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Os segredos do alumínio

7075, 6061, forjado, mecanizado, CNC, tratamento térmico… o alumínio é uma fonte de mistérios que devemos desvendar.

Carla Ribeiro

Os segredos do alumínio
Os segredos do alumínio

A principal característica do alumínio é a sua leveza. Se a isto juntarmos umas propriedades mecânicas moderadamente boas, converte-se no melhor metal para aplicações estruturais nas quais o peso é um elemento crítico. Por exemplo, entre 75 a 80% de um avião comercial é feito de alumínio e além disso, quem é que não gosta de ter uma bicicleta leve?

O alumínio é um material abundante, o mais abundante na crosta terrestre. A produção deste material desde o minério (matéria prima mineral) consome uma grande quantidade de energia, mas a sua produção reciclada é baratíssima e não se degrada ao longo do tempo. Por outro lado, não tem uma dureza muito elevada, o que faz com que seja fácil de processar industrialmente, modelá-lo em tubos, cortá-lo, esticá-lo, dobrá-lo.. Se a isto juntarmos o facto de que a temperatura para a sua fusão ser baixa, os tratamentos térmicos que requer e a sua conformação a quente consumirem pouca energia, rapidamente concluímos que o alumínio é um material com propriedades verdadeiramente invejáveis para qualquer tipo de processo industrial.

E tem outra vantagem fundamental: o alumínio não se corrói. Forma-se um óxido na sua superfície que protege o resto do metal da oxidação e isso não é prejudicial às propriedades do metal na maioria das aplicações.

TRATA-ME COM DELICADEZA

Depois de analisar as fantásticas propriedades deste material, poderíamos perguntar porque é que o alumínio não triunfou na indústria das bicicletas nas últimas décadas. Os primórdios do alumínio no fabrico de quadros de bicicletas não foram muito animadores, principalmente porque não foi projetado levando em conta as suas peculiaridades:

Soldabilidade – para conseguir uma soldadura de qualidade é necessário um processo muito cuidadoso e controlado, mas nem todas as ligas podem ser soldadas. Na verdade, as ligas de alumínio soldáveis tradicionalmente não são as mais fortes.

Ductilidade – é a capacidade do material resistir às deformações sem quebrar. Esta propriedade é a “almofada de emergência” quando se trata de tornar realidade os cálculos feitos no papel. A resistência à fadiga do alumínio, embora boa, tem duas desvantagens básicas. A primeira é que não há limite de fadiga para a vida infinita. Isso significa que se aplicarmos uma tensão a uma peça de alumínio por um número suficiente de vezes (pode chegar a centenas de milhões), a peça acaba sempre partindo por menor que seja a tensão.

Outra desvantagem é o desconforto. A sua boa resposta à fadiga é muito pior quando é forçado a suportar deformações que seriam normais para aço ou titânio. Assim o engenheiro é forçado a limitar as deformações tanto quanto possível e projetar uma estrutura mais rígida do que se fosse feito com outro material, para conseguir fazer algo realmente durável.

TUDO TEM SOLUÇÃO

Vejamos como foram resolvidos os problemas desde o início:

Soldadura TIG

É um dos processos de soldadura que proporciona melhor qualidade ao produto acabado, mas é dos mais difíceis e exigentes de executar. Os soldadores qualificados para soldar o alumínio com este processo são trabalhadores muito especializados e poderão soldar 12 a 14 quadros por turno. Este processo não é novo mas tem apresentado tradicionalmente dificuldades na sua automatização, sobretudo na hora de soldar curvas de difícil definição como são as linhas que unem os tubos de um quadro. Este é um progresso muito recente e provavelmente é o que está na base da popularização e diminuição do preço deste tipo de quadros.

Design Oversize

Inventado no início dos anos 80 (a Cannondale foi pioneira), trata-se de adaptar o menor módulo de elasticidade e a menor tolerância às deformações do alumínio para fabrico de quadros e bicicletas.

Conificado

Criou-se para reforçar as extremidades dos tubos que suportam a soldadura, aqueles em que houve um enfraquecimento significativo. Isso acabou tendo um efeito associado muito importante: o cone reforça a área onde os esforços são maiores, as extremidades. As primeiras séries de alumínio Butted foram fabricadas em meados dos anos 90, vencendo definitivamente a batalha de peso que até então contava com quadros de aço de qualidade.

