No início do mês de Novembro, começámos a testar uma Scott Spark RC SL enviada pela SRAM equipada com o novo grupo SRAM. Durante mais de 1.500 km tivemos a oportunidade de testar esta transmissão nos nossos trilhos favoritos e verificar as principais alterações face às versões anteriores.
Durante este tempo também tivemos a oportunidade de visitar as instalações da SRAM na Alemanha e conhecer os engenheiros, gestores de produto e departamento de Marketing, ficando a conhecer em detalhe como foi idealizado, desenvolvido e concretizado este projeto.
ANTECEDENTES
A SRAM conhece as debilidades das transmissões de BTT, cifrando em quase 200 os problemas mais comuns (problemas no dropout, na patilha, nas roldanas, etc). Por isso mesmo, desenvolveu esta nova transmissão que é, na nossa opinião, muito robusta, infalível e com um funcionamento (e instalação) muito simples.
Desde que a SRAM apostou nas transmissões monoprato, há cerca de onze anos, a evolução nunca mais parou. As primeiras versões de 11 velocidades tinham um problema - desmultiplicação insuficiente -, por isso mais tarde a marca introduziu a tecnologia Eagle com cassetes que ofereciam 12 velocidades e carretos de 10 a 50 dentes, chegando até aos 52 nas versões mais recentes. Deste modo, o rácio chega aos 500 ou 520%!
Foi uma autêntica revolução no mundo do BTT, simplificando as transmissões e eliminando algumas debilidades, como a necessidade de alteração dos pratos consoante os percursos. Além disso, tornou mais fácil o design dos sistemas de amortecimento traseiros, permitindo, também, utilizar pneus mais largos sem a necessidade de alargar as escoras traseiras.
Entretanto, a SRAM também lançou no mercado as patilhas de desviador UDH (Universal Derailleur Hanger). Para além de passar a ser um standard na indústria, esta introdução foi a semente para o lançamento desta nova transmissão que hoje apresentamos. Aliás, este novo sistema só pode ser montado em quadros preparados para esta fixação/patilha UDH.
Existem 260 modelos de bicicletas equipadas com UDH no mercado e três milhões destas bicicletas já circulam em todo o mundo. A SRAM tem uma base de dados que pode ser consultada online, para que saibas se a tua bicicleta tem esta compatibilidade.
A patilha do desviador UDH permite ganhar espaço na secção traseira, deslocando a cassete 2,5 mm para o lado externo, alcançando assim uma linha de corrente de 55 mm, o que beneficia os pivôs do amortecedor, pois passam a ter mais espaço e permite ao quadro ter escoras mais curtas (com os benefícios que todos conhecemos).
NOVA TRANSMISSÃO SRAM
A nova transmissão da SRAM (denominada simplesmente SRAM Transmission), continua a ser um sistema monoprato de 12 velocidades composta pelo desviador traseiro, cassete, corrente, cranques e manípulo de mudanças. Todo o sistema continua a ser sem fios, com protocolo AXS, mas os seus componentes, agora com a designação T-Type, só são compatíveis entre si e não com nenhuma versão anterior. A SRAM não vai - pelo menos para já - adotar as 13 velocidades, pois segundo os seus cálculos, não traz vantagens.
Existem três benefícios principais proporcionados por esta nova transmissão: a passagem suave das mudanças, mesmo em carga e a pedalar ao máximo; a robustez (comprovámos no terreno que é praticamente indestrutível) e não precisa de ajuste nem de afinação.
Para evitar confusões, a SRAM eliminou destes novos grupos as denominações XX1 e X01. A nova SRAM Transmission está disponível em três gamas compatíveis entre si: SRAM XX SL, XX e X0.
DESVIADOR TRASEIRO
Visualmente aquilo que mais impressiona é a sua integração no quadro (eliminando a tradicional e delicada união que todos conhecemos). Agora, o desviador é fixado diretamente ao quadro, envolvendo a ponteira. Este design denominado Full Mount proporciona uma robustez incrível dado que agora deixa de haver um dropout que, como todos sabemos, podia partir-se ou dobrar-se. Este ponto débil da bicicleta desaparece.
As peças mais robustas do desviador estão localizadas na parte mais externa e foram polidas para que em caso de toque (ou se roçarem em algo), os riscos fiquem muito menos visíveis. Aliás, experimentámos colocar todo o nosso peso por cima do desviador e ele pura e simplesmente não se moveu (se usasse um droupout, como antigamente, isto nunca poderia ser feito). A marca alega que consegue suportar até 6.000 Newtons de pressão até ser observada alguma deformação.
E se tivermos um azar (como uma queda mais dura) e o desviador dobrar? Como é possível desmontar quase todo o desviador, as principais partes podem ser substituídas. Incluindo as partes externas, aquelas que ficam mais suscetíveis de ficar riscadas pelo impacto de pedras, embora o desviador seja mais estreito e deslocado para o interior (cerca de 1 cm) do que as versões anteriores. Assim, fica mais resguardado debaixo da escora.
