A importância da ingestão de hidratos de carbono durante a atividade física para retardar o aparecimento da fadiga foi documentada há mais de um século. Desde então, a glicose tem sido o principal protagonista no fornecimento de energia, tendo sido aceite como o único hidrato de carbono final a partir do qual se obtém energia rapidamente para os nossos músculos.
Por esta razão, e durante décadas, a nutrição desportiva girou em torno da glicose como elemento fundamental no fornecimento de energia, e pode ser encontrada em altas concentrações em barras, géis, bebidas ou qualquer outro formato de suplementação.
No entanto, mais tarde descobriu-se que existiam outros açúcares simples, como a frutose, que podiam fornecer energia aos músculos, mas também se descobriu que fornecer mais açúcares nem sempre era benéfico. Isto porque o nosso corpo tem uma série de limitações quando se trata de utilizar todos os açúcares que podemos fornecer através do sistema digestivo. Foi então que várias linhas de investigação começaram a trabalhar para descobrir quais eram os mecanismos limitadores da absorção dos açúcares e possíveis alternativas para a otimizar.
ESVAZIAMENTO GÁSTRICO E ABSORÇÃO DE AÇÚCARES PELO INTESTINO
A composição dos açúcares ou hidratos de carbono que ingerimos é um fator determinante no tempo de esvaziamento gástrico, que não é mais do que o tempo em que estes açúcares conseguem sair do estômago e passar para o intestino. Este é o primeiro fator limitativo que tem de ser ultrapassado para conseguirmos um rápido fornecimento de energia aos nossos músculos.
Se ingerirmos hidratos de carbono que retardam o esvaziamento gástrico, demoraremos demasiado tempo a fornecer e a satisfazer as necessidades energéticas durante o exercício. Os hidratos de carbono simples, como a glicose ou a frutose, são, portanto, os mais adequados para este efeito, pois passam mais rapidamente pelo intestino devido à sua simplicidade química.
A absorção no intestino é o outro fator que limita o fluxo de energia que pode chegar aos nossos músculos. Esta absorção depende essencialmente dos transportadores que temos no intestino para fazer chegar os açúcares à corrente sanguínea e, por conseguinte, à célula muscular, onde são convertidos em energia.
Descobriu-se há algum tempo que o número de transportadores de açúcares que temos no intestino é limitado e que estes transportadores são específicos, ou seja, só são receptivos a um tipo de açúcar ou hidrato de carbono. Isto significa que cada tipo de transportador transporta apenas um tipo de açúcar e não outro.
MAIS GLICOSE NÃO NOS DÁ MAIS ENERGIA
Esta especificidade dos transportadores significa que, independentemente da quantidade de glicose que ingerimos, por exemplo, quando saturamos o seu transportador, esta deixa de ser absorvida no intestino e não chega às nossas células musculares.
Por este motivo, os esforços de investigação na área da nutrição desportiva têm sido orientados para encontrar formas de combinar diferentes hidratos de carbono para que, com o consequente envolvimento dos respetivos transportadores, possamos aumentar a quantidade de açúcares que chega ao músculo e a maior energia que este nos fornece.
A CHAVE ESTÁ NA PROPORÇÃO
Como resultado desta investigação, sabe-se que, se quisermos fornecer doses baixas de hidratos de carbono, geralmente inferiores a 60 g por hora, a utilização da glicose é suficiente. Até esse nível, o transportador de glicose não parece estar saturado e é suficiente para transportar a glicose do intestino para a corrente sanguínea.
Este transportador, denominado GLUT4, parece atingir o seu limite a partir de 60 g de glicose por hora, razão pela qual, acima desta dose, se verificou que a utilização de um aporte combinado de hidratos de carbono, com uma relação glicose/frutose de 1/0,8, permite que mais açúcares continuem a ser fornecidos ao músculo sem limitações, retardando assim o aparecimento da fadiga. Isto deve-se ao facto de estarem envolvidos dois transportadores, os transportadores de glicose e de frutose, cujas atividades respetivas mobilizam mais açúcares do que se fossem ativados individualmente.
