Após a compra da marca Bold em 2019 pela Scott, surgiram rumores e especulações que indicavam uma alteração profunda na Scott Spark, uma das bicicletas de XC e XCM mais famosas na última década. A terceira geração desta bicicleta (e a vigente até esta data) continuou a ser uma das bicicletas mais vendidas no nosso país, fruto da sua geometria, tecnologias inovadoras e rendimento do seu sistema de amortecimento com o NUDE. Aliás, podemos dizer que a Spark foi uma das "influenciadoras" de toda uma nova geração de bicicletas de suspensão total de XC que surgiram no mercado.
Este modelo teve tanto êxito que alguns duvidavam que a marca tivesse coragem de mudá-lo. Mas a verdade é que, como comprovámos na Áustria, as alterações são muitas.
As alterações vieram mesmo a tempo dos Jogos Olímpicos de Tóquio, aliás a própria marca confirmou-nos que os atletas olímpicos patrocinados pela marca vão receber os novos modelos antes de se deslocarem para Izu (em Tóquio).
ADEUS 100 MM. OLÁ 120 MM!
Apresentada em 2007 (embora pertencesse à gama de 2008), a Spark marcou um antes e um depois na marca Scott. A primeira versão da Spark - que, lembramos, incluía rodas de 26 polegadas - tinha um curso traseiro de 110 mm (100 mm na suspensão), embora com o passar do tempo tenha ficado nos 100 mm. A Scott retomou a sua ideia original. Agora, a Spark alcança os 120 mm de curso traseiro em todos os modelos, tanto nas versões RC como na Spark 900 mais focada num uso em Trail.
Se puderes ter um pouco mais de curso nas suspensões sem que isso implique peso extra e perda de rendimento, quem é que não aceitaría? Foi precisamente nesta ideia que a Scott se baseou. Embora à priori esta decisão pudesse soar um pouco arriscada em mercados tão tradicionais no XC como o português, os argumentos da Scott no terreno são esmagadores, com um funcionamento que desde logo mantém uma eficiência de pedalada muito alta e uma absorção superior ao habitual em bicicletas deste segmento, mais ainda se tivermos em conta que equipa a tecnologia NUDE nas suas suspensões.
E também convém ter em conta a chegada da nova geração de suspensões de XC robustas e leves, como a RockShox SID e a nova Fox 34 Step Cast, modelos que estarão presentes nas versões RC da Spark. Por seu lado, a Spark com mais curso traz de origem suspensões RockShox Pike e Fox 34 (a versão normal), sempre com 130 mm.
Quanto aos amortecedores, a Scott trabalhou afincadamente tanto com a RockShox como com a Fox, para oferecer diferentes versões em função do modelo e do nível de preço, e como novidade a partir de agora também trabalha com a marca X-Fusion, preparando uma versão mais económica para os modelos mais baratos da Spark 900. O sistema NUDE também foi introduzido nestes modelos, com três posições e com mudança de curso/progressividade na posição intermédia, possibilitando aos modelos de entrada de gama oferecer esta tecnologia. O modelo Spark RC Comp é o único que traz um amortecedor mais convencional, o Fox Float EVOL de três posições.
Este curso adicional foi ligeiramente modificado usando amortecedores com uma câmara de ar com mais volume, resultando num tato mais sensível no início e mais progressivo no final, com muito apoio no curso intermédio. Contudo, os diferentes amortecedores também foram otimizados, de modo a proporcionar o comportamento que quisermos, modificando o volume de ar interno, oferecendo, inclusive, a possibilidade de ajustar o volume da câmara negativa nos amortecedores RockShox, e podendo mudar a câmara por uma de menor volume para tornar o seu comportamento mais linear.
AMORTECEDOR ESCONDIDO
Obviamente, a nova localização do amortecedor joga aqui um papel crucial na quarta geração da Spark, e é em torno desta ideia que oscila todo o seu design. Na história da Spark, o amortecedor esteve localizado numa posição horizontal nos primeiros modelos, passando a vertical (na linha do pedaleiro) na versão mais recente, como forma de concentrar o peso e o centro de gravidade precisamente no pedaleiro.