Outra característica deste novo desviador é a chamada Inline Cage que alberga as roldanas do desviador. Esta gaiola não é vertical e possui um ângulo diferente, para deixar espaço para o pneu. A corrente circula na mesma trajetória do quadro e a roldana superior está sempre verticalmente alinhada com a cassete.
Uma das características do Inline Cage que mais nos chamou a atenção foi a particularidade de envolver a parte frontal da roldana inferior de maneira a não estar suscetível de apanhar paus ou ramos, mas se tal acontecer, a poleia inferior Magic Wheel tem a capacidade de rodar sobre si mesma, impedindo o bloqueio da transmissão. Ao vivo é incrível.
A Inline Cage mantem a tensão na corrente e inclui um sistema hidráulico que amortece ou relativiza a oscilação da corrente, evitando que saia do prato. Além disso, podemos desmontar facilmente à mão, para substituição ou eventual manutenção.
O corpo do desviador incorpora o mecanismo de embraiagem Overload Clutch, que já existia nas versões anteriores, e que liberta o motor em caso de impacto lateral, regressando à sua posição automaticamente logo a seguir sem que notes. Em caso de impacto frontal o desviador roda para trás de modo a resguardar-se, voltando à posição normal a seguir (caso tal não aconteça, podes ajudar com a mão, sem ser necessário usar qualquer ferramenta).
MUITO FÁCIL DE INSTALAR E DE USAR
Uma particularidade do novo desviador SRAM Transmission é a inexistência de parafusos de ajuste. Provavelmente estás a perguntar como é que se ajusta, certo? Não é preciso, dado que tudo foi desenvolvido ao milímetro. Todo o sistema foi concebido em torno do eixo da roda, com o seu próprio cepo e cassete. O desviador está configurado de modo a mover-se consoante umas margens pré-estabelecidas (tanto numa extremidade como na outra), com uma precisão incrível. Duvidamos que seja necessário, mas caso precises de fazer um micro ajuste (se a corrente raspar num determinado carreto), é muito fácil afinar. Aliás, é um processo que pode ser feito através do manípulo e é basicamente o mesmo processo que utilizamos nos outros desviadores e manípulos AXS (nas nossas revistas explicámos como se faz em alguns artigos).
Existem três desviadores: XX SL (com o corpo rebaixado e partes em carbono), XX (ligeiramente mais pesado e com caixa prateada em alumínio) e XO (todo em alumínio, e sem o Magic Wheel). Pesam 440, 465 e 475 gramas respetivamente e quanto aos preços, os XX custam 700€ e o XO 650€.
MANÍPULO
O novo manípulo (ou POD) é inspirado nos controlos dos drones e pesa metade dos existentes (48 gramas cada). Tem um design modular no qual a parte eletrónica está separada da parte ergonómica. Possui dois botões e pode ser montado em qualquer dos lados do guiador. Há duas versões: uma normal que custa 180€ e a Ultimate que custa 240€, com botões ainda mais ergonómicos, côncavos. Tem uma abraçadeira própria de fixação ao guiador, mas também pode ser fixado diretamente à manete de travão com o Matchmaker X. Destacam-se, além da leveza e do design, pela liberdade de posicionamento lateral e rotacional.
Os botões podem ser personalizados, permitindo mudar de carreto ao nosso gosto pessoal ou, como os eTap de estrada, mudar com manípulos distintos e ainda existe a possibilidade de acionar o espigão de selim telescópico com o botão mais conveniente. Também podem ser emparelhadas as ações do controlador eletrónico de suspensões RockShox Flight Attendant.
Estes comandos funcionam através de uma pilha tradicional CR2032 que pode ser facilmente substituída sem ser preciso retirar o manípulo do guiador.
CASSETE
A nova cassete é um dos fatores mais importantes da nova SRAM Transmission. A relação das desmultiplicações superiores foi modificada, oferecendo passagens de mudanças menos bruscas, mas é sobretudo o design dos dentes X-Sync que faz toda a diferença. Este novo design foi "mapeado" pelo sistema AXS de modo a que o sistema reconheça em detalhe cada pormenor dos carretos, oferecendo uma passagem das mudanças natural, mesmo que estejamos a exercer muita força sobre os pedais.
Ou seja, agora já não é preciso reduzir a pressão nos pedais quando estamos a alterar a mudança. Parece impossível, mas é verdade e comprovámos isso mesmo no terreno inúmeras vezes. Isto permite em competição obter ganhos marginais e nas bicicletas elétricas é uma grande notícia. Aliás, esta nova transmissão da SRAM está desenhada para que as mudanças entrem melhor quanta mais força fizermos, fazendo com que a mudança entre suavemente.
