A marca Cervélo foi comprada pela PON Holdings em 2012, três anos antes de este gigante holandês do setor das bicicletas (e de outros setores, como o automóvel, a mobilidade ou os produtos agrícolas) adquirir também a Santa Cruz. E no final de 2021 juntou as marcas do grupo Dorel Sports (Cannondale, GT, Mongoose, Schwinn e Caloi). Antes de tudo isso, em 2011, também compraram a Derby Cycles (Focus, Kalkhoff, BBB, entre outras). Para nós, esta jogada comercial da Pon deu origem à relação entre as duas marcas do nosso teste, uma canadiana e profundamente enraizada no ciclismo de estrada (Cervélo) e a outra californiana e sempre muito ligada às disciplinas mais "Gravity" do BTT. Para além de terem origens diferentes, os seus catálogos são distintos, e cada uma destas marcas reflete a sua própria filosofia nos seus modelos, mas têm uma coisa em comum: a bicicleta de suspensão total para XC.
A Santa Cruz Blur foi renovada em 2022, passando a ter um quadro muito mais leve e simples, que deixou de incluir o sistema VPP em troca de outro que utiliza a flexão das escoras, denominado Superlight.
Há um ano, a Cervélo surpreendeu-nos ao apresentar a ZFS-5. Na verdade, não foi uma surpresa assim tão grande porque meses antes tinham lançado o quadro rígido HTS-5 e esperava-se que o modelo de suspensão total não demorasse muito tempo a aparecer. Mas enquanto a rígida de XC da Cervélo não tem praticamente nada em comum com a rígida de XC da Santa Cruz, a Highball, a ZFS-5 tem uma semelhança muito forte com a Blur. Tanto que a questão é se não se trata da mesma bicicleta, ou melhor, de um quadro Blur que evoluiu em alguns pormenores.
RECONHECIMENTO VISUAL
Olhando para as imagens destas duas bicicletas a partir de um telemóvel ou do ecrã de um computador, parecem "muito mais do que iguais", com exceção da forma dos espigões do selim e do encaminhamento dos cabos. Esteticamente, não se pode negar que são muito semelhantes, com uma disposição de quadro quase idêntica, embora quando as temos à nossa frente e as podemos comparar, há muitas diferenças entre as duas, tanto no triângulo dianteiro como no braço oscilante.
A primeira grande diferença que salta à vista é o tamanho dos tubos, sendo os da Santa Cruz um pouco mais sobredimensionados enquanto os da Cervélo são quase totalmente redondos e com um diâmetro mais pequeno. De facto, há muitos anos que não víamos uma bicicleta de suspensão total com tubos tão finos, um detalhe que evoca as suas origens de estrada.
No geral, a Cervélo tem um aspeto mais minimalista e a zona do tubo da direção é um pouco menos compacta. Tem também um tubo superior mais alto e um pedaleiro mais baixo, dando a impressão de um quadro maior e mais esticado.
Quanto à passagem dos cabos, na Cervélo, que é um pouco mais recente, os cabos entram no quadro por cima da caixa de direção, enquanto na Santa Cruz também são internos, mas mais "clássicos", e passam pelo tubo da direção.
E não só a direção é diferente, mas também a transição entre o triângulo dianteiro e o braço oscilante, sendo totalmente interna na Cervélo, mas não na Santa Cruz, em que a mangueira do travão traseiro e o cabo do desviador - que não se encontra na nossa unidade porque tem desviador eletrónico - sobressaem por cima do pedaleiro.
A articulação da suspensão é ainda mais semelhante, quase ao ponto de pensarmos que se tratava da mesma peça. E, de facto, parecem ter sido retiradas do mesmo molde, têm as mesmas dimensões, tanto externamente como na distância entre os seus três pontos de articulação (verificámos com um paquímetro).
Podemos deduzir - mas não garantir - que poderíamos trocar um link pelo outro e o funcionamento seria exatamente o mesmo. O da Cervélo parece mais leve, as aberturas são maiores, embora o da Santa Cruz pareça mais elaborado ao nível do torno e o seu acabamento seja mais minucioso e atrativo.
E o braço oscilante é talvez a estrutura que, à primeira vista, mais difere entre as duas, não apenas devido à forma curva das escoras na Cervélo. Diferem na forma como o travão traseiro é ancorado à escora inferior, diretamente no caso da Santa Cruz e através de uma peça flutuante que gira sobre o eixo da roda no caso da Cervélo.