Hidroformado

Este processo terá sido, o que juntamente com a automatização da soldadura, tem tido maior influência para que os quadros de alumínio tenham prevalecido sobre os de outros materiais visto que tem permitido que os quadros sejam dotados de formas muito variadas no mesmo tubo.

Abraçadeiras de desviador removíveis

Os ciclistas mais antigos certamente lembram-se das ponteiras dos desviadores das bicicletas de aço, nas quais uma pequena quantidade de material era usada para atingir a resistência adequada para desempenhar a sua função. Com o alumínio havia um problema: a sua resistência total é menor e a quantidade de material que poderia ser colocada naquele ponto não era uma boa solução. A evolução permitiu que fossem inventadas ponteiras substituíveis e o assunto ficou resolvido.

RESISTÊNCIA

Fabricar uma estrutura tubular de alumínio é mais fácil do que uma de aço ou titânio pois a facilidade de corte ou dobra é muito maior com o alumínio, consumindo menos energia e menos tempo nas operações necessárias para preparar os tubos para a soldagem. A primeira razão são as propriedades mecânicas, especialmente na área de resistência e dureza. A resistência tem grande influência nos processos de dobra para formar as escoras superiores e inferiores. A menor dureza auxilia no processo de mecanização e rosca, sendo mais fácil e rápido. A segunda razão é o seu ponto de fusão mais baixo, o que permite duas vantagens importantes: consome menos energia no corte a laser, que é mais barato e preciso; e a energia necessária para os seus tratamentos térmicos é muito mais baixa.

FRAGILIDADES

Em condições normais, as áreas mais frágeis de um quadro são as soldas e áreas próximas, portanto não adianta ficar obcecado com a resistência do material utilizado se o processo de soldagem e posterior tratamento térmico não forem feitos adequadamente. Soldar o alumínio é algo bastante delicado que apresenta as seguintes dificuldades:

  • Nem todas as ligas de alumínio são soldáveis, na verdade, as soldáveis são uma minoria. Mas além de ser soldável por si só, precisa de ser tratável termicamente para aliviar o stress ao final de todo o processo de soldagem.
  • O enfraquecimento associado à soldagem do alumínio é grande. Isto porque a condutividade térmica do alumínio é muito alta e a zona afetada pelo calor da solda, que é aquela que está enfraquecida, se alarga. Outra razão é que, embora a temperatura de fusão do alumínio seja menor, a espessura dos tubos é maior, com os quais a quantidade de energia que é fornecida será em valores semelhantes aos previstos, para um quadro de aço ou titânio, mas com uma área afetada maior.
  • O grande risco das soldas de alumínio são as inclusões porosas, ou seja, bolhas de gás que ficam presas no interior do cordão quando o metal se solidifica. Dissemos que ele tem uma alta condutividade térmica, arrefece rapidamente, não é muito denso, então as bolhas não escapam tão rapidamente com em outros metais mais pesados. É terrivelmente fácil para estas bolhas ficarem presas.
  • Arrefecimento homogénio – o alumínio arrefece muito rapidamente. Um dos grandes riscos da soldagem é que as áreas próximas arrefeçam de maneiras diferentes, uma muito lentamente e outra mais rapidamente. Isso produz tensões internas que enfraquecem o material. Isso ocorre quando duas áreas com espessuras diferentes são soldadas, quando um reforço não é bem pensado, quando há cantos que podem ser arrefecidos mais rapidamente ou quando um quadro é submetido a uma corrente de ar. Muitos de vocês sabem que um quadro de aço pode ser reparado em qualquer lugar, mas um de alumínio é outra coisa.

