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Entrevista exclusiva com Rui Oliveira

A trajetória de Rui Oliveira até aos Jogos Olímpicos de Paris 2024 ficou marcada por perseverança e dedicação, culminando na conquista da medalha de ouro na prova de Madison, ao lado de Iúri Leitão.

Texto e fotos: Juliana Reis

Entrevista exclusiva com Rui Oliveira
Entrevista exclusiva com Rui Oliveira

Rui Oliveira, ciclista português nascido em Vila Nova de Gaia, tem 28 anos e já leva um longo percurso no ciclismo de pista. Aliás, o seu percurso é notável.

O Rui conquistou três medalhas nos Campeonatos Europeus de Ciclismo em Pista entre 2017 e 2020 em representação da seleção nacional, solidificando sua posição como um dos principais atletas da modalidade. Foi em 2024, nos Jogos Olímpicos de Paris que a dupla voltou a fazer história. 

No início da temporada o atleta esteve envolvido numa queda onde partiu o braço esquerdo, não obstante tinha os seus objetivos para a temporada e os Jogos Olímpicos ainda eram apenas uma miragem no horizonte. Rui Oliveira focou a sua recuperação para estar na melhor forma possível para alinhar no Giro d´Italia em Maio deste ano. Ele fez o seu trabalho e os resultados estavam à vista de todos. E depois chegaram os jogos Olímpicos. Este feito histórico não apenas representa a primeira medalha de ouro para Portugal em ciclismo de pista, mas também destaca o esforço da dupla num contexto de recursos limitados. Rui, que sempre sonhou em representar o seu país em grande estilo, reflete sobre a vitória em Paris.

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Como é que foi o teu processo até saberes que iam aos Jogos Olímpicos em termos de treinos e preparações? Com o Giro d 'Italia no calendário como se procedeu a tua preparação?

“Sim, até aí (Giro d´Italia) não sabia que ia aos Jogos. Só soube que ia ser um dos convocados no final de junho, ou seja, a um mês praticamente da competição, portanto a minha preparação foi toda feita praticamente para a estrada e só o último mês, quando soube que ia aos Jogos (Olímpicos), é que me foquei na preparação para a pista. A minha preparação para a estrada foi atípica, porque tinha tido uma fratura no cotovelo, não pude treinar muito tempo na estrada durante um mês, os meus treinos foram nos rolos e muito trabalho também de sauna. Depois, também fui para altitude, para a Colômbia, duas semanas, e foi essa a preparação toda que eu fiz.“

O que é que sentiste quando soubeste que ias ser um dos convocados pela Seleção Nacional Portuguesa para representar Portugal nos Jogos Olímpicos de Paris na vertente de ciclismo de Pista?

“Eu já estava à espera, seria claro, entre mim e o Ivo (Oliveira), portanto estava à espera de ir ou não ir, mas claro, na altura, sinceramente, não fiquei contente. Fiquei, “ok”, fui selecionado, mas o meu irmão ficou de fora, portanto era um misto de sensações, um sentimento agridoce. Mesmo até chegar aos Jogos, praticamente, foi sempre uma situação estranha. Depois comecei a lidar com as coisas e sabia que ia ter o apoio dele (Ivo Oliveira) e de toda a gente da seleção, portanto só tinha que fazer o melhor para os representar e aí fiquei tranquilo.”

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Ivo Oliveira, irmão gémeo de Rui Oliveira, também foi um dos grandes nomes associados ao apuramento Olímpico na vertente de Pista, tendo já vários resultados nas provas Europeias. Ivo, era um dos possíveis nomes na convocatória portuguesa, mas uma queda durante a terceira etapa da prova Boucles de la Mayenne, em França, resultou numa lesão na mão que requereu uma cirurgia e um período de recuperação.

Apesar de não ter sido selecionado para competir nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 devido à quota limitada de vagas e à sua lesão, Ivo esteve presente para apoiar o seu irmão e Iúri Leitão na conquista da medalha de ouro na prova de Madison.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Consideras que a lesão do teu irmão antes dos Jogos Olímpicos poderá ter afetado a decisão do selecionador, Gabriel Mendes?

“Sim, eu acho que foi a principal razão. O Ivo, no ano anterior, ganhou uma Taça do Mundo com o Iúri em Madison, e já tinha feito terceiro lugar este ano também. Na verdade, eu só competi nos Europeus de Pista em Janeiro, em dupla com o Iúri, em que fizemos quarto lugar no Madison. Portanto, o Ivo ter partido a mão tão perto da seleção para os Jogos, e sabendo que ele ainda estava a recuperar a decisão recaiu sobre mim. Já estava à espera, porque a preocupação era grande caso ele não conseguisse ter bom rendimento com a mão, isso podia prejudicar também o futuro, portanto acho que foi uma decisão acertada, mas tanto eu como ele eramos dois que podíamos ir.”

