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Gregor Mühlberger: do esqui para o ciclismo de alta competição

O austríaco abandonou de vez o esqui após uma lesão para dedicar-se de corpo e alma ao ciclismo. Agora enfrenta com mais motivação que nunca a sua segunda temporada na Movistar, após um primeiro ano cheio de azares.

Rafa Simón

5 minutos

Gregor Mühlberger: do esqui para o ciclismo de alta competição

"Agora subo!", disse. Depois ficou pensativo a contemplar o seu copo de leite enquanto, de forma quase mecânica, continuava a mexer o conteúdo com uma colher. "Tens duas opções, ou ver o copo meio cheio ou meio vazio. Mas isso depende de ti. Se me perguntares o que penso, eu vejo meio cheio, pois sabemos do que és capaz. Não te deixes vencer pelo cansaço", disse-lhe Sebastián Unzué num estágio em Pamplona no passado mês de Outubro. 

Não era o único que pensava assim. Há muitos anos, ao ver uma etapa da Volta a França com o seu pai, este disse-lhe: "Filho, não sei quanto tempo vai demorar, mas sei que um dia irei ver-te do outro lado da televisão, na Volta a França". Gregor ficou surpreendido com as palavras do seu pai. E nessa altura ainda tinha dúvidas se devia continuar no esqui ou não. Erwin (pai de Gregor) era uma pessoa positiva. Descobriu o ciclismo tarde. Começou com 24 anos, chegando a destacar-se na categoria amadora, mas era demasiado tarde para tentar dar o salto ao profissionalismo. Mas o seu filho ainda ía a tempo. Desde que lhe comprou uma BTT aos cinco anos que o seu progresso não cessava e, com tempo, Muhlberger deixou de lado a ideia de continuar a ser esquiador após uma lesão para se dedicar de corpo e alma ao ciclismo de estrada. 

Gregor fez o "caminho das pedras", literalmente sozinho. A equipa continental austríaca Tirol contratou-o (como ciclista profissional) com apenas 19 anos. Foi lá que conheceu o melhor Diretor que já teve: Roland Pils. Ele ensinou-o a competir, a proteger-se no pelotão e assim resguardar energia, mas também a escolher o melhor calendário conforme as suas características. Depois começaram a surgir as primeiras vitórias, todas elas prometedoras. Após uma breve passagem pela Nett-App Endura, a BORA interessou-se por ele. Primeiro chamaram-no como estagiário, mas rapidamente viram que o seu "motor" era dos melhores do pelotão internacional.

Em 2018 participou pela primeira vez na Volta a França. No último dia, após cruzar a linha de meta nos Campos Elíseos, o seu coração voltou a bater com a mesma intensidade que durante a etapa. Gregor pediu a Astrid que o acompanhasse à Torre Eiffel. Naquele entardecer e já sob anonimato (vestiu um polo e uns calções), apesar do seu estado cadavérico após três semanas de alta competição, pediu-a em casamento, ao que ela respondeu prontamente que sim. 

Entre 2016 e 2020 Mühlberger correu pela BORA-hansgrohe, onde somou seis vitórias.

Depois chegou a Volta a França de 2019. "Ema, estás em grande forma, vou dar tudo por ti", disse ao seu colega de equipa Emanuel Buchmann após as duas primeiras semanas de prova. Buchmann era a revelação do Tour nesse ano. Na etapa 19, Gregor conduziu o ritmo na subida ao Col de Iserán. Sentia-se muito bem, deixando Buchmann junto a outros ciclistas que lutavam pelo pódio a escassos quilómetros do final. No dia seguinte repetiu a mesma façanha. O seu colega terminou o Tour em quarto lugar, mas o melhor estava para vir...

No ano seguinte, no dia 8 de Agosto de 2020, Astrid manteve a promessa que fez a Gregor dois anos antes e casou-se com ele. Foi o melhor dia da sua vida. Esse dia chegou como um oásis de positividade após uma Volta a França que não correu como queria, tendo de abandonar. Semanas antes, no Dauphiné, caiu juntamente com Steven Kruijswijk e com o seu colega de equipa Buchmann. Os três tiveram de desistir. Gregor partiu um dos ossos da mão e, apesar das dores, os médicos e os diretores da equipa consideraram que estava pronto para o Tour. Contudo, durante a prova, Gregor piorou, ensombrado por um sofrimento contínuo que durou onze etapas. 

