No site Entrenamiento Ciclismo fazemos há muitos anos uma compilação dos dados dos atletas que treinamos, de modo a monitorizar e guiar o seu treino, bem como a melhorar o seu desempenho. Podemos retirar do potenciómetro vários valores, mas um dos que mais gostamos de avaliar é o perfil de potência.
Até agora, servia principalmente para avaliar a progressão dos atletas, mas não tínhamos referências claras que permitissem compará-los com ciclistas com o mesmo nível ou categoria etária. Por isso mesmo, neste artigo publicamos os resultados de um estudo com perfis de potência dos atletas que treinamos nos últimos anos, classificados por categorias, além de uma breve introdução para entender o que é e qual a sua importância.
O QUE É O PERFIL DE POTÊNCIA?
É um método para avaliar a produção de potência do ciclista durante intervalos de tempo críticos de trabalho, tanto em treino como em competição. Um período crítico é um intervalo de tempo onde é muito importante ter um bom desempenho para superar os rivais. Embora existam alguns testes e protocolos (como o de Allen e Coggan), também pode ser realizado estudando os dados fornecidos pelo potenciómetro. Em regra, inclui períodos críticos entre 5 segundos até 3 horas e pode ser representado graficamente numa tabela que inclua os parâmetros potência e tempo.
A sua importância recai na natureza dinâmica de uma prova de ciclismo, já que os esforços que se realizam são muito variáveis dependendo de muitos fatores, como o terreno onde nos encontramos durante o treino, que não é igual entre cada etapa.
Gráfico 1. Exemplo de perfil de potência. Fonte: Training Peaks
COMO SE REALIZA?
Para tal, temos de recolher as melhores médias de distintos intervalos de tempo, que costumam compreender períodos desde 5 segundos até 3 horas, sempre num leque de tempo que queremos estudar, como o último mês, a última temporada, o histórico, etc. Inclusivé, podemos só recolher os dados de um determinado treino ou prova. A maioria dos softwares utilizados atualmente para a análise do treino, como o TrainingPeaks, permitem-nos realizá-lo de maneira muito simples.
Prescrevemos testes específicos de 5 segundos, 1 minuto, 5 minutos e 20 minutos, de onde normalmente obtivemos os melhores dados dos ciclistas que acompanhamos (no caso dos testes de 5 segundos, mandamos fazer 10 segundos para obter os 5 melhores segundos). Esta prescrição é sempre sequencial no tempo, ou seja, na primeira parte da temporada mandamos fazer 1 teste por mês e quando os valores apresentados eram estáveis, distanciamos a data dos testes seguintes.
QUE CONCLUSÕES PODEMOS RETIRAR DESTES DADOS?
A nível individual podemos comparar o perfil de potência ao longo do tempo para ver em que período crítico vamos melhorando e qual deveríamos continuar a treinar com mais afinco.
Também permite comparar ciclistas que tenham o mesmo nível ou a mesma tipologia de corredor, para conhecer os pontos fortes e fracos, permitindo individualizar o treino. Os dados que iremos apresentar de seguida podem ser extremamente valiosos.
Para classificar um tipo de ciclista, devemos ter em conta que um sprinter destaca-se muito acima da média sobretudo em esforços de 5 a 15 segundos, inclusivé 30 segundos se tiver uma alta potência anaeróbica láctica. Um perfil de ciclista mais virado para as clássicas, tem um desempenho acima da média entre 1 a 4 minutos, mas com bons valores de FTP (60 minutos). Um trepador destaca-se sobretudo em períodos críticos longos de FTP, acima de tudo quando a potência relativa à massa corporal é determinante.
Embora o ideal seja comparar toda a curva de potência crítica, podemos destacar os seguintes intervalos máximos:
- Potência em 5s: indica a potência anaeróbica máxima, ou seja, a capacidade para sprintar.
- Potência em 1 min: mostra a capacidade anaeróbica ou glucolítica
- Potência em 5 min: consumo máximo de oxigénio (VO2max). Potência Aeróbica Máxima PAM
- Potência em 20 min: próximo do limiar anaeróbico, uma boa correlação com desempenho em contrarrelógio ou subidas. (W absolutos ou relativos)
- Potência em 60 min: limiar de potência funcional (UPF/FTP). Economia
COMO FOI FEITO O ESTUDO
Os dados que iremos mostrar a seguir foram compilados da plataforma TrainingPeaks e são de todos os desportistas masculinos treinados pelos responsáveis do site Entrenamiento Ciclismo até Janeiro de 2022, aproximadamente dos últimos três anos, em função da antiguidade do ciclista. No total, obtivemos dados de 84 ciclistas: 8 ciclistas profissionais (Elite UCI), 26 de categoria Elite ou sub-23 amadores, 32 júniores e 18 cadetes. As características dos ciclistas incluídos neste estudo são muito heterogéneas, desde cadetes na sua primeira temporada até ciclistas profissionais. Todos têm em comum o facto de participarem em provas de ciclismo de estrada.
Retirámos de cada ciclista a melhor potência média dos períodos críticos de 5s, 10s, 30s, 1 min, 5 min, 10 min, 20 min e 30 min de cada categoria, além da massa corporal do dia em que se retirou cada recorde em termos de potência, para assim calcular a potência relativa recorde para cada período crítico de maneira individual. Todos os dados foram revistos para evitar eventuais anomalias ao utilizar uma variedade muito ampla de potenciómetros distintos.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
As seguintes tabelas representam os valores normativos do perfil de potência recorde, tanto absolutos como relativos à massa corporal, por percentil, classificados pelas categorias mencionadas.