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Portugal fez sua estreia no ciclismo de pista masculino nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, com duas vagas no masculino. Iúri Leitão competiu na vertente de Omnium, onde conquistou a medalha de prata, e a segunda vaga ficou para Rui Oliveira, que fez dupla com Iúri Leitão na vertente de Madison.

Vê este vídeo se não sabes o que é a vertente de Madison

O madison é uma prova de ciclismo realizada em duplas, caracterizada como uma "corrida de estafetas". Nesta modalidade, os ciclistas alternam as suas posições durante uma longa corrida na pista, com distâncias de 50 km para os homens, 200 voltas. Enquanto um ciclista compete, o outro reduz a velocidade para descansar, realizando uma troca de posições que envolve um impulso de mão entre eles, técnica designada como rendição. Os pontos são atribuídos a cada dez voltas, em sprints intermédios, onde são distribuídos 5, 3, 2 e 1 ponto. Cada equipa que consegue completar uma volta à frente do pelotão ganha 20 pontos, enquanto as que são dobradas perdem 20 pontos na classificação. No sprint final, que ocorre após uma corrida longa e extenuante, os pontos são duplicados em comparação aos sprints intermédios, premiando os ciclistas mais resistentes com 10, 6, 4 e 2 pontos.

Como foi a vossa preparação, enquanto dupla para os Jogos Olímpicos?

“Nós praticamente só tivemos 3 dias a treinar na pista em Anadia (Velódromo de Sangalhos), porque ambos tínhamos competições de estrada. O Iúri esteve na República Checa e eu estive na Áustria, e essa foi a nossa preparação em termos de endurance. Os 3 dias no velódromo foram muito importantes porque estivemos a fazer um trabalho bastante específico para a corrida de Madison e a limar algumas arestas. Só tínhamos corrido juntos em fevereiro, mas nós já sabíamos o que esperar, já corremos juntos muitas vezes portanto é só limar aquelas pequenas coisas, afinar as táticas, rever alguns pormenores e foi isso que nós fizemos e acho que foi essencial.”

O Madison é uma corrida particular. Como é o vosso treino específico para esta corrida?

“Temos que ter bastante coordenação: quem vai entrar em pista, quem sai da pista; como é que vamos fazer para render nas voltas certas, para que consigamos fazer o sprint na altura certa, este ponto é crucial. Portanto, o treino é muito à base de coordenarmos um com o outro estes pequenos pormenores. A técnica de rendição, é o mais importante. Fazemos o treino atrás da moto e obviamente a moto vai dando o pacing e nós vamos fazendo mais de 200 voltas, a cada duas voltas trocamos e afinamos os pormenores, a comunicação é um ponto chave para vermos a melhor maneira maximizar o trabalho”.

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Iúri Leitão e Rui Oliveira conquistaram a medalha de ouro na prova de Madison, que decorreu no Velódromo de Saint Quentin-en-Yvelines. Como referimos, a prova consistiu em 200 voltas, onde a dupla portuguesa demonstrou uma estratégia eficaz. Após um início discreto, os ciclistas atacaram nas últimas 50 voltas, garantindo pontos cruciais em sprints. No total, Portugal somou 55 pontos, superando a Itália, que ficou com a prata (47 pontos), e a Dinamarca, que conquistou o bronze (41 pontos).

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Qual foi a vossa principal estratégia na prova de Madison dos Jogos Olímpicos?

“Nós estávamos muito tranquilos, sabíamos que íamos usar a nossa tática mais para o final. Os primeiros oito pontos que fizemos, quando tínhamos 40 voltas, foram importantes. Sabíamos que tínhamos que pontuar ali porque iam ser pontos importantes, para o final, e que acabaram por ser, mas sim, estávamos tranquilos. Nós sempre fomos muito fortes no final. Houve muitas nações que deram voltas de avanço, penso que a Itália já tinha 40 e tal pontos quando nós ainda só tínhamos 8. A 40 voltas para o final estava “a coisa apertada”, mas acho que não entrar em pânico e saber que íamos levar a corrida só para o final deixou-nos muito tranquilos e a partir do momento que começámos a pontuar, foi até o final.”

O ciclismo de pista é uma modalidade emocionante e desafiadora, que exige velocidade, técnica e estratégia dos atletas. Embora não seja tão conhecida do grande público em Portugal como o ciclismo de estrada, a seleção nacional, mesmo antes dos Jogos Olímpicos, já tinha conquistado resultados expressivos em competições internacionais.

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Em termos de comunicação social, vocês sentiram algum apoio antes de alinharem nestes Jogos Olímpicos? Sentiram alguma pressão para atingir o pódio?