O sistema reconhece o carreto onde a corrente está e espera o momento oportuno para executar a mudança. Num cálculo feito em milésimos de segundo, coincide o movimento da corrente com o local ideal para engrenar o carreto, consoante o design dos dentes.
Esta característica nota-se mais quando, por exemplo, estamos numa subida muito inclinada e clicamos no manípulo. Nessa fase notamos que o sistema eletrónico atrasa um ou dois segundos até encontrar o ponto ideal na cassete para mudar de carreto, mas faz isso com naturalidade.
Existem três cassetes: XX SL, XX e XO, todas elas com o mesmo rácio 10-52 e com os novos carretos das velocidades 2 e 3 que passam a ter 44 e 38 dentes (antes tinham 42 e 36): 10, 12, 14, 16, 18, 21, 24, 28, 32, 38, 44 e 52. As cassetes são fabricadas num bloco de aço endurecido X-Dome e incluem carretos e aranhas de alumínio para reduzir o peso. A linha de corrente é de 55 mm e é só podem ser montadas em cepos XD, o sistema standard da SRAM.
No caso da cassete XX SL, existe um processo de mecanização em aço que é aplicado nos carretos 4 a 12, e inclui uma aranha de alumínio ultraleve prensada a 10.000 Newtons. Esta cassete não deve ser montada em bicicletas elétricas. Pesa 345 gramas e custa 720€.
O modelo XX só tem um carreto de alumínio, o maior. Os carretos de 38 e 44 dentes são de aço estampado e unidos a uma pequena aranha de alumínio. Pesa 380 gramas e custa 660€.
A cassete XO tem um tratamento eletrolítico que oferece uma grande resistência à corrosão e ao desgaste, por isso mesmo é a mais indicada para bicicletas elétricas, embora também possa ser usada em bicicletas convencionais. Pesa 380 gramas e custa 480€.
Nas três cassetes está instalado um cone vermelho em plástico no sétimo carreto. Este cone é importantíssimo para podermos instalar corretamente a cassete na transmissão, através de um método muito simples composto por três passos.
CORRENTE
A nova corrente FlatTop assimétrica é algo peculiar. Tem uma face interna côncava e a parte externa plana. É a corrente mais resistente fabricada pela SRAM. Tem 126 elos e adota um elo rápido PowerLock T-Type que não deve ser reutilizado após ter sido desmontado.
A parte externa dos elos exteriores tem menos material na corrente FlatTop XXL (por isso não deve ser montada em bicicletas elétricas) e é 7 gramas mais leve do que a XX. Esta também tem partes ocas e inclui um tratamento Hard Chrome que aumenta a sua longevidade. Pesa 247g (240 na SL). Custa 180 e 150€ respetivamente.
A XO é escura devido ao banho de níquel e revestimento de PVD que proporciona uma resistência à corrosão e ao desgaste. Não tem partes ocas, de modo ser mais resistente e pode ser usada em ebikes. Pesa 256g e custa 120€.
CRANQUES
Os cranques da nova transmissão SRAM também estão divididos em três níveis: XX SL, XX e XO, com diferentes objetivos e todos eles com o standard DUB (assim, um único eixo é válido para qualquer quadro, basta escolher os rolamentos apropriados). Os cranques dos três modelos estão disponíveis em 165, 170 e 175 mm.
Os cranques XX SL são de carbono e são ocos. Além disso, a marca alega que são os mais leves do mercado. Incluem pratos de 34 dentes, estão disponíveis com factor Q de 168 ou de 174 mm e custam 660€.
A versão XX contem espuma dentro do carbono, prato de 32 dentes, factor Q de 174 mm e possui protetores de prato substituíveis (tal como os XO). Custam 600€.
Estes novos Bash Guards não precisam de fixação ICGS porque são fixados diretamente ao prato e não cobrem toda a circunferência, mas sim os pontos suscetíveis de sofrerem impactos quando levamos os cranques na posição horizontal, poupando material (e peso) desnecessário. Aliás, podem ser demontados, por isso podemos prescindir de um dos dois, se tivermos a certeza de enfrentarmos zonas complicadas com a mesma perna à frente. Os Bash Guards XX são de alumínio, enquanto que os do modelo XO são de resina.
Os cranques XO são de alumínio e completamente diferentes daquilo que já vimos na SRAM. São, sem sombra de dúvida, os melhores cranques de alumínio fabricados pela SRAM até agora e pesam menos 26g. Têm um Factor Q de 174 mm, prato de 32 dentes, Bash Guards e custam 360€.
A nova geração de pratos com dentes X-Sync II é mais estreita e o interface é de 8 parafusos (em vez dos 3 de antigamente). Também existem versões para ebikes. Todos os novos cranques SRAM Transmission estão preparados para levar um potenciómetro e neste capítulo existem muitas novidades para contar!
