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Entrevista: Markel Irizar, o caça talentos da Trek Segafredo

Markel Irizar foi ciclista profissional durante 16 temporadas e agora divide o seu tempo entre procurar os melhores talentos no mundo do ciclismo e a gerência de um café em Mondragón, no País Basco.

Trek e revista Ciclismo a fundo / Fotos: Ale Cubino

Entrevista: Markel Irizar, o caça talentos da Trek Segafredo
Entrevista: Markel Irizar, o caça talentos da Trek Segafredo

Foi há quase 20 anos que lhe puseram a alcunha de "Bizipoz", que em basco significa “alegria de viver”, e acertaram na muche. Porque Markel Irizar (nascido em Oñati no ano de 1980) reconhece que tenta sempre ver o copo “meio cheio e fazer as coisas com um espírito positivo”. Essa filosofia de viver que é contagiante a todos os que o rodeiam, é a sua marca pessoal.

Ciclista profissional durante 16 temporadas, Irizar abandonou a alta competição após a Clássica de San Sebastian (Donostiako Klasikoa) de 2019. Desde então, continua ligado à Trek-Segafredo, função que concilia com a gerência do café Bizipoz que visita todos os dias saindo de Mondragón, onde vive com a mulher e os três filhos, numa bicicleta elétrica. Nos escassos tempos livres que diz ter, aproveita para escapar com a família numa autocaravana e desfrutar da bicicleta e da natureza. 

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Em que consiste a tua nova função de Caçador de Talentos na Trek-Segafredo?

Pode dizer-se que tenho dois papéis. Por um lado, sou diretor desportivo da equipa, que este ano desempenhei na Volta à Catalunha, na Vuelta à Andaluzia e na Itzulia. E por outro lado, sou caçador de talentos, que é o que mais me ocupa. Antes tínhamos equipas de formação, mas essa ligação desapareceu e tivemos de decidir como fazê-lo. O Luca [Guercilena, Diretor Geral da Trek-Segafredo] teve a ideia de passar a ser eu o observador dos atletas amadores para começar a contratar jovens ciclistas talentosos. Ou pelo menos fazer um filtro. Isto não só é importante para as nossas contratações, como também o é para sabermos quem as outras equipas estão a contratar, ter informação e, no futuro, saber quem são, e como são, os melhores corredores.

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O que é exigido aos jovens ciclistas que fazem parte das fileiras da equipa, como Marc Brustenga e Juanpe López?

Acima de tudo, atitude. A primeira coisa que lhes peço é para demonstrarem respeito, não só pelos outros ciclistas, porque entendo que já o terão, mas por todos os funcionários: mecânicos, massagistas, todas as pessoas que trabalham na equipa. E pelos fãs também. Peço-lhes que sejam embaixadores da marca, dos valores, dos clientes que optam pelas nossas marcas, que nos podem patrocinar para que façamos da nossa paixão o nosso ofício. Digo-lhes para se adaptarem à situação, não para se queixarem, para darem o melhor de si próprios. Com uma atitude positiva e uma boa abordagem, tudo sai melhor.

Agora, mais do que nunca, os ciclistas revelam-se com uma idade muito jovem. Basta olhar para Tadej Pogačar, Egan Bernal, Mathieu van der Poel, Wout van Aert, Tom Pidcock, João Almeida, entre outros. Como explicas este facto?

Existem várias razões, mas a principal é que agora têm todas as ferramentas e informações para que isso aconteça. Grande parte do segredo das melhorias de performance está ligada à nutrição, que tem evoluído muito. Agora, um ciclista sub-23, com a exceção das distâncias que são diferentes, tem tudo semelhante a um ciclista do WorldTour, e é por isso que estão com um rendimento tão elevado. No entanto, isso não significa que este desempenho desportivo esteja de acordo com a maturidade necessária como pessoa. Às vezes, temos de acelerar a maturidade pelo ambiente em que estão. Por conseguinte, aqueles de nós que trabalham no sector devem ter cuidado e dar-lhes uma mão para que cometam o mínimo de erros possíveis.

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Este ano realizou-se a primeira edição do Paris-Roubaix feminino, que Lizzie Deignan venceu com destaque. E em 2022, vamos finalmente ter a Volta a França feminina. Por que demorou tanto o ciclismo feminino a afirmar-se?