Tabela 1. Perfil de potência recorde por percentil na categoria elite UCI (n=8), com um peso médio de 65,16 ± 7,88 kg. Fonte: Estudo próprio.
Os dados da tabela anterior coincidem com os resultados do estudo de Valenzuela et. al. (2021), onde afirma que um ciclista profissional deve alcançar os 6.3 W/kg em 20 minutos para ser competitivo (p75).
Tabela 2. Perfil de potência recorde por percentil na categoria elite-sub23 (n=26), com um peso médio de 63 ± 5,1 kg. Fonte: Estudo próprio.
Com estes dados podemos chegar à conclusão de que um ciclista, para ser competitivo na categoria elite-sub23, devería ser capaz de conseguir 5.8 W/kg (p75) num teste de 20 minutos, sendo necessários 6.1 W/kg (p90) nesse mesmo período crítico para ser dominador na categoria e poder passar para o escalão profissional.
Tabela 3. Perfil de potência recorde por percentil na categoria júnior (n=32), com um peso médio de 61,4 ± 5,7 kg. Fonte: Estudo próprio.
No caso da categoria júnior, ciclistas capazes de conseguir 5.5 W/kg em 20 minutos seriam competitivos a nível nacional, sendo necessários 5.7 W/kg para se destacarem dos demais.
Tabela 4. Perfil de potência recorde por percentil na categoria cadete (n=18), com um peso médio de 62 ± 5,26 kg). Fonte: Estudo próprio.
Na categoria cadete, apesar de a pouco e pouco começarem a utilizar o medidor de potência, não devemos dar a mesma importância aos dados destes ciclistas, dado que o primordial é acompanhar o seu crescimento e desenvolvimento, sem condicionar o mesmo com comparações que podem variar. Iremos apresentar os dados simplesmente para que sirvam de referência para os treinadores.
No gráfico 2 mostramos uma comparação por categorias da mediana (p50), à qual adicionámos os dados dos ciclistas Elite UCI. Se compararmos essa categoria com as classes amadoras (elite e sub23), as principais diferenças saltam à vista nos períodos críticos médios-longos (entre 1 minuto e 20 minutos), enquanto nos períodos curtos (abaixo de 1 minuto) e nos longos (acima de 30 minutos) quase não há diferenças.
Gráfico 2. Comparação do perfil de potência recorde (W/Kg) por categorias.
Por último, disponibilizamos duas tabelas com os valores médios e desvio padrão de cada valor crítico e por categoria, tanto em termos de valores absolutos (W) como relativos (W/kg), os quais são bastante úteis para a aplicação prática que mostramos a seguir.
Tabela 5. Valores médios e desvio padrão típico da potência absoluta (W) por período crítico e categoria.
Tabela 6. Valores médios e desvio padrão típico da potência relativa (W/Kg) por período crítico e categoria.
APLICAÇÕES PRÁCTICAS
Como mencionámos antes, uma das aplicações práticas mais úteis é comparar ciclistas da mesma categoria, para ver quais são os pontos fortes e fracos. Para fazer uma comparação equilibrada entre ciclistas, podemos utilizar uma pontuação standartizada, como o z-score de cada período crítico. É calculado subtraindo o valor que queremos comparar, à média do grupo e dividindo o resultado pelo desvio padrão. Esta pontuação expressa o resultado com base no número de desvios padrão da média, portanto 0 representa a média, os valores positivos estão acima da média e os valores negativos estão abaixo. Ao representar graficamente o z-score de cada ciclista, podemos obervar de maneira muito fácil os seus pontos fortes e fracos, além de ser possível classificá-lo em termos de perfil de corredor (trepador, sprinter, ciclista de clássicas, etc).
Gráfico 3. Gráfico de barras que representa o z-score de um ciclista trepador em cada período crítico.
O gráfico 3 representa um ciclista que se destaca bastante face aos outros ciclistas da sua categoria nos períodos críticos longos, portanto trata-se de um ciclista trepador, com potencial de ser líder de uma equipa. Também vemos como pode melhorar nos períodos críticos curtos para se defender melhor nas chegadas.
Gráfico 4. Gráfico de barras que representa o z-score de um ciclista para clássicas em cada período crítico.
O gráfico anterior mostra um perfil de ciclista oposto ao anterior. Ou seja, um ciclista que se defende muito bem nas chegadas ao sprint, inclusivé em etapas com subidas curtas e explosivas. No entanto, deveria melhorar sobretudo nos períodos críticos médios, entre os 10 e os 30 minutos, para conseguir aguentar melhor nas etapas de montanha.
Por último, devemos ter em conta que estes dados foram retirados dos medidores de potência dos ciclistas, os quais são de diferentes marcas e as montagens foram feitas por diferentes pessoas, tendo sido calibrados pelos próprios ciclistas, o que dá uma margem de erro acima dos 5% nas medições, portanto devemos considerar que estes valores são sobretudo uma referência. Eliminámos os valores que achámos anómalos ou fora do rácio para evitar ao máximo as interferências na nossa tabela de valores.
O objetivo deste artigo é ter valores de referência para poder comparar dados de desempenho dos ciclistas de categorias inferiores.
REFERÊNCIAS
Pedro L. Valenzuela, Xabier Muriel Teun van Erp, Manuel Mateo-March, Alex Gandía, Mikel Zabala, Robert P. Lamberts, Alejandro Lucia, David Barranco-Gil e Jesús G. Pallarés. The record power profile in professional male cyclists: normative values obtained from a large database. Int J Sports Physiol Perform. 2021. Online ahead of print. https://doi.org/10.1123/ijspp.2021-0263