“Eu acho que é normal as pessoas não conhecerem tanto o ciclismo de pista, porque nunca tínhamos sido representados no masculino, nos Jogos, que é a principal competição. Na minha opinião, só quem estava no meio, só quem conhecia um pouco do ciclismo é que conseguia dar a sua opinião, e eu penso que essas pessoas acharam que nós íamos fazer um bom resultado. Muitos falavam em medalha, mas obviamente nós tentámos não ligar a esses comentários porque isso só traz pressão e nós não queríamos isso. É difícil que a comunicação social chegue a nós sem nos conhecer, não tínhamos no nosso repertório um feito assim, obviamente que o Iúri já tinha sido campeão do mundo, e com a medalha de prata nesta mesma edição, deram-nos mais atenção para a corrida Madison. Isso foi bom, mas acho que é normal que as pessoas não conheçam, porque até agora não houve muita comunicação sobre o que é o ciclismo de pista e o nosso trabalho, portanto é normal…mas espero que a partir de agora isso mude e haja um “boom”.”

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Qual é que foi a primeira coisa que te passou pela cabeça assim que a corrida terminou?

“Não sei o que é que me passou... Passou o sentimento de que não estava a acontecer aquilo, que não era real. Nós (atletas) sofremos tanto e muitas vezes os resultados não chegam... Nunca tínhamos feito um lugar assim tão bom em nenhuma corrida e chegar aos Jogos e conseguir ganhar foi… não dá para explicar, acho que ainda vai demorar algum tempo para tentar encontrar a palavra certa. Nós sabíamos que podíamos fazer um bom resultado, mas ganhar? Foi algo indescritível, foi a minha estreia, a nossa estreia, do ciclismo de pista (masculino) nos Jogos Olímpicos. Conseguimos duas medalhas, o que é que isto significa? Para Portugal? Para o ciclismo em geral? Para os restantes desportos? Acho que só o facto de ter sido a primeira medalha de Ouro de sempre nos Jogos Olímpicos, sem ser no atletismo, diz muito do que é que acabámos de fazer. Acho que é uma coisa histórica.”

 

Este feito não só eleva o perfil do ciclismo de pista em Portugal, mas também destaca a capacidade dos atletas de alcançar resultados excepcionais, mesmo com recursos limitados, enfatizando a esperança de um futuro mais promissor para o desporto em geral.

Qual é a perspectiva para o ciclismo de pista em Portugal depois deste feito?

“As pessoas só têm que ver tudo o que alcançámos com recursos reduzidos. Usámos os recursos que tínhamos ao máximo, através do Gabriel (Selecionador Nacional de Ciclismo de Pista), ele é a principal pessoa que nos faz estar onde estamos hoje, porque usa os recursos que tem da melhor maneira. Talvez sejamos os campeões olímpicos, como o Iúri já disse, mais baratos da história. Não houve assim tanto investimento, mas espero que a partir de agora haja uma mudança. Já demonstrámos que podemos estar entre os melhores do mundo e de facto podemos, portanto precisamos de apoios, porque sem apoios, sem dinheiro… é difícil fazer as coisas.”

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Sentes que mudou alguma coisa para ti enquanto atleta e pessoa, agora que és Campeão Olímpico?

“Não, como atleta claro que sempre quis alcançar este patamar que poucos atletas no mundo atingem. Em Portugal, apenas cinco atletas atingiram isso. É um marco que fica para a história... Sei que eu e o Iúri estamos na história de Portugal e dos Jogos Olímpicos. Enquanto pessoa, continuo a ser a mesma pessoa, apenas com mais um reconhecimento do nosso trabalho. É importante para mim que o ciclismo de pista cresça porque é uma coisa que eu adoro fazer, tanto eu, como os meus colegas. Passámos muitas dificuldades até aqui e acho que esta medalha tem tudo para que consigamos agora trabalhar com muito mais calma e continuar a este nível.”

A vitória de Rui Oliveira e Iúri Leitão nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 não é apenas uma conquista pessoal, mas um marco para o ciclismo português. Rui, que enfrentou desafios significativos ao longo de sua carreira, destaca-se agora como um dos melhores do mundo no ciclismo de pista. Este triunfo na prova de Madison representa a realização de um sonho e a confirmação de que, com trabalho árduo e resiliência, é possível alcançar grandes feitos, mesmo em face das adversidades. Este é um momento que certamente inspirará futuras gerações de atletas a perseguirem os seus próprios sonhos, mostrando que o esforço e a dedicação valem sempre a pena.

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Com resultados expressivos no ciclismo de pista, Portugal entra numa nova era. É hora de impulsionar as diferentes modalidades e mostrar o talento dos atletas portugueses, não só durante os Jogos Olímpicos, porque os resultados que se alcançam lá vêm do trabalho realizado antes.

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