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O lado menos conhecido de Domenico Pozzovivo

Em Julho, durante a Volta a Castilla y León, o italiano teve uma queda na qual partiu duas costelas e sofreu um pneumotórax. Como diz o próprio, já perdeu a conta dos ossos que partiu durante a sua carreira. Esta é a história do veterano Domenico Pozzovivo, um ciclista especial que antes de ser ciclista aprendeu a tocar piano e está prestes a terminar a sua segunda licenciatura.

Rafa Simón

O lado menos conhecido de Domenico Pozzovivo
O lado menos conhecido de Domenico Pozzovivo

Dizem que o ciclismo é um desporto duro, praticado por homens escanzelados expostos a um sofrimento crónico. Um desporto de conversas curtas. De pouca motivação intelectual. Podia não ter sido o mundo ideal para ele. 

Subir o Stelvio em silêncio parece estranho, sem o ruído motivador dos tiffosi. Atualmente, ele pedala sozinho com um destino que, tal como uma etapa alpina, há anos o obriga a subir e a descer. A começar e a parar. Não seria melhor ter parado de vez?

Há algumas semanas deixou de sentir dores quando tossia e também já não sente desconforto quando enche o peito de ar. As sensações agora são boas. Em Julho, durante a Volta a Castilla y León, caiu, ainda por cima ficou com o guiador de outro ciclista cravado no seu peito, partindo duas costelas e provocando um pneumotórax. Teve que drenar o pulmão num hospital durante 5 dias, antes de poder regressar a casa. 

domenico pozzovivo 2021

Esta lesão é apenas mais uma. Já perdeu a conta dos ossos que partiu ao longo da sua carreira (costelas, clavícula, tíbias, fíbulas, pélvis, pulsos...). Custaria menos nomear os que não partiu. A queda mais dura que sofreu até hoje ocorreu há quatro anos quando foi atropelado por um automóvel enquanto treinava. Partiu o cotovelo, a mão e vários ossos de uma perna. Nesse dia, com 36 anos, esteve prestes a colocar um ponto final na sua carreira. Pelo menos, os meios de comunicação social já o antecipavam. Mas o médico que implantou uma prótese no seu cotovelo ainda hoje não tem explicação que justifique como é que Pozzovivo ainda consegue ser ciclista profissional, contrariando todas as previsões médicas. 

Domenico já tem 40 anos. Já não é aquela criança que, antes de ser ciclista, aprendeu a tocar piano, embora hoje em dia as coisas sejam bem diferentes. Aquele acidente fez com que perdesse o tato em vários dedos de uma das suas mãos. Mesmo assim toca quando pode. Se está inspirado, toca Chopin, o seu compositor favorito. Por vezes toca na receção dos hoteis após as etapas nas Grandes Voltas. Quem cruza com ele nota logo que é uma pessoa única, especial, sensível. Um ciclista conversador, inteligente. Está a par de tudo o que se passa no mundo e sabe argumentar acerca da situação económica que o mundo vive. Tirou uma licenciatura em Economia Política com grande distinção e está prestes a terminar a sua segunda licenciatura em Ciências do Desporto. Só falta a tese final. 

"Pozzo", como é carinhosamente conhecido, é um homem de baixa estatura, mas é um gigante quando as montanhas surgem no seu caminho. É um trepador puro e a sua face está marcada pelas longas temporadas de esforço, incluindo 25 pontos de sutura. Mas os seus olhos escuros continuam a gostar de competir, como se fosse um miúdo que acabou de receber uma bola de futebol pela primeira vez. Tornou-se ciclista porque de bicicleta podia explorar e estar longe de casa. E porque um dia ganhou o Giro de la Basilicata, uma prova de juvenis que um dia terminou à porta da sua casa. 

Se não fosse ciclista, provavelmente seguiria os passos do seu pai, que era agricultor. Um dia, o seu pai levou-o consigo no trator e disse-lhe que, mesmo que fosse difícil, ele tinha que plantar com perseverança, porque mais cedo ou mais tarde os frutos apareceriam. E, claro, esperar que o clima fosse um grande aliado. 

Pozzovivo Bahrain

A sua memória está repleta de vivências, sobretudo a partir de 2005, ano em que se tornou ciclista profissional, numa altura em que a modalidade começava a sair da sombra. Desde então, viu passar várias gerações de ciclistas. Desde os que ganharam já com alguma idade, até os que com apenas 20 anos já ganham Grandes Voltas. Mas ele já não fica impressionado com facilidade. Excepto num caso. Falamos de um ciclista que ganhava em todo o tipo de provas e que, ao longo dos anos, continuou a ser um ciclista temido e que sempre o tratou com carinho e amizade, Alejandro Valverde.

É assim que "Pozzo" também trata os seus companheiros de equipa, sobretudo os mais jovens. Por vezes sente-se observado, afinal de contas todos sabem que ele é expert em nutrição e treino. Estagiou em centenas de lugares diferentes, buscando sempre a perfeição. E não importa onde vai correr a seguir, porque certamente já participou nessa prova no passado, portanto saberá o segredo para a levar com mais tranquilidade. 

No entanto, após tantas vivências, se lhe perguntarem qual foi o momento mais feliz da sua carreira, responderá sem ponderações que foi o dia 13 de Maio de 2012, quando ganhou no Lago Laceno a oitava etapa da Volta a Itália. Fê-lo rodeado dos seus tiffosi, os seus conterrâneos, a quem pediu que estivessem presentes no dia que marcou para recolher os frutos que o seu pai lhe ensinou a plantar no seu trator. 

Pozzovivo Vuelta a Suiza

Em contrapartida, ao longo da sua carreira, o azar estendeu demasiadas vezes a sua mão fria. O acidente de 2018 foi provavelmente o episódio que o marcou mais e causou marcas profundas. Por isso, quando conseguiu terminar o Giro de forma espetacular dois anos após a queda, o ciclismo voltou a fazê-lo sorrir. Contudo, no ano seguinte o destino empurrou-o novamente para a cama de um hospital. E em 2022 acabou a temporada com uma fratura na tíbia. Este ano (2023), não chegou a terminar a Volta a Itália, devido a Covid. 

O somatório disto tudo foi demasiado pesado. Não podia terminar a sua carreira assim. Por isso, encontrou motivação para continuar mais um ano. No seu quarto, a camisola da Intermarché Wanty está enrolada a um canto, mal dobrada. Em 2022 não chegou a acordo com a equipa belga e ficou sem emprego. Festejou os 40 anos de idade rodeado de incerteza até que finalmente assinou contrato com a Israel-Premier Tech. Tem um último grande objetivo: igualar pelo menos 18 participações no Giro de Wladimiro Panizza. "Pozzo" gosta de falar, dos seus recordes, das notícias, das lesões.... Conversas casuais no hall de um hotel sentado à beira de um piano enquanto toca Chopin. Esta é a vida de um ciclista especial. 

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