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Limiar ou VO2max: qual é a melhor referência?

Se costumas treinar, certamente já fizeste séries, algumas mais curtas e outras mais longas. Mas quais são as que produzem mais resultados quando queremos melhorar o nosso rendimento? E que intensidade é a melhor? Devo basear-me no meu limiar ou na minha potência aeróbica? Lê o artigo e saberás...

Revista BIKE

Limiar ou VO2max: qual é a melhor referência?
Limiar ou VO2max: qual é a melhor referência?

O treino de alta intensidade é imprescindível para poder desenvolver todo o nosso potencial físico como ciclistas. Em função do nível e da experiência devemos fazer treinos mais ou menos exigentes. Quanto mais nível e experiência tivermos, mais determinante será o tipo e quantidade do treino de alta intensidade para melhorarmos. É verdade que somente percorrendo quilómetros poderemos melhorar muito, mas se não incluírmos este tipo de sessões a tendência será estancar.

Como já referimos em outros artigos aqui no site, bem como na revista BIKE, a alta intensidade inclui um leque amplo de intensidades. Começa na zona do ritmo limiar, aquele ritmo que podemos manter no máximo durante 1 hora e termina com sprints máximos a 100% da nossa capacidade. Nesse espectro temos muitas intensidades e, obviamente, nem todas são iguais nos efeitos que produzem. Podemos dividir a alta intensidade em três zonas, a zona do limiar, a zona de consumo máximo de oxigénio (VO2max) e a zona de máxima intensidade. Hoje vamos concentrar-nos nas duas primeiras, a zona limiar e a de VO2max, e vamos ver que efeitos provocam no nosso organismo e se alguma das duas é mais eficaz na melhoria do nosso rendimento. 

ZONA LIMIAR

Já sabemos que existem diferentes termos para definir esta zona, inclusivé alguns não se referem exatamente ao mesmo. Quando falamos de zona limiar referimo-nos à intensidade máxima que podemos manter durante uma hora. A melhor forma de a conhecer é fazer um teste de 1 hora. Os watts e pulsações médias dessa hora são o nosso ritmo limiar. Este teste é muito exigente e nem todos estão capacitados para o fazer, além de supor um grande stress, sobretudo psicológico, para o ciclista. Por isso usamos versões mais curtas de 30 minutos ou de 20 minutos. A partir deste teste estimamos o resultado para uma hora multiplicando os watts médios por 0,95 para o teste de 30 minutos ou 0,90 para o teste de 20 minutos, e as pulsações médias por 0,99 e 0,98 respetivamente.

A partir deste dado de intensidade limiar calculamos os limites para as séries, em watts ou pulsações. Em watts seria entre 95% e 105% desse limiar, embora possamos simplificar e usar 15 watts abaixo e 15 watts acima. Se falarmos de pulsações, o limite para as séries seriam 5 pulsações abaixo ou acima do limiar. Se treinamos por perceção de esforço, estas séries deveriam implicar um esforço de 6-7 numa escala de 10. 

As sessões de treino limiar costumam procurar acumular um volume total de séries no limite entre 40 minutos e uma hora. Nos casos de nível muito elevado pode-se tentar superar a hora com as recuperações adequadas. Cada série teria uma duração entre 8´e 30´, sendo as mais habituais as de entre 10´e 20´. A recuperação seria metade do tempo da série.   

O que é que treinamos nas séries dentro da zona limiar?

O ritmo limiar solicita de forma intensa o uso da via aeróbica, mas sem chegar ao máximo. Embora seja de forma menos intensa, a via anaeróbica também é ativada e fruto dessa ativação aparece o ácido láctico, contudo em quantidades que o corpo é capaz de manejar, pelo que a acidez muscular não se converte em algo limitativo. As fibras musculares dividem-se em três tipos: lentas, intermédias e rápidas. Nas primeiras séries usaremos um mix de fibras lentas e intermédias e à medida que vamos fatigando as intermédias teremos de recrutar cada vez mais fibras lentas, o que torna impossível manter esse ritmo tão elevado.

O combustível principal será a glucose proveniente do sangue e do glicogénio muscular, mas ainda existe uma pequena participação das gorduras. A disponibilidade de glucose, à medida que vamos gastando o glicogénio muscular, é uma das principais limitações nestas séries, juntamente com a fadiga nervosa central. O conjunto estes estímulos faz com que estas séries sejam muito úteis para aumentar os depósitos de glicogénio muscular e a eficiência energética a ritmos médios. 

ZONA DE CONSUMO MÁXIMO DE OXIGÉNIO (VO2MAX)

A zona de VO2max está melhor definida e é bastante clara. É a intensidade mínima à qual se alcança o nosso nível de consumo máximo de oxigénio (VO2max), o momento onde estamos a usar a 100% todo o nosso sistema de transporte de oxigénio para gerar energia. Para localizar os nossos limites de treino nesta zona devemos fazer um teste máximo entre 3´e 6´. Também é habitual fazer um teste de 5´como referência da zona de VO2max.

