António Carvalho foi uma das suas referências, pois era um ciclista que o conseguia tranquilizar, mas infelizmente, afetado por uma queda sofrida três dias antes, não conseguiu estar com ele naquele momento decisivo. Nessa altura, o seu sonho foi por água abaixo. Afonso Eulálio esteve prestes a conseguir ganhar a Grandíssima, mas agora, começa a principal etapa da sua vida, o World Tour.
Ao contrário do que muitas vezes acontece, o jovem português não tem um historial familiar ligado ao ciclismo. De facto, começou a pedalar no último ano de júnior, pura e simplesmente porque alguém o incentivou a passar do BTT para o ciclismo de estrada. Não sabia andar no meio do pelotão, mas a sua força bruta fez com que ganhasse três corridas. Foi suficiente para se converter numa aposta pessoal de Joaquim Andrade, diretor desportivo da equipa continental ABTF Betão - Feirense.
A sua estreia como ciclista profissional ficou marcada pela pandemia e só conseguiu participar na primeira prova num chuvoso dia de agosto de 2020 em Vizcaya. Naquele dia, Getxo foi o palco de uma prova onde a ansiedade imperou, dado que todo o pelotão estava há bastante tempo sem competir e muitas equipas World Tour estavam a começar a ter problemas com os seus patrocinadores. Nesse dia, Afonso Eulálio sofreu muito para terminar a corrida, e acabou perto do carro vassoura. Mas a sua garra fez com que não ficasse desmotivado.
Em 2022 decidiu mudar de ares e seguiu as pisadas de um dos seus ídolos: António Carvalho, claro! Foi para a Glassdrive-Q8-Anicolor, a referência nessa altura. Nesse ano trabalhou muito para os chefes de fila, um passo importante em termos de formação.
Após esse ano - no qual se sagrou Campeão Nacional - Afonso decidiu voltar para a equipa de Joaquim Andrade, escoltado por António Carvalho, que também assinou contrato com a ABTF Betão-Feirense. Em apenas três anos, foi evoluindo e ganhando confiança para enfrentar as provas mais importantes do ciclismo português: o Troféu Joaquim Agostinho e, sobretudo, a Volta a Portugal onde, em 2023, esteve perto de ganhar a classificação da juventude.
Em Julho de 2024, a experiência de Orluis Aular no prólogo inicial de Torres Vedras serviu como catalizador de uma demonstração de força no Alto de Montejunto, chegada da etapa rainha. Aquela vitória deu-lhe a confiança que faltava no passado, embora estivesse consciente de que nos contrarrelógios tinha de evoluir. Mas, acima de tudo, aquela vitória dava sentido ao dia em que saiu disparado na roda de Rafal Majka no Alto del Cordal na etapa mais exigente da chuvosa Volta às Astúrias, que o marcou definitivamente alguns meses antes.
Esta demonstração de virtuosismo fez com que, somente passados dez dias, Joaquim Andrade tivesse dado liberdade para tentar fazer um brilharete na Volta a Portugal. No entanto, os órgãos de comunicação social obrigaram-no a conviver com a pressão, algo a que não estava habituado. E quando obteve a camisola amarela na quarta etapa, o seu nome apareceu na capa de todos os jornais. Além disso, em cada partida e chegada das etapas, era rodeado por fãs, amigos e familiares que queriam tirar uma fotografia com ele, ou pedir um autógrafo.
Ele precisava de tranquilidade, aquela tranquilidade que o António Carvalho lhe deu vezes sem conta, mas que faltou na decisiva etapa rainha, marcada por uma classificação excessivamente apertada entre os 10 primeiros da geral, separados por apenas dois minutos. Nesse dia, a sua equipa já estava esgotada, depois de uma semana inteira a trabalhar para o seu líder, e as coisas não correram como esperado. Ainda por cima, António Carvalho, o líder da equipa no início da prova, estava visivelmente desgastado devido a uma queda que sofreu três dias antes. O seu pupilo sucumbiu nessa decisiva etapa, incapaz de controlar a situação de corrida e perdendo a camisola amarela de líder.
Em todo o caso, num ciclismo em que cada vez faltam mais jovens talentos, a sua atitude e irreverência, embora sem conseguir o resultado almejado, teve uma justa recompensa ao culminar, por curiosidade ou não, na mesma prova em que se estreou como profissional, o Circuito de Getxo. Desta vez, cruzou a empinada linha de meta junto à Câmara Municipal no 9º lugar.
Era inevitável que recebesse uma chamada de uma equipa de topo, mas em vez de ser de uma categoria ProTeam, era da Bahrain (WorldTour).
Desde então tudo mudou e tudo é mais personalizado. Além disso, poderá enfrentar o seu primeiro ano na categoria máxima do ciclismo mundial com tranquilidade. Recentemente esteve com Lenny Martínez, outra das novas contratações da equipa árabe, num evento para tomar nota das medidas para as suas novas bicicletas. E está prestes a ir para o primeiro estágio. Literalmente, de Portugal para o WorldTour.