Mais uma vez, as espessuras dos tubos são muito mais finas na Cervélo, especialmente nas escoras superiores, onde não têm mais de um dedo de espessura, enquanto na Santa Cruz são muito mais grossas e um pouco menos arredondadas.
As escoras inferiores, mais robustas na Santa Cruz, são também assimétricas, enquanto na Cervélo são paralelas. No entanto, a principal diferença entre os dois braços oscilantes é o comprimento das escoras, que é mais curto na Santa Cruz, o que é muito importante para o comportamento de ambas.
Para além disso, ambas as marcas têm braços oscilantes com comprimentos diferentes consoante o tamanho - algo que poucas marcas fazem no BTT - nos quatro tamanhos em que cada bicicleta é fabricada, algo em que também coincidem. Na Cervélo são sempre mais compridas, entre 1,2 e 1,7 mm consoante o tamanho.
"TUDO INDICA QUE A CERVÉLO PEGOU NOS PLANOS DA BLUR E REINTERPRETOU-OS A SEU GOSTO".
CUIDADO COM OS NÚMEROS
O comprimento da escora não é a única medida que difere entre as duas. Em termos de geometria, há pequenas diferenças que, uma a uma, pouco ou nada alteram, mas que, somadas, dão um pouco mais de importância ao desempenho de cada uma. A Cervélo, desenvolvida um ano e meio mais tarde, introduziu um ângulo de direção meio grau mais aberto, de 67,6º para 66,6º, responsável por uma distância entre eixos um pouco maior - cerca de 7 mm no tamanho L - para além das já referidas escoras.
O tubo da direção da Cervélo é também 4 mm mais comprido, e de facto é bastante alto, o que logicamente afeta a posição de condução. Embora o tubo superior da Santa Cruz seja 5 mm mais comprido, o Reach é praticamente o mesmo, com apenas meio milímetro de diferença, nada de significativo.
Um facto curioso é que o BB Drop (bottom bracket drop), que é a diferença de altura entre o centro do pedaleiro e a linha horizontal imaginária que une o eixo das rodas, é 12 mm maior na Cervélo, o que significa que esta bicicleta é mais estável a altas velocidades, mas menos manobrável em terrenos sinuosos. E esta é uma frase que pode ser utilizada para resumir as diferenças entre as duas (voltaremos a este assunto mais tarde).
Em suma, a Santa Cruz é mais curta entre eixos, mais vertical na direção e mais divertida, enquanto a Cervélo é mais comprida e mais alta, com uma posição de condução mais vertical e um foco no conforto e controlo em descidas rápidas. Era o que esperavas?
CONFIGURAÇÕES INVERTIDAS
A Santa Cruz optou por uma seleção de componentes que são cruciais para o desempenho da bicicleta e estão mais orientados para as provas de XC, enquanto a Cervélo inclinou a balança mais para o Down Country ou Trail. Vemos isso principalmente no conjunto guiador-avanço e nos pneus. No primeiro caso, a Santa Cruz foi mais contida e instalou um guiador quase plano de 760 mm, com 7 mm de elevação, enquanto a Cervélo ousou com um de 780 mm, com elevação generosa (20 mm) e um diâmetro de 35 mm.
AMBAS ESTÃO DISPONÍVEIS NAS VERSÕES XC E DC/TRAIL
O resultado, na nossa opinião, é que a Santa Cruz é mais equilibrada não só esteticamente, mas também funcionalmente, enquanto na Cervélo há muito contraste entre a "magreza" do quadro e o cockpit que instalaram, típico de uma bicicleta com muito mais curso de suspensão. Além disso, tendo em conta que o tubo da direção é mais alto, a posição final do guiador é visivelmente mais alta na Cervélo.
O mesmo padrão é seguido nos pneus, embora partilhem a mesma medida de 2,4". Os da Santa Cruz são os Rekon Race que são muito rolantes e têm uma carcaça de 120 TPI, enquanto a Cervélo optou por pneus de Trail, neste caso os Rekon com carcaça de 60 TPI e composto triplo, que são mais versáteis e reforçados, embora menos rápidos.
No resto dos componentes há menos a destacar porque as diferenças são menos decisivas em termos do comportamento da bicicleta: o espigão telescópico com um pouco mais de curso na Santa Cruz, os mesmos aros, mas cubos diferentes (Industry Nine vs. DT Swiss) e também montam a mesma transmissão, mas com manípulos diferentes, o SRAM Pod Controller na Santa Cruz e a anterior versão do AXS na Cervélo.
