passam por manter o trabalho realizado até então e consolidar a formação, reconhecendo que o processo de aperfeiçoamento é contínuo e que a seleção nacional de pista ainda tem margem de crescimento. Como o próprio afirma: "Apesar de termos sido campeões olímpicos, temos coisas para melhorar e é sobre isso que nos temos de focar nos próximos dois anos antes de voltarmos ao processo de apuramento para os próximos Jogos Olímpicos. Temos diversas competições até lá, Europeus e Mundiais, para procurarmos os melhores resultados para a nossa nação."
Esta visão demonstra o compromisso contínuo com a excelência e o desenvolvimento do ciclismo de pista em Portugal, mesmo após o sucesso olímpico. Gabriel Mendes reconhece a importância de não se acomodar com as conquistas alcançadas, mas sim de usar esse sucesso como motivação para continuar a evoluir e a buscar novos patamares de desempenho para o ciclismo português.
Com uma visão clara e paixão pela modalidade, Gabriel Mendes continua a moldar o futuro do ciclismo nacional, preparando novas gerações para competições internacionais e elevando o perfil do desporto no nosso país.