Isso deve ser respondido pelos organizadores. Na equipa, temos todos os ingredientes necessários para que o ciclismo feminino cresça a partir da base. Temos uma estrutura muito sólida, com condições salariais muito boas para que as nossas ciclistas possam continuar a crescer. Ao mesmo tempo, a cobertura mediática está a aumentar. Ainda há muito a fazer, mas estamos no bom caminho. Espero que as mulheres ciclistas recebam a consideração que merecem.

Na equipa Trek-Segafredo atribuem os prémios monetários de forma equitativa, embora isso não seja comunicado publicamente.

Sim, é uma decisão de John Burke, o presidente da Trek e dono da equipa. Para que se entenda facilmente, os organizadores dão prémios diferentes para os homens e para as mulheres. A diferença de valor entre os prémios masculinos e femininos é coberta pela equipa, para que os vencedores recebam o mesmo, quer seja um homem ou uma mulher. A Trek nunca quis comunicá-lo publicamente porque nunca procurou publicidade sobre isso. A Trek faz esse acerto dos prémios porque considera que é a coisa justa a fazer. Na vida, os valores são importantes e nem tudo se resume a vender bicicletas ou a ganhar dinheiro. A maior parte do tempo, há que fazer as coisas sem esperar nada em troca. Há que agir segundo a ética de cada um, e foi isso que a Trek fez. Isto provavelmente torna a Trek Bikes diferente de outras marcas. Sinto-me afortunado por fazer parte de uma marca, de uma equipa e de uma família assim.

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Sempre foste reconhecido como um grande companheiro de equipa. Fabian Cancellara chegou a dizer que eras uma “grande fonte de inspiração”. Isso, numa equipa de uma marca familiar como a Trek, é um grande elogio, não é?

Sim, já passaram 12 anos nesta família e eu no início liguei-me imediatamente aos valores da equipa. Sempre me senti muito valorizado pelos meus colegas e diretores. Isso não tem preço, porque nos faz trabalhar com gosto e com motivação.

Soubemos que Luca Guercilena foi diagnosticado com linfoma. Como é que reagiste?

O Luca está bem, sereno e em processo de tratamento. Embora ele não possa viajar, está operacional. Nos últimos anos criou um grupo muito forte à sua volta, e estas pessoas estão agora a trabalhar na estrada. Como o meu pai costumava dizer, “Não percebes o que tens até te faltar.” Agora que nos falta a presença pessoal do Luca, percebemos o tipo de manager que temos. Mas sabemos que é uma questão de meses até ele voltar a juntar-se a nós. Estamos ansiosos por isso.

Tens três filhos que, além de obterem boas notas, também são ciclistas (trial, BMX, estrada). Incutiste o ciclismo em casa?

Mais do que incutir é o que viram. Além disso, a nossa forma de viajar, numa autocaravana e em torno de atividades desportivas, fê-los optar pelos nossos passatempos e pela prática do ciclismo. Este ano estivemos no Tour, na Vuelta e no Tour del Porvenir. E depois do verão, o pequenino disse-me que queria inscrever-se no ciclismo. Como tenho contacto com os corredores (Juanpe, Ciccone), as crianças idolatram-nos e é normal que eles puxem para o ciclismo de estrada. O BMX surgiu porque eu era muito mau tecnicamente e propus que se quisessem dedicar-se à estrada deviam ter técnica. E em relação ao trial, o meu filho do meio começou no início deste ano e depois o mais novo também se inscreveu.

E quanto à nova vertente, o gravel. Gostas?

Sim, mas infelizmente na minha área não há muitos lugares para fazer gravel. Sei que em Girona há lugares bons e vou seguramente praticar gravel em modo aventura, não para competir. Agora que recebi uma Checkpoint nova, gostaria de fazer uma viagem com alforges e encontrar-me com pessoas de diferentes países para conhecer as suas histórias. A minha veia competitiva está apagada, mas a minha veia aventureira está ao rubro. Não quero estar a dar atenção aos tempos que faço nem ao Strava, quero apenas desfrutar da experiência.

Para terminar... O que é que para ti significa a felicidade, já que no pelotão sempre foste conhecido por ser um ciclista feliz com a vida que tens?

Parece um pouco foleiro, mas para mim é o estado emocional em que estou agora, porque sinto que tenho tudo: saúde, uma grande família e um trabalho que me motiva. Não aspiro a mais do que aquilo que já tenho.

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