As descobertas mais recentes sugerem também que, à medida que se pretende fornecer mais hidratos de carbono, em quantidades superiores a 100 g por hora, por exemplo, mais importante se torna a presença de frutose na relação glicose/frutose, aproximando-se de 1:1 ou mesmo de 0,8:1 se o objetivo for 120 g de hidratos de carbono por hora.
Desta forma, torna-se claro que, para atingir consumos elevados de hidratos de carbono, com os benefícios que daí advêm em termos de retardamento do início da fadiga e aumento do rendimento, é necessário jogar com a combinação de açúcares e com estes rácios, de forma a evitar a limitação de consumo que a saturação da sua capacidade de transporte acarreta quando são utilizados individualmente.
A relação entre a glicose e a frutose deve variar em função do aporte energético.
PODES AUMENTAR A INGESTÃO DE HIDRATOS DE CARBONO?
Parece muito tentador aumentar o consumo de hidratos de carbono quando estamos em cima da bicicleta. A equação parece muito simples: come mais, dentro dos rácios indicados, para teres um melhor desempenho. No entanto, não é assim tão fácil. Comer 60g ou mais de hidratos de carbono por hora significa ter de comer mais do que provavelmente estás habituado a fazer neste momento, tendo em conta que um gel convencional, por exemplo, só tem entre 25 e 30 g de hidratos de carbono.
Esta capacidade de comer e assimilar tantos alimentos na bicicleta também deve ser treinada, pois devemos lembrar que durante o exercício o fluxo sanguíneo para o sistema digestivo é limitado. Por esta razão, se nunca o tentámos antes, é provável que tenhamos alguns problemas digestivos se tentarmos introduzir 80, 90 ou mais hidratos de carbono por hora no nosso estômago durante o exercício de alta intensidade. Para o fazeres com sucesso, deves praticar e treinar progressivamente, aumentando pouco a pouco a quantidade de hidratos de carbono.
VAI MAIS LONGE E RECUPERA MELHOR
Quando conseguimos fornecer concentrações mais elevadas de hidratos de carbono e, portanto, mais energia aos músculos, conseguimos manter o mesmo esforço durante mais tempo, melhorando assim a nossa capacidade de resistência. Não esperes ir mais depressa, mas sim ir à mesma velocidade, durante mais tempo.
Mas outra vantagem de grandes quantidades de hidratos de carbono, se formos capazes de os assimilar, é uma melhor capacidade de recuperação. O facto de se concluir o treino ou a competição com uma maior disponibilidade e quantidade de hidratos de carbono no organismo vai acelerar os processos de recuperação após o esforço, processos em que a reposição dos depósitos de hidratos de carbono, sob a forma de glicogénio, é fundamental.
COMBINAÇÃO DE AÇÚCARES
A utilização de um único hidrato de carbono como energia tem uma capacidade de absorção limitada, pelo que, por mais que o comas, chega uma altura em que já não o estás a utilizar.
Combiná-lo com outros açúcares simples, como a frutose, por exemplo, otimiza a absorção e a quantidade de energia que consegues obter com o esforço. A combinação de hidratos de carbono permite-te ultrapassar quantidades de 90 ou 100 g de hidratos de carbono por hora, o que, se te conseguires adaptar, melhorará substancialmente a tua resistência e capacidade de recuperação.
A ingestão destas quantidades de açúcares por hora requer treino.
O QUE SIGNIFICA A RELAÇÃO DE HIDRATOS DE CARBONO?
Estes rácios, que já deves ter visto ou lido em relação a géis ou bebidas energéticas, referem-se à proporção em que diferentes hidratos de carbono são combinados na suplementação desportiva. Em geral, refere-se à relação entre a glicose e a frutose.
Se ultrapassares 80 g de hidratos de carbono por hora, notarás uma melhoria na tua resistência.
Dependendo da quantidade de hidratos de carbono que queres fornecer, tens de jogar com diferentes proporções, normalmente com uma predominância de frutose sobre a glicose, uma vez que queres introduzir mais açúcares.