Após parar a bicicleta, o estado febril e o cansaço extremo acabaram por destruir todas as esperanças de continuar em prova, refugiando-se de imediato num dos carros dos Diretores. Foi uma das últimas aparições ao serviço da equipa alemã. Foi também o fim de um ciclo glorioso, em que, com a sua pedalada vigorosa, conseguiu acompanhar Buchmann ladeado pelas principais estrelas internacionais. No fundo, foi o final de um período onde ainda conseguiu levantar os braços mais do que uma vez. 

No entanto, a sua história tem mais capítulos. Aos 27 anos, assinou pela Movistar Team, com o intuito de voltar à forma que demonstrou naquele Tour de 2019. Mas, mais uma vez, o azar voltou a bater-lhe à porta. Cada página da sua vida parece ser mais dolorosa do que a anterior, prova disso foi o que aconteceu em Janeiro no seu primeiro estágio em Almería, o qual teve de abandonar por ter estado em contato com alguém que tinha dado positivo ao Covid 19. Mas o pior aconteceu alguns meses depois...

Em Março começou a sentir-se mal, por isso foi ao hospital. Foi-lhe diagnosticado meningite. A depressão começava a apoderar-se dele e chegou a pensar em abandonar tudo, mas Astrid trouxe-lhe a lucidez necessária para relativizar as coisas. Enquanto esteve hospitalizado as coisas não foram fáceis. Só conseguia caminhar alguns minutos antes de começar a sentir um cansaço extremo e chegou a duvidar que poderia voltar sequer a ser ciclista profissional. Durante aquele mês em que ficou deitado na cama, de modo a não preocupar ninguém, Gregor decidiu manter a sua doença em segredo e apenas Astrid estava a par do que se estava a passar. 

Mas os azares continuaram a bater-lhe à porta. Após superar a meningite e apesar de já não voltar a tempo do Tour, conseguiu ir aos Jogos Olímpicos de Pequim, mas voltou a cair durante a prova. Não entrou em desespero, pois ainda havia a possibilidade de ir à Volta a Espanha. 

Semanas antes de começar a Vuelta, a equipa decidiu inscrevê-lo na Volta a Burgos, para analisar o seu estado de forma. Durante a etapa que terminou em Aranda de Duero, Gregor notou que o pelotão estava demasiado nervoso. Após uma guinada de alguém no pelotão, Gregor caiu, batendo com a cabeça no chão. Quando tentou levantar-se, quase não tinha forças para agarrar sequer no guiador. Mas conseguiu continuar e cortar a meta. Um exame médico após a etapa mostrou que tinha partido novamente um osso de uma mão. A Volta a Espanha estava definitivamente descartada. 

 

O somatório disto tudo fez estragos consideráveis no seu estado de espírito. Quase de rompante chegaram mais perguntas do que aquelas que ele efetivamente conseguia responder. Mais uma vez, teve de recorrer à compreensão e ao consolo de Astrid, que o motivou a continuar a senda de ciclista profissional. 

Poderia estar toda a noite a mexer com a colher o copo de leite. O sonho continua lá, está ao alcance, mas não será para já. A vida ensinou-o de que o azar bate à porta sem avisar, mas jamais pode retirar-lhe o que mais importa: a família e a saúde. Além disso, há um ano teve de abandonar este mesmo estágio. Hoje está em Almería, com os seus colegas de equipa, que o apoiam a cem por cento. A entrada em 2022 trouxe-lhe motivação e o seu estado de forma está a progredir a olhos vistos. Um dos Diretores que o acompanhou na BORA e que agora está na Movistar, Patxi Vila, tem acompanhado a sua evolução. O que vier a seguir, será. Não pode ser evitado. Olhando novamente para o copo de leite e focado em sim mesmo, diz com convicção: "Está meio cheio". Tal como preconizou Sebastián Unzué. 

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