Relativamente aos pesos, as diferenças são poucas. A Cervélo pesa 11,39 kg e a Santa Cruz 11,12 kg, ou seja, uma diferença de 270 g devido à montagem - pneus, guiador, espigão de selim telescópico - e nos preços, também muito semelhantes.
CINEMÁTICAS SEMELHANTES, MAS AFINAÇÕES DIFERENTES
Até este ponto, muitos poderão pensar que as diferenças são sobretudo estéticas, mas há mais do que isso. Os amortecedores têm as mesmas dimensões, 190 mm de comprimento e 45 mm de “stroke”, mas o curso de cada sistema de amortecimento é ligeiramente diferente: 115 mm para a Blur TR e 120 mm para a ZFX-5. A cinemática não é, portanto, exatamente a mesma, nem as configurações internas de cada amortecedor, embora o resultado seja bastante uniforme. Digamos apenas que seguiram caminhos ligeiramente diferentes para atingir um comportamento muito semelhante.
Os gráficos fornecidos pela Cervélo apresentam uma curva de progressividade de 2,73 a 2,48 mm, enquanto os da Santa Cruz rondam os 2,64 a 2,39 mm. São muito planos até à zona de sag e depois aumentam a sua progressividade, pelo que o comportamento é o mesmo, embora cada uma tenha dado o seu "toque" com uma regulação diferente do amortecedor. A Blur tem uma regulação específica - e não a partilha com nenhuma outra marca, nem sequer com a Cervélo -, de facto, na Santa Cruz dizem que passam muito tempo a afinar os amortecedores. Nesta configuração, a sua compressão é um pouco mais elevada, tornando-o num amortecedor um pouco menos vivo. O rebound também é um pouco diferente entre os dois modelos. Na Cervélo, verificamos que utilizaram um espaçador de ar interno maior (0,3 em vez de 0,1), pelo que compensam os 5 mm extra de curso com um pouco mais de progressividade no final.
No terreno são muito semelhantes e as diferenças são bastante subtis. Configurámo-las com a mesma pressão de ar, dentro das margens recomendadas por cada marca (sag entre 28-30% na Blur e 25-30% na ZFS5), e a principal diferença é que, quando recebemos grandes impactos (raízes, degraus, etc) a alta velocidade, a Cervélo é um pouco mais dura ao toque, enquanto a Santa Cruz é um pouco mais macia e absorvente. Nos primeiros milímetros de curso, no entanto, a Cervélo é um pouco mais sensível.
O anti-squat é muito homogéneo, praticamente sempre superior a 100% em ambas e ainda mais elevado na zona de sag (cerca de 115-120%), o que se reflete no facto de, quando pedalamos com força, não haver muito movimento na traseira. Mesmo assim, e embora a pedalada seja bastante estável, no asfalto e nas subidas em estradões é lógico querer recorrer ao bloqueio para eliminar qualquer fuga de movimento. E neste caso, ambos os amortecedores estão regulados na mesma posição, com um bloqueio Light, o que significa que não bloqueiam como uma pedra, mas deixam uma margem mínima. E para ser sincero, não precisamos de mais rigidez, porque com esta regulação podemos andar em caminhos de terra com um pouco mais de tranquilidade em caso de oscilações ou solavancos. Se alguém quiser um bloqueio total, um técnico de assistência da Fox pode modificá-lo sem qualquer problema.
CONCLUSÕES
Não são a mesma bicicleta, de facto, em relação à Santa Cruz, disseram-nos que os engenheiros da Cervélo são totalmente diferentes e, na verdade, estes últimos são bastante reservados quando se trata de partilhar informações. Mas então, porque é que são então tão semelhantes? Porque na Cervélo parece que não quiseram arriscar demasiado e, tendo luz verde para utilizar a Blur como ponto de partida (quem se queixaria?), aproveitaram-na ao máximo. É como se tivessem pegado nos planos da Blur e os tivessem reinterpretado, tornando-os ao seu gosto, com um quadro mais fino e minimalista, mais de acordo com a sua identidade, com alguns toques tecnológicos mais modernos, como a cablagem e a fixação dos travões, e com alguns ajustes na geometria.
Mas no terreno, são ou não semelhantes? Em termos gerais, sim, são bicicletas com características equivalentes em termos de construção, curso e comportamento da suspensão, e também de geometria. Podemos gostar mais de uma do que da outra, mas são muito semelhantes em termos de tecnologia, sendo a característica mais marcante a passagem de cabos totalmente interna da ZFS-5 (com os seus fãs e detratores...).