No entanto, isto não permitia levar dois bidons de água, pelo menos na sua colocação normal. A Scott mantém a ideia de que a localização atual do amortecedor é a melhor, tanto para o seu comportamento em termos de amortecimento, como para a rigidez de toda a parte inferior do quadro (desde a direção ao eixo da roda traseira), parte crucial no comportamento da bicicleta e que permite aligeirar muito a parte superior, o que também implica melhorias na estabilidade da bicicleta e na agilidade.
A intenção dos engenheiros da Scott foi aproximar o máximo possível o amortecedor do tubo de selim, para o integrar com as formas deste tubo, e embora os primeiros esboços mantivesem o amortecedor fora desta zona, a marca finalmente optou por integrá-lo totalmente no interior. Foi precisamente neste ponto que surgiram mais complicações, não só pela complexidade a nível de construção, mas também por ser uma zona crítica em termos de rigidez. Além disso, a passagem dos cabos - rodeiam o amortecedor 4 cabos - entrou na equação.
Assim, o quadro conta com uma comporta, que se retira agora ao rodar um perno (como se fosse um parafuso) e que é bastante generoso em termos de tamanho, o suficiente para poder aceder ao amortecedor para realizar as manutenções.
Para os ajustes clássicos do amortecedor, não encontrámos nenhum problema, já que tanto a válvula de ar como o botão de recuperação ficam à mão, aproveitando a posição invertida do amortecedor, uma posição que conta com a vantagem de ficar menos massa suspensa no seu interior enquanto está em funcionamento, o que melhora o comportamento do sistema hidráulico. A tampa da comporta, que é fabricada em plástico e que foi desenhada para hermetizar este acesso, assenta com muita solidez, e o perno transmite muita firmeza ao ser rodado (de facto, ao início custa um pouco), assegurando que o amortecedor fica a salvo de sujidade, água, lama ou pó.
A dúvida é se em descidas longas e trepidantes o amortecedor não irá sobreaquecer em demasia, por não ter um fluxo de ar que ajude a refrigerar. A Scott realizou várias medições de temperatura, tanto nesta nova versão como na anterior com o objetivo de comparar os valores (nas mesmas descidas e nas mesmas condições) e diz que não observou diferenças em termos de temperatura.
O quadro está recheado de detalhes, como um indicador de sag impresso no próprio quadro, acompanhado de uma pequena comporta que permite comprovar se estamos a aproveitar todo o curso, um novo protetor de escora mais silencioso, ou uma alavanca de aperto traseiro com todas as ferramentas necessárias para fazer pequenos ajustes na bicicleta.
Para rematar, o Twinloc também passa a ter um novo manípulo. Destaca-se por ter três manivelas, as duas habituais para bloquear e desbloquear as três posições das suspensões, e uma mais abaixo para o espigão telescópico. Estão em níveis distintos, por isso é fácil habituarmo-nos a elas, embora tenham um aparato um pouco volumoso.
No nosso caso, no início chegámos a acionar o espigão telescópico por engano durante as primeiras horas de teste, sobretudo porque estávamos acostumados aos modelos anteriores do Twin Loc, embora com o passar do tempo, nos tenhamos habituado facilmente.
AINDA MAIS LANÇADA
Como podemos ver, todo o design gira em torno da localização do amortecedor, embora haja mais detalhes. O segundo aspeto que mais se destaca é a sua geometria. A nova Spark repete a mesma fórmula da versão anterior, mas atreve-se ainda mais e adotou ângulos mais lançados, chegando aos 67,2º da direção na versão RC (ou seja, 1,3º mais aberto do que antes) e alcançando os 65,8º na versão Spark 900, valores totalmente díspares daquilo a que estamos acostumados encontrar à venda no mercado nacional.
O Reach cresceu cerca de 10 a 25 mm dependendo do tamanho, e os avanços são mais curtos (o tamanho M usa avanços de 60 mm de comprimento, enquanto na versão anterior usava de 70 mm). As escoras têm 437,5 mm, crescendo 2,5 mm face à versão anterior devido ao novo sistema de amortecimento. O tubo de selim, embora aparente ser bastante inclinado, até é bastante vertical, melhorando um aspeto que era criticado na versão anterior.