POTENCIÓMETRO
A partir de agora, a SRAM vai disponibilizar dois tipos de potenciómetros para BTT, ambos inovadores: um integrado na aranha dos cranques (Spider) e outro integrado no eixo do cranque (Spindle). A diferença entre ambos está fundamentalmente na precisão e na duração da bateria. Em ambos os casos são compatíveis com o sistema de controlo das suspensões RockShox Flight Attendant, que também tem em consideração a pedalada, modificando automaticamente o comportamento da suspensão ou do amortecedor.
O potenciómetro SRAM XX SL integrado na aranha possui cranques ocos de carbono e está disponível para factores Q de 168 ou 174 mm. Tem uma margem de erro de 1,5% e a duração da pilha CR2032 está estimada em 200h. Além disso, oferece um pouco mais de espaço no quadro (1 mm) e é mais leve cerca de 31g se compararmos com o Quarq DZero.
A sua tecnologia MagicZero, já existente em modelos anteriores da SRAM, revê e calibra automaticamente o potenciómetro, por isso não temos de fazer nada. Também inclui uma compensação da temperatura 10K e impermeabilização IPX7. O sinal é transmitido através de ANT+ ou Bluetooth.
A grande novidade neste dispositivo é a maneira de fixação ao prato. Em vez da tradicional aranha com quatro parafusos 104 BCD, passa a ter um sistema no qual o prato está enroscado na aranha. Esteticamente é pareciso ao SRAM Red de estrada, mas a grande diferença é que no potenciómetro SRAM XX o prato pode ser desmontado e substituído, enquanto que no Red os pratos e o potenciómetro formam uma unidade inseparável. O prato do potenciómetro SRAM XX desmonta-se com uma ferramenta específica em apenas dois minutos.
A versão XX tem a mesma aranha, mas com cranques de carbono recheados com espuma no seu interior. Tem um factor Q de 174 mm. O XX SL é vendido com um prato de 34 dentes e o XX com 32 dentes, mas existem pratos até 38 dentes. Custa 1.260 e 1.140€ respetivamente.
Os medidores de potência unilaterais integrados no eixo DUB também foram baseados nos seus grupos de estrada Force e Rival. Estão disponíveis tanto para os cranques XX de carbono como para XO de alumínio, com factor Q de 174 mm. É uma alternativa mais barata e com o dobro da duração (mais de 400 horas e pilhas AAA). Têm uma margem de erro de 3%, impermeabilização IPX7, conetividade ANT+ ou Bluetooth de baixa energia e compatibilidade com RockShox Flight Attendant. O preço do conjunto de cranques XX com medidor de potência no eixo é de 900€ e 480€ no XO equipado com Bash Guards.
TRANSMISSÕES COMPLETAS
Cada grupo também é vendido em conjunto completo. O SRAM XX SL é o topo de gama (em termos de peso é 100g mais leve do que o XX1 Eagle AXS), é ideal para XCO e o seu preço com o potenciómetro Spindle é de 3.250€. Sem o Spindle custa 2.650€.
O Sram XX é mais polivalente (destina-se a Trail e Enduro) e na versão com Spindle custa 2.750€. A versão sem medidor de potência custa menos 300€. A transmissão SRAM XO é a mais robusta e barata. Está à venda a partir de 1.900€ (2.750€ com potenciómetro Spindle).
Todos os elementos estão vinculados entre si com a aplicação AXS, sendo possível analisar o percurso que fizemos, parâmetros de desempenho físico, detalhes da transmissão, cliques no comando, etc.
UM SONHO CONCRETIZADO?
Desde que tivemos a oportunidade de testar a nova transmissão da SRAM conseguimos submetê-la a testes em situações muito complicadas, e temos de confessar que ficámos agradavelmente surpreendidos com o seu funcionamento. Durante estes cinco meses não sofremos avarias, desajustes ou problemas.
Os quatro anos de desenvolvimento deram como resultado uma transmissão que acaba de vez com alguns dos pesadelos dos praticantes de BTT. Trata-se de uma transmissão fiável, precisa e praticamente indestrutível, com a possibilidade de substituir peças que se danifiquem ou partam (especialmente no desviador traseiro).
Esta nova transmissão simplifica a complexidade. Já não é preciso reduzir a pressão nos pedais quando vamos alterar a mudança. Isto torna a experiência ainda mais divertida e no caso das ebikes - que exigem muito mais da transmissão do que as bicicletas normais - abre um novo panorama.
Por ser uma transmissão mais robusta, na alta competição os atletas passam a ter a possibilidade de aplicar a máxima potência em qualquer situação, sem recear que a corrente se parta ou saia do sítio. Serão apenas ganhos marginais ou o início de um novo ciclo? A verdade é que as transmissões com este novo sistema entraram numa nova geração.