Primoz Roglic tem 33 anos e no seu palmarés destacam-se três vitórias na Volta a Espanha e a espetacular vitória na Volta a Itália. Desde 2021 que não ganhava uma grande volta, o que gerou rumores acerca do seu estado de forma. Mas o esloveno nunca se deixou abater, preferindo concentrar-se no que tinha de fazer, desligando-se completamente das redes sociais, das opiniões alheias e das previsões dos especialistas.
O vencedor da Volta a Itália foi esquiador até aos 22 anos de idade e tudo indicava que poderia ser um dos melhores do mundo, no entanto, a vida trocou-lhe as voltas.
Aliás, o logotipo pessoal de Roglic é uma roda com asas, fazendo lembrar o gosto do ciclista com a altitude, com altos voos, bem como uma coragem desmedida.
Não é por acaso que o que Roglic tem feito nos últimos anos é comparado ao que a águia real americana faz. Esta águia vive geralmente até aos 70 anos e aos 35 tem de tomar uma decisão, dado que tanto as suas unhas como o seu bico deixam de ter capacidade para agarrar as presas. As alternativas são enfrentar a morte ou assumir um processo de renovação que demora cinco meses.
Roglic não chegou a perder todas as suas qualidades, mas nos últimos anos foi alternando altos e baixos. Mas, tal como a águia americana, teve sempre de se reinventar. Isso aconteceu quando era saltador de esqui, ou quando participava em provas de duatlo e mesmo quando aos 21 anos decidiu que se iria converter em ciclista quando na verdade ninguém acreditava no seu potencial. Enfrentou muitas dificuldades, mas nunca se deixou desmoralizar, saindo sempre reforçado, tal como as águias.
10 anos após se ter dedicado a tempo inteiro ao ciclismo, o seu palmarés é impressionante: ganhou três vezes a Volta a Espanha, foi segundo na Volta a França de 2020, ganhou a Volta a Itália, a Liége-Bastogne-Liége, duas Voltas ao País Basco... Tudo isto com muito trabalho, ambição e sacrifícios pessoais. Não é do conhecimento público, mas Roglic foi recusado por várias equipas porque "ele ainda não era ninguém e o seu passado não estava ligado ao ciclismo".
Essas respostas negativas ficaram guardadas na sua memória e embora não queira falar muito sobre este assunto, ficou um certo amargo de boca. O esloveno é calculista, metódico, frio e embora não seja antipático, pois sorri com facilidade, prefere ser uma pessoa discreta.

UMA LUTA CONSTANTE CONTRA AS ADVERSIDADES
Roglic tornou-se ciclista nas imediações de Liubliana, na equipa continental Radenska, em 2012. O ex-ciclista esloveno Andrej Haptman, medalha de bronze no mundial de 2011, era o coordenador dos júniores e sub-23 nessa equipa e foi o primeiro a treinar o recente vencedor do Giro.
"Ele disse-me que tinha deixado o esqui, que tinha começado a praticar ciclismo e que queria ser profissional. Na altura achei que isso seria impossível, mas ele insistiu. Coloquei-o na nossa equipa amadora e disse-lhe que teria de comprar a sua própria bicicleta e pagar a licença, o que rondaria 5.000 euros. Era uma tentativa para que ele deixasse de me chatear", confessou Hauptman.
Mas a verdade é que Roglic não deixou de o chatear e mais tarde ligou a Hauptman: "Olá, sou o Primoz Roglic, lembras-te de mim? Já tenho o dinheiro e a bicicleta". Ele tinha pedido os 5.000 euros ao seu pai e começou a trabalhar num supermercado para conseguir juntar esse dinheiro e devolvê-lo.
O início não foi fácil, como remebra Hauptman: "Ele comprou uma Wilier que pesava 1 kg a mais do que as bicicletas dos seus rivais. Lembro-me que ele caía muito, não sabia comer durante a competição, nem sequer retirar o papel das embalagens das barras... era um desastre. E como amador não ganhou provas de relevo".