De facto, a geometria foi um dos aspetos que mais foi trabalhado tanto pelos engenheiros como pela equipa de competição, tendo o próprio Nino Schurter destacado as mais valias do novo modelo: "basta olhar para o novo modelo para ver que é mais rápida, e quando a experimentei confirmei que é mesmo mais veloz do que a anterior. Para mim, a nova geometria é a principal alteração, inclusivé é mais importante do que o novo sistema de amortecimento com mais curso, uma combinação que me ajuda na maioria dos percursos. Esta bike é de outro mundo!"
Para chegar aos valores finais, a Scott empenhou-se intensamente nos aspetos biomecânicos, junto com os especialistas Swiss Biomechanichs, com o objetivo de respeitar a cem por cento a posição de ataque das Sparks anteriores. Isto porque não se pretendia modificar o seu comportamento, apesar do aumento de curso das suspensões e dos novos ângulos dos tubos. Além disso, o objetivo também foi privilegiar a posição em cima da bicicleta, tanto na Spark RC como na Spark 900, que é a mesma. Para tal, recolheram dados como a postura do corpo e da pedalada, a pressão das mãos, e dando como resultado uma posição final com um bom equilíbrio entre a carga de peso que se aplica no guiador tanto nas subidas como nas descidas, para que não fosse diferente em ambas.
Esta nova Spark, em vez de contar com os Flip Chip habituais para poder modificar ligeiramente a geometria, conta com um copo de direção excêntrico desenhado pela Syncros que, dependendo da posição em que estiver, permite abrir um pouco mais o ângulo de direção, passando dos 67,3º para os 66,1º. E já que falamos da direção, também não podemos deixar de referir os rolamentos, pois todos são selados, possuindo um retentor extra na sua estrutura para prolongar a sua vida útil perante a sujidade, lama, água...
ÚNICA
Se existe algo que caracteriza esta Spark é a limpeza geral das linhas em toda a bicicleta, não só pelas formas do quadro, mas também pelo trabalho que foi feito em toda a cablagem interna.
Para que isto seja uma realidade, a marca desenvolveu um copo superior na direção através do qual passam todos os cabos para o interior do quadro, tal como nas novas Addict RC. Desta maneira, os cabos são guiados debaixo do guiador e do avanço, de forma a que fiquem pouco visíveis.
Tanto o cockpit Fraser da Spark RC como o Hixon da Spark 900, estreiam um novo design, em forma de "T" em vez de "V" dos modelos anteriores e com uma pequena carenagem no avanço para ocultar o excesso dos cabos no quadro bem como os parafusos do avanço. Outra novidade é a nova gama de suportes para montar o GPS (Garmin e outros aparelhos compatíveis) tanto no avanço como na parte frontal.
O facto de utilizar este tipo de encaminhamento dos cabos, permitiu prescindir dos orifícios na testa da direção, baixando 57g só neste componente.
Os cabos são conduzidos para o interior até ao seu respetivo componente, passando inclusivé diretamente do triângulo dianteiro ao basculante. Estamos perante uma das bicicletas que melhor oculta os cabos.
A única peça metálica deste quadro é esta. Trata-se da extensão interna do link, que empurra o amortecedor. Está patenteada pela Scott (ou melhor, pela Bold, mas depois de esta marca ter sido comprada pela Scott podemos dizer que a propriedade agora é da marca suíça). Como seria de esperar, o sistema de amortecimento utiliza as escoras flutuantes para atingir os 120 mm de curso.
No triângulo traseiro, a Scott assegura que existe espaço suficiente para montar pneus de até 2.6", sendo os montados de série de 2.4" (os Rekon Race da Maxxis nas Spark RC e os novos Schwalbe Wicked Will nas Spark 900).