A SANTA CRUZ GANHA A SUBIR, A CERVÉLO GANHA A DESCER, MAS AS DIFERENÇAS SÃO BASTANTE SUBTIS
As diferenças de geometria fazem da Cervélo uma bicicleta ligeiramente mais confortável e menos reativa, principalmente devido a um cockpit mais alto e a uma distância entre eixos 7 mm mais longa. Para além disso, e contrariamente às expectativas, alguns dos componentes escolhidos pela Cervélo acentuam as diferenças e aproximam-na um pouco mais do lado do Trail do que do XC, ao contrário da Santa Cruz.
Não é algo que nos deva deixar obcecados, porque mudando a posição de condução e os pneus poderíamos aproximar o comportamento de uma da outra, embora se analisarmos como vêm de série, o resultado é que a ZFS-5 é um pouco mais suave e mais “downhilleira” e a Blur TR mais Racing. Ficaste surpreendido?
Isto responde provavelmente à tua questão “qual devo comprar?”. As duas bicicletas testadas têm um preço equivalente, que é 340 euros mais alto na Santa Cruz devido à suspensão mais cara, com o seu luxuoso revestimento Kashima ou os cubos Industry Nine que fazem a diferença audível entre as duas bicicletas, bem como pela sua alta qualidade.
FICHA TÉCNICA CERVELO ZFS-5
[QUADRO] Fibra de carbono. 120 mm de curso.
[AMORTECEDOR] FOX Float Performance Elite. 2P.
[SUSPENSÃO] FOX 34 SC Float Performance Elite FIT4. 120 mm de curso.
[PEDALEIRO] SRAM X0 Eagle DUB. 32d. Guia de corrente One-Up.
[DESVIADOR] SRAM X0 Eagle AXS T-Type.
[MANÍPULO] SRAM AXS Rocker.
[CASSETE] SRAM X0 Eagle, 10-52d. 12 vel.
[CORRENTE] SRAM X0 Eagle.
[TRAVÕES] SRAM Level Silver 4. Discos SRAM Centerline 160-180mm.
[DIREÇÃO] FSA IS2. 1-1/2x1-1/2.
[AVANÇO] Race Face Aeffect R 35.
[GUIADOR] Race Face Next R 35. 780x20mm.
[PUNHOS] Cervélo silicone.
[SELIM] Prologo Dimension NDR T4.0.
[ESPIGÃO DE SELIM] SRAM Reverb AXS 125 mm. 30.9.
[RODAS] Reverse 28 XC. Cubos DT Swiss 350.
[PNEUS] Maxxis Rekon 3C Maxx Terra. EXO TR 60 TPI. 29”x2.4”WT.
[PESO] 11,39 Kg (tamanho L, sem pedais).
[TAMANHOS] S, M, L, XL.
[PREÇO] 8.590 €. [+info] info@bicimax.com. www.cervelo.com
FICHA TÉCNICA SANTA CRUZ BLR CC X0 AXS TR RSV
[QUADRO] Fibra de carbono CC. 115 mm de curso.
[AMORTECEDOR] FOX Float Factory. 2P.
[SUSPENSÃO] FOX 34 SC Float Factory FIT4. 120 mm de curso.
[PEDALEIRO] SRAM X0 Eagle DUB. 34d. Guia de corrente One-Up.
[DESVIADOR] SRAM X0 Eagle AXS T-Type.
[MANÍPULO] SRAM GX Eagle POD Controller.
[CASSETE] SRAM X0 Eagle, 10-52d. 12 vel.
[CORRENTE] SRAM X0 Eagle.
[TRAVÕES] SRAM Level Silver 4. Discos SRAM CLX Centerline 180mm.
[DIREÇÃO] Cane Creek 40 IS.
[AVANÇO] SRAM Atmos 7K.
[GUIADOR] Santa Cruz Carbon Flat Bar. 760x7mm.
[PUNHOS] ESI Grips Chunky.
[SELIM] WTB Silverado Medium, Titânio.
[ESPIGÃO DE SELIM] FOX Transfer SL Factory. 150 mm. 31.6”.
[RODAS] Reverse 28 XC. Cubos Industry Nine 1/1.
[PNEUS] Maxxis Rekon Race. EXO TR 120 TPI. 29”x2.4”WT.
[PESO] 11,12 Kg (tamanho L, sem pedais).
[TAMANHOS] S, M, L, XL.
[PREÇO] 8.930 €. [+info] info@bicimax.com. www.santacruzbicycles.com