Treino

Treino: clarificamos alguns mitos e lendas

Se és leitor regular tanto da revista Ciclismo a fundo Portugal como da revista BIKE, certamente tens acompanhado as nossas dicas em termos de treino. Desta vez fazemos uma compilação dos mitos mais frequentes e respondemos com base na ciência atual.

Chema Arguedas e Carlos Pinto

7 minutos

Treino: clarificamos alguns mitos e lendas

Todos nós passamos ao longo da temporada em que treinamos, por alturas mais complicadas em que o nosso rendimento subitamente decresce, surgindo logo dúvidas acerca do tipo de alimentação que estamos a adotar, da suplementação, etc. Atualmente é fácil encontrar ajuda, quer seja na internet, quer seja através de pessoas credenciadas, mas nota que podes pagar um preço alto caso não estejas a contratar os serviços de alguém realmente especializado.

Ao longo dos anos ouvimos e vimos de tudo um pouco, e muitas das teorias dos "supostos treinadores" diziam que os antibióticos baixam a nossa potência, que os espinafres são a melhor fonte de ferro, entre muitas outras lendas ou mitos que foram difundidos nas redes sociais.

O problema deste tipo de mentiras é que há quem acredite nelas e com o impacto das redes sociais, quem não domina o tema acredita piamente no que está a ler. Neste artigo tentamos mostrar a falsidade de alguns dos mitos mais conhecidos no treino e na nutrição no ciclismo.

MITO: OS PRIMEIROS QUILÓMETROS DO ANO DEVEM SER FEITOS NA CREMALHEIRA PEQUENA

É dos mitos mais antigos no que se refere ao treino. E tem uma razão de ser. Antigamente os pratos pequenos costumavam ter quarenta e dois dentes, o que fazia algum sentido na época. Contudo, hoje em dia pode-se usar uma desmultiplicação que inclua a cremalheira grande, pois em muitas situações é a que permite rolar normalmente.

O IDEAL: Utiliza a desmultiplicação que permita levar a frequência cardíaca ou potência que corresponda ao teu treino, com uma cadência compreendida entre 60 e 80 rpm a subir e entre 90 e 100 em plano. Cada um deve procurar a desmultiplicação ideal para si, pois nem todos temos a mesma potência, nem todos andamos nas mesmas estradas.

MITO: DEVE-SE TREINAR EM JEJUM PARA EMAGRECER

O principal motivo pelo qual se treina em jejum é potenciar o metabolismo dos lípidos a nível muscular. Um músculo acostumado a utilizar as gorduras como combustível, utilizará estas logo que possa, com a consequente poupança de glicogénio.

O IDEAL: Treina até ao limite do limiar aeróbico porque se não o fizeres começarás a utilizar mais glicose. Aliás, é recomendável ter uma base mínima em termos de resistência antes de aplicar este tipo de treinos. Um ou dois dias por semana é suficiente.

MITO: FAZER TREINOS LONGOS PARA SUAR E EMAGRECER

Há alguns que fazem isto, mesmo no mês de agosto. Contudo, a perda de suor provoca a perda de sais minerais e de plasma. Isto pode atrasar a recuperação.

O IDEAL: É preferível sair e rolar para reativar novamente o sistema cardiovascular já que é produzida uma vasodilatação no tronco inferior.

MITO: UM FIM DE SEMANA EM ALTITUDE

Nesta altura do ano é comum ver ciclistas subir ao topo mais alto das serras nas suas imediações ou as mais consagradas (Serra da Estrela, Senhora da Graça, Montejunto, etc). Há quem tenha estes topos perto de casa e há quem percorra muitos quilómetros de automóvel. Há quem diga, depois de regressar dessa subida, que se sente mais forte do que nunca e que isso se deve a ter treinado em altitude. Embora o efeito placebo faça maravilhas, para beneficar de um treino realizado em altitude é preciso estar, no mínimo, a 1.500 metros, e são precisas pelo menos 3 semanas de treino específico. Tendo em conta que os benefícios não são instantâneos e que os resultados do treino em altitude só começam a surgir vários dias depois, podemos deduzir que ir um fim de semana para a serra terá quase o mesmo efeito que um treino feito noutro lado qualquer.

O IDEAL: Se treinas em subidas, aproveita para subir com agilidade (dosear o esforço, estando atento às rpm) e na zona do teu limiar anaeróbico.

MITO: O ÊXITO CONSISTE EM PERCORRER MUITOS QUILÓMETROS

O êxito de um plano de treino não se baseia no volume ou no número de quilómetros que se percorre. O êxito obtém-se em treinar na intensidade adequada e dando protagonismo ao período em que se treina. O treino deve ser feito sempre em progressão, caso contrário não é assimilado. Há momentos em que se deve dar prioridade à intensidade, portanto, os quilómetros devem ser algo secundário.

O IDEAL: Durante a fase de preparação, mesmo que disponhas de pouco tempo, não tentes compensar essa falta de tempo fazendo treinos mais intensivos.

MITO: TREINAR OS MESMOS QUILÓMETROS DA PROVA QUE ESTOU A PREPARAR

Isto é desnecessário. Basta realizar 80% da distância a percorrer ou do tempo que vai demorar a percorrer essa distância. Isto é mais do que suficiente.

O IDEAL: Para assimilar uma quilometragem específica, deverás alcançá-la de forma progressiva ao longo da preparação. Caso contrário poderás fracassar.