 

O TRATAMENTO TÉRMICO

Acabámos de dizer que o material com o qual é feito o quadro deve ser tratável termicamente para aliviar as tensões e restaurar as propriedades da liga nas áreas afetadas pelo calor da solda. Essas tensões são criadas no quadro basicamente por dois processos:

  • O ciclo térmico da soldagem – a soldagem de um material envolve a introdução, na zona afetada pelo calor, de uma série de modificações metalúrgicas no material de base, que introduzem tensões residuais devido ao ciclo de aquecimento e arrefecimento. Este ciclo também faz com que a composição da liga de metal base varie nas proximidades da solda, porque a solubilidade do metal fundido é muito maior do que a dos outros estados e isso fornece uma distribuição “desigual”dos elementos da liga. Então é preciso tentar reestabelecer ao máximo essa homogeneidade.
  • Alinhamento – um quadro de uma bicicleta de alumínio tem soldas em toda a parte. Isso implica que uma peça, um tubo, uma ponteira, não pode ser movida sem deslocar o resto. Essa peça tem o que é chamado de movimento impedido. O nível de tensões remanescentes após a soldagem aumenta. Essa perda de propriedades, ao contrário da outra, é o que uma solda induz tanto em si mesma como nas outras se o deslocamento dos elementos que ela une for restringido de alguma forma, como numa pintura. Além disso, os requisitos de alinhamento num quadro são muito severos porque influenciam drasticamente a sua qualidade e ditam se esse quadro é “dirigível” ou não. O alinhamento é feito após a soldagem e aumenta as tensões, pois altera o estado “natural” da estrutura ao final da solda, que obviamente não está alinhada.

Os tratamentos térmicos a que normalmente são submetidos os quadros são a solubilização e o envelhecimento.

Solubilização

É um tratamento térmico que consiste em aquecer o material à volta dos 530ºC, o tempo suficiente para assegurar que a totalidade da peça se encontra a essa temperatura e arrefecer logo a seguir em água numa temperatura inferior a 30 ou 35ºC. Este tratamento é exigido, por exemplo, nos quadros da série 6061. Esta liga apresenta a peculiaridade de que se recomenda realizar o alinhamento do quadro antes da solubilização, pois proporciona uma resistência moderada e uma boa ductilidade, propriedades que melhoram esta operação. Não é feito o tratamento de solubilização nas ligas da série 7000. 

Envelhecimento 

No fundo, o envelhecimento é um tratamento térmico que se faz no final antes da pintura do quadro, quando todos os tubos já foram devidamente soldados e alinhados. É o último passo do processo de fabricação do quadro propriamente dito e varia em função das características próprias da liga e da pintura final requerida. Os famosos T4 e T6 são exemplos típicos de envelhecimento, e podem durar umas 8 horas a 175ºC. 

A FÓRMULA MÁGICA: CONIFICADO HIDROFORMADO

Como referimos anteriormente, o processo conificado é feito por duas razões: porque nas extremidades o material fica debilitado devido ao processo de soldagem, e porque os tubos recebem mais carga nas extremidades do que no centro. Para diminuir os efeitos da soldagem, não há muita margem de manobra, a não ser um processo muito cuidado e feito por profissionais. Para assimilar a maior pressão nas extremidades, aumentar a espessura não é uma boa solução. O ideal é variar as formas dos tubos. 

Os tubos conificados são fabricados de um modo muito simples: os tubos são alongados, mas de uma forma muito controlada. É possível obter tubos com duas ou três espessuras distintas na sua secção transversal e tudo depende da forma como são esticados. 

Para mudar a forma dos tubos existem basicamente dois procedimentos: pressionando-os exteriormente com um molde que tenha a forma desejada, ou expandindo-os interiormente, selando as extremidades e exercendo uma pressão hidrostática a partir do interior do tubo que se adaptará à forma que a matriz exterior tiver (hidroformado). A combinação destes métodos de fabrico permite a adoção de praticamente qualquer forma no design do tubo. Se estas formas forem adequadamente aproveitadas, permitem adaptar ao máximo as qualidades estruturais de cada um dos tubos às necessidades de resistência em cada zona do quadro, conseguindo baixar, ano após ano, o peso final do quadro. 

SABIAS QUE...

A empresa HYDRO, sedeada em Oslo mas com uma fábrica em Portugal, desenvolveu uma nova liga de alumínio que permite reduzir custos de produção e tempo, além de ser mais leve e permitir produzir tubos menos espessos. Devido às suas características superiores de maleabilidade e resistência em comparação com uma liga padrão, pode contribuir para a otimização dos processos de produção e para a redução de espessuras nas estruturas dos quadros, conseguindo assim bicicletas ainda mais leves.

Poderás saber mais sobre esta liga clicando aqui.

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