Roglic não ligava muito aos estudos... Frequentou a escola secundária de economia em Kranj e depois entrou na Universidade de Ciências Empresariais, mas nunca foi recolher os diplomas. Em vez disso, preferiu estagiar seis meses na equipa Adria Mobil e converter-se em ciclista profissional.
"Os testes que fez foram impressionantes, por isso, contratámo-lo, obviamente, e esteve dois anos connosco. Lembro-me de que para ele cada corrida era uma final... ele dava tudo nessas provas", comentou o antigo patrão da equipa, Bojdan Fink.
Roglic entrou na equipa atual (na altura chamava-se Lotto-Jumbo) em 2016. Na Volta a Itália desse ano, ganhou um contrarrelógio de 40 km e sagrou-se campeão nacional dessa especialidade.
Em 2017, ganhou uma etapa na Volta a França, a Volta ao Algarve, duas etapas no País Basco e a medalha de prata no mundial de contrarrelógio. Um ano depois, voltou a ganhar na Volta a França e a classificação geral do Tour da Romandia, bem como o País Basco. A senda de vitórias indicava um futuro promissor e isso confirmou-se quando ganhou a sua primeira grande volta, em 2019 (a Volta a Espanha). Nesse ano, teve a maior vitória da sua vida: tornou-se pai do pequeno Leo.
Na Volta a França de 2020 o objetivo era a camisola amarela. A sua equipa dominou a corrida e chegou a envergar durante 10 dias a camisola de líder, mas no penúltimo dia o seu compatriota de 21 anos Tadej Pogacar "cortou-lhe as asas". Foi segundo no contrarrelógio de La Planche des Belles Filles.
Foi um momento terrível para Roglic, mas esse amargo de boca durou pouco tempo. Ganhou novamente a Volta a Espanha em plena pandemia, bem como a Itzulia. No ano seguinte, teve mais um desaire na Volta a França: abandonou na oitava etapa depois de passar vários dias com dores horríveis devido a uma queda na terceira etapa. Mas mais uma vitória na Volta a Espanha voltou a confirmar que a sua resiliência é impressionante.
Em 2022, mais um amargo de boca. Ganhou a Paris Nice e o Dauphiné, mas teve de abandonar novamente o Tour na 16ª etapa devido a várias quedas. Na Volta a Espanha, mais uma queda fez com que tivesse de abandonar. Não foi o seu ano, mas, tal como a águia, teve de se reinventar, fazer um reset e voltar mais forte.

O REGRESSO DA ÁGUIA
Em 2023, as coisas não poderiam ter começado melhor para o esloveno. Ganhou o Tirreno Adriático bem como a Volta à Catalunha, e tinha como principal adversário o Campeão do Mundo (e da Volta a Espanha) Remco Evenepoel.
O duelo teve um percurso curto, dado que a Covid 19 fez com que o jovem belga abandonasse a prova na 10ª etapa, numa altura em que já envergava a camisola rosa. Sem Evenepoel, o Giro seria decidido entre Geraint Thomas, Roglic e João Almeida.
O protagonismo foi assumido por Thomas, mas Roglic, que sabia de antemão as dificuldades da cronoescalada final no Monte Lussari, guardou as forças para as partes decisivas.
Não brilhou nas rampas mais difíceis de Crans Montana, Monte Bondone e Lavaredo, mas atacou na "hora H" da Volta a Itália, agarrando com "unhas e dentes" a vitória. Ele já sabe o que é perder e o que é ganhar, mas sobretudo sabe que é preciso ter paciência e não gastar energias onde não é claramente o mais forte. Só atacou onde sabia que poderia fazer a diferença, com as suas mudanças de ritmo. Será que o veremos na Volta a Espanha novamente com o intuito de vencer? E será que a Volta a França de 2024 está novamente no seu horizonte? Só o tempo dirá qual será o futuro...