Aqui, as pulsações não nos vão ser muito úteis e não as vamos poder usar como referência. Devemos fazer estas séries tendo como base os watts ou as sensações. Se usarmos as sensações de perceção de esforço, deveríam estar no nível 8-9 numa escala de 10, podendo chegar a 10 na última série. 

As sessões de VO2mx procuram acumular o maior tempo possível nessa zona, e normalmente falamos entre 12´e 30´de tempo total de séries nesse limite. As série durarão entre 2´e 5´e as últimas devem ser na máxima intensidade possível. A recuperação entre séries sería da mesma duração que o tempo da série.  

O que é que treinamos nas séries de VO2max?

O objetivo destas séries é conseguir alcançar durante o maior tempo possível o VO2max do nosso organismo. Trata-se de pôr a trabalhar toda a capacidade do sistema de transporte de oxigénio. A essa intensidade a via aeróbica funciona a 100%, mas também necessita de uma ativação, embora não muito elevada, da via anaeróbica. Isto faz com que a produção de ácido lático seja notória e que o corpo tenha dificuldades em reagir. Por isso deve-se afinar bem a intensidade, duração e recuperação de cada série, pois se ultrapassarmos certos limites, tanto a nível de intensidade como de duração, não conseguiremos manter a intensidade devido a uma acidose excessiva do músculo. Se formos ajustando essa intensidade e essa duração poderemos continuar a acumular tempo em VO2max.

A essa intensidade começamos a usar fundamentalmente fibras intermédias e rápidas. À medida que vamos acumulando tempo de séries, as fibras rápidas ficam fatigadas e o peso recai totalmente nas intermédias. Quando estas se esgotarem e tiverem de entrar as fibras lentas será o momento em que já não conseguiremos manter mais a intensidade marcada. Também se gera muita fadiga central no sistema nervoso, que nos limita a quantidade de tempo nessa zona.

O combustível energético é em exclusivo a glicose sanguínea e o glucogénio muscular, tanto pela via aeróbica como anaeróbica. Se começarmos o treino com os depósitos de glucogénio cheios não deve ser limitativo. No entanto, se começarmos com níveis baixos ou médios de glucogénio muscular, poderemos ficar limitados por falta de "gasolina". Estas séries estimulam todas as adaptações do tipo aeróbico, produzindo uma melhoria do valor absoluto de consumo de oxigénio, mas também uma melhoria na eficiência energética, tanto em intensidades perto do VO2mx como em intensidades inferiores. Também são muito eficientes na melhoria da capacidade de recuperação entre esforços intensos, sendo este efeito um dos que notaremos primeiro. 

QUAL É A MELHOR DAS DUAS?

Obviamente a resposta é... depende. Para além disso, na verdade não temos de escolher uma ou outra, pois elas não se excluem. Por isso, o habitual é treinar as duas intensidades ao longo do ano. Na literatura científica podemos encontrar vários estudos que compararam os efeitos das duas intensidades. E nesse âmbito, o da investigação, devemos concluir que a intensidade de VO2max e os seus diferentes protocolos para treinar mostraram ser superiores ao da intensidade limiar. Essa superioridade ocorre tanto em termos de melhorias absolutas como relativas. Ou seja, com as séries de VO2max podemos conseguir obter melhorias mais importantes e em menos tempo.

Perante esta evidência poderemos pensar "Pois bem, assim apenas necessito do VO2max e não preciso de trabalhar o limiar". Mas a verdade é que os treinos devem basear-se na ciência tendo em conta que o mundo da investigação e da aplicação prática têm muitas diferenças a ter em conta. Nos estudos científicos sobre rendimento desportivo há sempre um grande problema a ter em conta, a duração dos estudos. Raros são aqueles em que a observação alcança mais de 8 a 12 semanas. Esta é uma limitação já que não sabemos se os efeitos se manterão durante mais tempo e consoante a realidade de uma temporada completa de ciclismo/BTT.

Segundo a nossa experiência prática, podemos dizer que as intensidades de VO2max são as mais eficazes para conseguir melhorar o nosso rendimento aeróbico, mas também implicam um grande desgaste mental devido à sua dureza. Do mesmo modo, não é benéfico entrar num processo monótono, fazendo sempre as mesmas séries ao longo do ano. Devemos ter em conta as especificidades das nossas provas e se participarmos em competições que durem entre 1 e 3 horas o ritmo limiar será muito habitual nelas, pelo que será necessário treinar especificamente. Se as nossas provas são mais longas (mais de 3 horas) é recomendável fazer séries abaixo da intensidade limiar, já que é mais específico. 

Em suma, a base do treino de intensidade são as séries de VO2mx, mas devemos introduzir períodos de treino a ritmo limiar durante o ano, em maior ou menor medida em função das nossas provas. Devemos ter sempre em conta que quanto mais curta for a prova, mais importante são as séries de VO2max. Quanto mais longa for a prova, maior protagonismo terá o ritmo limiar. E se fazes granfondos, é melhor optar pelo ritmo sub-limiar. Não nos devemos esquecer das séries, independentemente da intensidade que usemos, já que a monotonia é péssima no treino. 

Arquivado em:

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