Estamos numa época distinta. Enfrentamos um dos maiores desafios que alguma vez a nossa geração poderia encontrar e alguns de nós tivemos a sorte, ou a felicidade, de não nos infetarmos. Outros, infelizmente, foram infetados com o Covid e repartiram-se entre os assintomáticos, os que tiveram mais consequências e os que faleceram.
Mas será que todos aqueles que superaram a infeção podem ou devem voltar a praticar desporto logo após darem negativo? Ou será que devem seguir um modelo gradual de reintegração e fazer exames médicos? Vejamos o que nos diz a literatura científica que se gerou nestes últimos meses e colocar uma base verídica e científica neste tema.
Devo salientar que desde o início desta pandemia tenho trabalhado diretamente com alguns dos maiores especialistas a nível mundial nesta matéria e estou envolvido num grupo de trabalho que analisa os efeitos do Covid nos desportistas.
Do ponto de vista médico-deportivo, uma das primeiras preocupações foi o que fazer com um desportista após ter passado pela doença com maior ou menor severidade ou simplesmente após ter estado infetado sem ter sintomas (assintomático). A primeira coisa que nos vem à cabeça foi a necessidade de voltar a realizar um exame médico amplo e dirigido às possíveis sequelas provocadas pelo vírus.
Convém lembrar que além da infeção respiratória, entre as principais sequelas notámos que surgem problemas cardíacos, embolias e problemas cutâneos...
Como já deves ter percebido nesta altura, sim, é verdade que mesmo os desportistas e jovens perfeitamente saudáveis ficam com sequelas do Covid. Tudo depende do estadio da doença e da agressividade da infeção, embora os óbitos em jovens saudáveis e desportistas sejam menores do que em outras faixas etárias.
Por isso, caso tenhas estado infetado com Covid e tenhas tido alta médica pós-Covid, caso queiras voltar a praticar desporto deves fazer:
- Análises ao sangue com marcadores de inflamação (troponinas, péptideo natriurético e proteína C reativa), com o objetivo de avaliar a possível condição inflamatória dos diferentes órgãos.
- Monitorização cardíaca com electro de 12 derivações, ecocardio e prova de esforço, pois convém monitorizar o coração.
- Valorização da função respiratória através de espirometria e em caso de gravidade da infeção anterior por Covid, é aconselhada uma radiografia do torax e até um TAC para valorizar danos pós-pneumonia.
- Monitorização da função renal e hematologia (analítica).
Além disso, o Departamento de Cardiologia do Hospital da Luz, em Lisboa, recomenda fazer um Holter de 24 horas (monitorização de electrocardiograma de 24h) em pessoas que sofreram sequelas cardíacas após contraírem o vírus.
COMO VOLTAR A PRATICAR DESPORTO
Depois de tudo isto, e de o médico permitir a prática desportiva, devemos seguir estas recomendações explícitas em dois guias publicados, um de Courtney Ellis e outro de Elliot N., ambos lançados em 2020.
- Só devemos voltar a praticar desporto pelo menos 10 dias após o diagnóstico e garantindo que nos últimos 7 dias não temos sintomas.
- Comece com passeios e atividades leves, como caminhar 500 metros e/ou realizar atividades quotidianas sem fadiga ou sintomas por pelo menos 10 dias.
- Atividade física leve (caminhar, bicicleta estática sem resistência ou bicicleta com uma desmultiplicação muito leve, corrida muito lentamente...) sem superar 70% da intensidade durante 15 minutos pelo menos durante dois dias.
- Atividade física suave sem exceder 80% e 30 minutos por pelo menos 1 dia.
- Progressão para atividades de maior carga sem exceder 80% e 45 minutos por pelo menos 1 dia.
- Atividades habituais de treino não excedendo 80% e 60 minutos por pelo menos 2 dias.
- Ao 17º dia, no mínimo, treino normal e depois de adquirida a forma necessária, retorno à competição.
Durante este período de readaptação podemos monitorizar a frequência cardíaca de repouso, a perceção subjetiva do esforço, o sono, o stress, a fadiga e o cansaço muscular. Se aparecerem sintomas durante a readaptação (incluindo fadiga excessiva), deve-se voltar à fase anterior e não voltar antes de completar 24h de descanso sem sintomas.
Há desportistas que de base têm diabetes, problemas cardiovasculares ou renais. Primeiro devem estabilizar a sua patologia antes de começar o processo de readaptação.
Os desportistas que não tendo previamente problemas de saúde, mas que devido ao Covid-19 sofreram uma miocardite (inflamação do músculo cardíaco), devem fazer um período de repouso desportivo entre 3 e 6 meses. Só poderão voltar a treinar após o cardiologista dar alta médica.