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A eficiência de pedalada na bicicleta de estrada, gravel e BTT

Muitos leitores já nos fizeram esta pergunta: que bicicleta devo escolher para utilizar em todas as deslocações?

Pablo Bueno e Carlos Pinto

7 minutos

A eficiência de pedalada na bicicleta de estrada, gravel e BTT

Fora do mundo da competição, ou da faceta mais desportiva do ciclismo, há um número elevado de pessoas que utilizam a bicicleta como veículo habitual, além de aproveitá-la para as suas voltas de fim de semana e para alguns passeios.

Neste artigo, analizaremos todos os fatores que afetam o aproveitamento da nossa pedalada, por isso estabelecemos as diferenças em termos de andamento e de eficiência que vamos encontrar se formos pedalar numa bicicleta de estrada, numa de gravel e numa de BTT.

Não serás o primeiro que, em pleno esforço titânico a subir uma serra, és alcançado por um indivídio a bordo da sua bicicleta de todo o terreno, equipada com rodas com mais de duas polegadas e és ultrapassado... nesse momento passam pela tua cabeça mil e uma teorias acerca do teu treino, da tua bicicleta ou, no pior dos casos, procuras descortinar se esse indivíduo está a bordo de uma bicicleta elétrica. Mas, na maioria dos casos, existe uma razão que o justifica: o outro ciclista está em melhor forma física do que tu porque, como veremos a seguir, cada tipo de bicicleta requer por parte do ciclista uma aplicação de potência muito distinta.

OS DISSIPADORES DA NOSSA ENERGIA

Se nos compararmos com outros animais, dispomos de um sistema motriz bastante efémero para converter a força que geramos em movimento. Graças à aplicação mecânica da nossa potência, através de alavancas e engrenagens, conseguimos desenvolver velocidades muito elevadas na bicicleta, que seria inconcebível serem alcançadas de outra forma, mas esta aplicação cinemática não está isenta de inimigos e limitações.

Nem sequer vamos ter em conta os valores obtidos por Cancellara ou Froome, pois um cicloturista medianamente treinado e que pese entre os 65 e os 70 kg e meça entre 1,70 e 1,80 metros de altura, estará a aplicar, de maneira mais ou menos contínua, uma potência média de cerca de 180 watts num treino que se prolongue durante 120 minutos. Essa potência bruta tería de ser distribuída entre todos os fatores que geram energia e produzem perdas na sua aplicação: resistência aerodinâmica, flexão mecânica, peso da bicicleta e resistência a rolar.

Bicicleta de estrada

CONCEITOS BÁSICOS

Em física define-se a potência como a quantidade de trabalho efetuado numa unidade de tempo determinada. E esse "trabalho" será equivalente à energia necessária para deslocar o corpo objeto da sua aplicação. Agora vamos ver como é que os fatores de resistência afetam a nossa deslocação de bicicleta.

Resistência aerodinâmica. É a que oferece um corpo face a um fluído, como o vento (resistência induzida), multiplicando a velocidade, ao quadrado, pela constante 0,25 (0,25 x V2) sendo portanto diretamente proporcional ao quadrado da velocidade. Quanto mais rápida uma bicicleta circular, maior é o coeficiente de atrito aerodinâmico (CX). Em alguns momentos pode chegar a ser mais de 60% da resistência, sobretudo a partir dos 25 km/h.

Fricção mecânica. Embora seja um dado com pouca relevância, não devemos esquecer que a transformação da nossa energia aos pedais (através da transmissão da bicicleta e das suas peças) tem um pequeno custo energético, sendo o mais importante aquele que é gerado entre a corrente e os carretos. Em qualquer caso, é um dado quase sem relevância, porque a absorção dos watts por este conceito não passa de um valor com 2 dígitos.

Rigidez. De maneira especial, as bicicletas equipadas com amortecedor traseiro podem ver contaminada a pedalada devido à absorção de cada impulso pelos amortecedores. Da mesma maneira que um quadro com falta de rigidez pode absorver, na fase de deformação dos seus tubos (ao pedalar em pé com vigor, por exemplo), uma boa parte do nosso impulso de tração durante a pedalada. Quanto mais complexa for uma bicicleta (de suspensão total) mais perdas devido ao conceito de rigidez pode padecer.

Peso da bicicleta. Nas três leis de Newton a massa está presente em qualquer deslocamento de um corpo. Deixamos de lado qualquer referência à aceleração e apenas consideraremos a incidência da força gravitacional, aquela que nos atrai para o hipotético "centro da terra". Se mantivermos a crença de que apenas vamos administrar esses 180 watts de potência, é muito fácil averiguar o que é que acontece com a relação peso/potência de um ciclista ao utilizar diferentes tipos de bicicleta: desde os 7 kg e pouco de uma bicicleta de estrada, até aos 12 de uma bicicleta de suspensão total de XC, passando pelos 9 de uma de gravel. A equação para valorizar o aproveitamento energético é simples, já que o peso e a potência do ciclista são os mesmos, por isso, imaginemos o seguinte.

Estrada: ciclista 65 kg bicicleta 7 kg = 72 kg. 180W/72 = 2,5 W/Kg

Gravel: ciclista 65 kg bicicleta 9 kg = 74 kg. 180W/74 = 2,4 W/Kg

BTT: ciclista 65 kg bici 12 kg = 77 kg. 180W/72 = 2,3 W/Kg

Bicicleta de gravel

ATRITO E DEFORMAÇÃO DO PNEU

Possivelmente esta é uma das maiores diferenças que existe entre uma bicicleta de estrada, uma de gravel e uma de BTT.