Quanto ao carbono utilizado, a Spark é fabricada em três tipos de fibras, as habituais HMX-SL no modelo topo de gama, seguidas das HMX e HMF, com uma combinação de carbono HMF no triângulo dianteiro e alumínio no basculante e, como novidade (desaparecida do catálogo nos últimos anos) uma versão completamente de alumínio. Na versão topo de gama, a Scott anuncia um peso recorde de 1.870g (tamanho M, com amortecedor), um quadro que só encontramos na Spark RC SL. Trata-se do quadro mais leve com amortecedor de 120 mm de curso. Na imagem seguinte encontramos os pesos anunciados em cada nível de preço.
Tivemos a oportunidade de pesar as bicicletas que testámos em Leogang durante os dias da apresentação e os valores são muito competitivos tendo em conta os componentes que usam, como o espigão telescópico (todas as RC que o montam trazem o Fox Tranfer SL) ou os pneus de 2.4". O peso da Spark RC que testámos, na montagem World Cup AXS (tamanho M com porta-bidon) é de 10,66 kg, enquanto na versão Spark 900 Tuned (no mesmo tamanho e com porta-bidon) chegou aos 11,42 kg.
Tanto a Spark RC como a 900 são fabricadas unicamente com rodas de 29", não existindo mais opções. Estão disponíveis quatro tamanhos: S, M, L e XL.
ALUMÍNIO, PARA COMEÇAR
Embora fabricar um quadro de carbono seja complicado, um de alumínio não fica nada atrás. Para alguns engenheiros é ainda mais difícil. Replicar todas as formas do tubo de selim e pedaleiro, o espaço para o amortecedor ou a entrada da cablagem, precisou de muitas horas de engenharia pura e dura.
No mercado estará disponível um modelo com quadro em alumínio com amortecedor integrado no seu interior.
Quanto ao peso, o quadro de alumínio ronda os 2.990g, sendo usado somente nas versões Spark 900 mais focadas no Downcountry/Trail (970, 960 e 930).
TESTE EXCLUSIVO
Iremos testar uma em breve nos nossos trilhos favoritos (vais poder ler o teste em exclusivo na revista BIKE), no entanto o percurso da Taça do Mundo de Leogang já nos permitiu ter uma ideia das capacidades da nova versão. A primeira sensação com que ficámos é que não aparenta ter os 120 mm de curso. A posição de condução não é alta, como à primeira vista poderíamos pensar, tendo uma aceleração muito rápida, sendo muito imediata a resposta a estímulos e mudanças de ritmo. Mas é sobretudo nas zonas mais técnicas em descida que os 120 mm de curso começam a demonstrar o seu potencial, permitindo manter uma linha, mesmo passando por cima de raízes molhadas, degraus e pedras. É também muito confortável e com uma sensibilidade inicial muito bem concebida, mostrando um comportamento ao nível da Taça do Mundo.
Por seu lado, a Spark 900 tem um carácter mais divertido e focado no Trail, apesar de a nível de construção geral ser a mesma bicicleta. Grande parte do mérito vem da suspensão e do amortecedor, já que o maior volume de ar aumenta a capacidade de absorção, o que é percetível sobretudo quando aumentamos a velocidade nas descidas. Os seus componentes são mais generosos em termos de medidas (o avanço é 10 mm mais curto e o guiador é de 760 mm, em vez de 740 mm, os pneus têm tacos mais pronunciados, a suspensão tem mais capacidade, o espigão tem mais curso, os travões são mais potentes...), o que nos animou ainda mais nas descidas técnicas, indo além dos nossos limites. Por vezes chegámos a pensar que estávamos a usar uma versão mais leve e rápida da Scott Genius.
MODELOS
O catálogo da Scott tem mais de 20 modelos, 7 deles na versão RC, 10 na versão 900 e mais 4 na versão Contessa Spark específica para mulher.
Quanto às montagens disponíveis, as ultraleves rodas Syncros Silverton SL estão presentes de série nos modelos topo de gama. Além disso, os modelos topo de gama RC e 900 têm mais uma novidade: incluem as válvulas SRAM Tyrewiz com medidor de pressão, medidor de potência SRAM na RC SL Evo e os travões da marca Trickstuff Piccola de 4 pistões na Spark 900 Ultimate Evo.
Ainda não temos acesso aos preços no mercado português, mas fica atento às nossas revistas. Entretanto, poderás obter mais informações em www.scott-sports.com.