MITO: UTILIZAR PRODUTOS COM ESTIMULANTES PARA SUPERAR O DECRÉSCIMO DE RENDIMENTO

Há até quem os use em Granfondos. Se de facto fizessem o efeito que apregoam, até levantavam voo os cicloturistas que ao longo de um evento destes devoram essas barras e geis com cafeína ou guaraná. Na verdade, os estudos mostram que estes produtos favorecem a diurese, logo a desidratação. São muito mais perigosos se estiver calor ou caso sejas o tipo de pessoa que sua muito. Além do mais, contêm doses elevadas de taurina que pode provocar arritmias caso mistures com alcool (há quem beba uma cerveja no fim do Granfondo ou treino).

O IDEAL: Leva um ritmo adequado para o treino que fizeste. Comer e beber a cada quarenta e cinco minutos (ou a cada hora) entre 30 e 60g de carbohidratos de alto índice glicémico é o que está indicado.

MITO: SEXO E RENDIMENTO

Este é outro dos mitos mais populares. Existiam diretores desportivos de equipas profissionais que diziam que era imcompatível manter relações sexuais na véspera de uma prova. Felizmente os estudos foram evoluindo e mostraram que esta crença era falsa. Salvo se for durante a noite toda, impossibilitando um bom descanso. Manter relações sexuais pode até ser mais benéfico do que prejudicial, já que ajuda a eliminar a tensão e ansiedade pré-competição. Além do mais, não há nada que demonstre que o rendimento desportivo após manter relações sexuais diminua. Por exemplo, nos Jogos Olímpicos de 1968 (México), Bob Beamon bateu o recorde do salto em comprimento depois de ter mantido relações sexuais com uma compatriota sua no mesmo dia da prova, como veio a admitir posteriormente. O recorde manteve-se durante 23 anos.

O IDEAL: Se tens em vista uma prova ou um treino exigente não existe motivo que condicione a tua vida sexual. Pelo contrário, até pode ser benéfico pois ajuda a eliminar o stress e a ansiedade.

MITO: OS ANTIBIÓTICOS DEIXAM-TE EM BAIXO

Uma das crenças mais populares é que os antibióticos são a justificação para a redução de rendimento desportivo. O antibiótico pode impedir uma adequada assimilação de alguns minerais e provocar câibras se logo após a sua toma ou durante o tratamento participas numa prova. Aliás, se estás a tomar um antibiótico é porque tens uma infeção, portanto mal não faz.

O IDEAL: O antibiótico ataca a flora intestinal, pelo que deves aumentar o consumo de lácteos com bactérias que favoreçam a recuperação da mesma. E não treines com intensidade até estar recuperado porque podes agravar o processo.

MITO: COMER BANANAS PARA EVITAR AS CÃIBRAS

As bananas são ricas em potássio, mas não são uma poção mágica. Aliás, há alimentos mais ricos neste mineral. Além do mais, há outros minerais como o sódio, o magnésio e o cálcio que também intervêm nas contrações musculares. As cãibras costumam ser provocadas por um coctail formado pela desidratação, ritmo excessivo para o treino que se realizou, abuso de desmultiplicações em cadências baixas, stress, etc.

O IDEAL: Se comes bananas durante a tua volta de bicicleta ou depois de treinares, opta pelas mais maduras. Evita as caminhadas no dia anterior ao Granfondo ou prova e hidrata-te com água e alguma bebida com sais.

MITO: UMA DOSE DE GLICOSE POUCO ANTES DA PARTIDA

A glicose é um carbohidrato de alto índice glicémico e provoca um pico de insulina muito elevado com a posterior quebra.

O IDEAL: Podes dilui-la num bidon e ir bebendo ao longo da volta.

MITO: EM CASO DE PONTADAS MUSCULARES, BEBE ÁGUA COM AÇÚCAR

Este mito é antigo. Há até quem diga que este tipo de dor (que parecem agulhas a espetar nos músculos das pernas) é provocado pelos cristais do ácido láctico. A dor é provocada pelas inflamações e roturas nas miofibrilas musculares e costumam acentuar-se ao fim de 24 a 48 horas. O copo de água com açúcar após acabar a prova pode ser bom para ajudar a recuperar os depósitos de glicogénio, mas não para este tipo de dores.

O IDEAL: Dentro dos 90 minutos posteriores a acabar um treino ou volta intensa, é recomendável tomar aminoácidos ramificados e L-glutamina.

MITO: NÃO ALCANÇO AS PULSAÇÕES MÁXIMAS. O QUE É QUE ESTOU A FAZER MAL?

São muitas as dúvidas a este respeito e já o referimos vezes sem conta tanto na revista BIKE Portugal como na Ciclismo a fundo. É praticamente impossível alcançar as pulsações máximas se treinaste bem. A adaptação cardiovascular impede que chegues a essas pulsações porque não necessitas de tantas pulsações para desenvolver a potência que desenvolvias no início da temporada. É possível chegar a perder até 10% dessas pulsações máximas.

O IDEAL: Não te preocupes. Caso possas, faz um teste ao longo da temporada para ver a evolução.

MITO: PARA COMBATER O CANSAÇO DEVO TOMAR VITAMINAS

Com a passagem do tempo o nosso organismo vai envelhecendo e oxidando. O problema é que o nosso envelhecimento não é igual, ou seja, os nossos pensamentos não acompanham o envelhecimento celular. Mentalmente podemos sentirmo-nos jovens, por isso é natural querermos manter o mesmo nível de exigência que mantínhamos há alguns anos atrás. Os processos de recuperação ficam mais lentos e adaptar os planos de treino a essas mudanças por vezes é difícil. A melhor resposta que podemos dar a isto é um dos princípios básicos do treino: a individualização. Ou seja, deves fazer o que podes, não o que gostarías de fazer.

O IDEAL: Assume que o descanso faz parte do treino. Sem ele não há super-compensação, a chave para crescer desportivamente. Durante o descanso ocorrem processos anabólicos que nos permitem recuperar. Se treinaste de manhã, uma sesta é uma boa forma de acelerar a recuperação.

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