Com as siglas Crr identifica-se o que em física se denomina "resistência ao rolamento", que é o que define a resistência ao andamento quando um corpo roda sobre uma superfície, deformando-se um deles ou ambos. Isto sem chegar a aplicar um coeficiente de resistência ao rolamento específico, se formos analisar a incidência que tem sobre a pedalada a largura (secção) de um pneu de bicicleta.

Pneu de estrada, gravel e BTT

Os pneus foram inventados em 1888, mas ao longo dos anos os seus compostos foram sendo alterados. Atualmente os pneus são em estireno-butadieno, com sílica (que melhora a resistência ao desgaste e ao rolamento).

Os mecanismos físicos que um pneu dispõe em termos de aderência no asfalto são dois: a aderência e a deformação.

Atrito por aderência: produz-se pelas interações moleculares na área de contato que será preciso romper para possibilitar o deslizamento. Em superfícies secas e limpas este atrito é muito alto, mas diminui em presença de substâncias que impedem um contato molecular perfeito (pó, lama, água...)

Atrito por deformação: ocorre devido às irregularidades da superfície do terreno, que fazem com que o pneu se comprima e se dilate alternadamente, provocando perdas de energia devido à tendência de um material conservar as suas propriedades. Também surgem deformações importantes na estrutura do pneu devido às forças variáveis surgidas durante a pedalada.

Bicicleta de BTT

A ROLAR...

Toda esta teoria não serviria de nada se não fossemos capazes de encontrar uma aplicação prática, pelo que vamos realizar um comparativo estático daquilo que supõe a pedalada com uma bicicleta de cada tipo: estrada, gravel e BTT.

Estamos a preparar um teste dinâmico (com bicicletas equipadas com medidor de potência) para certificar o que na teria expomos a seguir. Até agora apenas podemos retirar conclusões genéricas, podendo haver variações grandes nos resultados que podemos conseguir na estrada, mas, de momento, vamos utilizar um simulador de potência no qual vamos introduzir uma fórmula bastante complexa, onde introduzimos valores fixos, como a velocidade constante, o peso ou o desnível, e outras variáveis, como o coeficiente de atrito aerodinâmico, a densidade do ar ou o coeficiente de atrito dos pneus sob o asfalto. Como somos jornalistas e amantes das duas rodas, preferimos confiar este algoritmo de cálculo ao nosso companheiro Miguel Puente, que é engenheiro industrial e especialista na medição de potência de qualquer aparelho que tenha rodas.

MUITO IMPORTANTE

Convém ter em conta que os resultados obtidos apenas respondem à aplicação de fórmulas cinemáticas e de cálculo de força, porque na realidade há muitos factores variáveis que podem incidir, de maneira muito importante, na obtenção destes resultados.

O nosso exercício poderia assemelhar-se a colocar uma bicicleta em cima de um rolo que meça a potência e aplicar a energia de um motor elétrico que forneça energia constante. Mas, a partir do momento em que variássemos qualquer daqueles fatores que consideramos constantes, os resultados mudariam.

OS DADOS DO TESTE

O pressuposto que utilizámos para o cálculo da energia necessária para nos deslocarmos com cada uma das três bicicletas contempla dois cenários: 1. Se pedalarmos durante 20 km, superando um desnível de 200 metros (1% de pendente) mantendo uma velocidade constante de 20 km/h.

Um ciclista de estrada com pneu 700x25 que pesa 72 kg debitou 94 watts, com um coeficiente de atrito de 0,5.

Um ciclista de gravel com um pneu de 35 e um peso de 74 kg debitou 108 watts, com um coeficiente de atrito de 0,7.

Um betetista com pneu de 57 e um peso de 79 kg debitou 143 watts, com um coeficiente de 1,2.

2. Se pedalarmos durante 20 km, superando um desnível de 200 metros (1% de inclinação) imprimindo uma potência contínua de 100 watts.

O de estrada conseguiu obter uma velocidade de 20,9 km/h, o de gravel chegou aos 19 e o de BTT obteve 16,3 km/h.

Variámos o peso das bicicletas, estimando 7 kg na de estrada, 9 kg na de gravel e 12 kg a de BTT (suspensão total). Escolhemos a velocidade de 20 km/h porque, até esse limite, a incidência de atrito aerodinâmico não é demasiado relevante, afetando pouco a posição de condução ou as larguras dos pneus.

OS RESULTADOS

Voltamos a repetir que se trata de um teste virtual, aplicando valores bastante standartizados, sem ter em conta a marca e modelo dos pneus, a pressão de enchimento, a deflexão e considerando que não existe vento nem contra nem a favor, pelo que os resultados devem ser interpretados num contexto meramente orientativo.

Ficou assim visível que, devido ao menor peso da bicicleta e ao menor coeficiente de atrito, o modelo de estrada precisou da aplicação de 49 watts a menos do que a de BTT e 27 watts a menos do que a de gravel.

Estamos a avaliar a hipótese de fazer o mesmo teste na estrada (em condições reais, ou seja, com vento) e comparar os dados obtidos.

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