No fundo, graças a esta grande mudança, a Shimano pretende facilitar a vida a quem quer apenas desfrutar dos trilhos sem ter de pensar muito. Quer seja numa perspetiva mais de iniciação, em que um rider menos experiente poderá ficar confuso com tantos comandos, botões e configurações, quer seja para quem quer tirar o máximo proveito de trilhos técnicos sem estar sempre preocupado a pensar na mudança que leva, qual o nível de assistência do motor, se a suspensão está bloqueada, etc.
E para tornar a condução mais simplificada, uma das grandes inovações da Shimano para este ano é o Free Shift e o Auto Shift, que como o nome indica são duas funções, uma que muda de mudança enquanto estamos em andamento, mas sem pedalar e outra que escolhe e engrena automaticamente a mudança certa em função da velocidade e do trilho.
Para conseguir estas duas funções, como veremos adiante, é necessário termos um motor e uma bateria, e ainda outro elemento essencial, o Linkglide.
Durabilidade e performance em esforço
Sem a tecnologia Linkglide não poderíamos ter mudanças automáticas numa e-bike em condições. Como alguns de vocês já devem saber, o Linkglide é uma tecnologia ou “filosofia” que difere da Hyper Glide porque em vez de se focar na leveza dos componentes e em mudanças silenciosas, dá prioridade ao funcionamento em “carga” e à eficácia e suavidade das passagens em qualquer situação. Obviamente, uma das principais características deste sistema, é a durabilidade.
Com esta tecnologia, a Shimano resolve dois problemas que as transmissões Hyper Glide começaram a revelar com a explosão do segmento das e-bikes: precisão em esforço e durabilidade (que a marca anuncia ser três vezes superior).
E se tens uma e-bike seguramente sabes do que falamos. Correntes e cassetes que se gastam num instante e mudanças que nem sempre entram em esforço e as vezes até resultam em correntes ou dentes partidos.
A tecnologia Linkglide vem trazer algumas alterações importantes (já visíveis na família Cues) que visam melhorar as mudanças em esforço (não só esforço do rider no caso das bikes sem motor, como dos potentes motores das e-bikes), e fazer com que os componentes durem muito mais tempo.
Para já está disponível no grupo XT 1x11 e em breve surgirá um grupo Deore 1x10.
Nas cassetes (11-50T para a XT, que pesa 780g e 11-43T na Deore, 634g), os dentes têm não só um perfil mais largo e alto (com mais material, e, portanto, mais duradouro) como são construídos em materiais mais resistentes e têm entalhes diferentes para facilitar a subida e descida da corrente nestas situações extremas de carga. Ganha-se em vida útil e precisão de engrenagem em esforço, perde-se em leveza e silêncio de atuação. Parece-nos uma troca justa!
Devido às diferenças entre os sistemas Linkglide e Hyper Glide, os componentes de cada um destes grupos não são compatíveis entre si.
A corrente também tem um desenho novo e é compatível com cassetes de 10 ou 11 velocidades, não sendo necessário haver mais que uma versão da mesma.
Os desviadores são muito idênticos aos atuais, diferem apenas pelo rácio de movimento exigido pelas diferentes cassetes com dentes mais largos.
Quanto aos manípulos, o XT vem com opção I-spec ou abraçadeira, enquanto o Deore apenas está disponível em versão de abraçadeira. Ambos contam com 2-way release e rapid fire plus, mas só o XT oferece instant release.
Novos motores
A nova geração do EP8 (801) e o novo motor EP6 estão igualmente no centro das atenções, ainda que não sejam uma novidade tão impactante como as mudanças automáticas. O EP6 acaba por ser uma versão mais económica do EP8 pelo fato de o seu corpo ser de alumínio em vez de magnésio. A diferença são mais 300g. Por isso pode ser montado em bikes de trekking, cidade e BTT sem encarecer muito o produto final.
Mas em termos de funcionalidades e potência, tem as mesmas do EP8. Através de uma atualizada app e-Tube, estes motores contam agora com 2 perfis de assistência. O novo Fine Tune, com 7 a 15 níveis personalizáveis de assistência, e o já existente Basic Mode, com 3 níveis já predefinidos (Eco, Trail e Boost). Alternar entre ambos pode ser feito no trilho, sem usar a app, bastando ir ao menu no visor e alterar.
E tendo utilizado estes três níveis do modo básico a maioria das vezes, e cumprindo tão bem nas mais variadas situações (até porque mesmo estes 3 modos têm também alguns ajustes personalizáveis), diríamos que a possibilidade de ter os outros 7-15 será mais um preciosismo para muitos e apenas realmente algo útil para um número restrito de utilizadores mais exigentes que sabe de antemão o tipo de trilhos e de andamento e pode personalizar em antecipação para assim obter o máximo rendimento.
Estes dois motores debitam um torque máximo de 85 Nm e contam agora com um novos terminais de carga CAN e ACC que permitem a ligação de outros periféricos. O motor tem um novo sistema de gestão da bateria para prolongar a autonomia.
Apesar da integração com as mudanças automáticas Di2, estes motores podem obviamente ser usados em e-bikes também com mudanças manuais.
No terreno, o que notámos na nova geração é o menor ruído do motor quando assiste e ainda um menor atrito quando deixamos de pedalar. A potência é sempre entregue em cadências mais altas (para proteger os componentes do motor e da transmissão), em torno das 70-90 RPM. E efetivamente com 85 Nm de binário estamos bem servidos de potência e poucas são as subidas que este motor não consegue ultrapassar. A entrega da potência está bem doseada de origem, mas podemos ainda configurar ao nosso gosto como é que essa potência é entregue em cada um dos modos.
Mudanças automáticas
É sem dúvida a maior inovação deste ecossistema. Uma funcionalidade que pode transformar a maneira como utilizamos bikes e até trazer outro tipo de utilizadores para o mundo das bicicletas. E se as e-bikes já contribuíram para isso, imaginem ter uma bike que além de “pedalar” também mete mudanças por nós! Sem dúvida uma proposta atrativa para muitos novos utilizadores.
Mas o auto e o free shift são muito mais do que isso e vamos por partes.
Como funciona?
Conforme já referimos, para que uma bike possa ter mudanças automáticas precisa de ter um destes novos motores (EP6 ou EP8 na nova versão 801), mudanças eletrónicas Di2 e ainda a tecnologia Linkglide. Mas porquê?
Tem de ter o motor porque o mesmo possui um sensor de cadência e de torque e em função da rotação a que pedalamos e da força que colocamos nos pedais, irá escolher a mudança que mais se adequa àquela situação, “avisando” o Di2 para engrenar a mudança sem a nossa intervenção. Além disso, estes motores têm uma função que faz girar o prato pedaleiro independentemente dos cranques, de modo que possa engrenar uma ou várias mudanças mesmo se não pedalarmos.
Quanto ao Linkglide, de que já falámos, é também essencial porque se assim não fosse as mudanças às vezes não entravam, a corrente podia partir e consumíveis como a corrente e a cassete não duravam meia dúzia de meses.
Portanto agora que sabemos o que é necessário para que tudo funcione, passamos à parte do “como”!
Algoritmo, sensores, customização!
Os mais curiosos vão querer dominar estes assuntos. Mas para quem não quiser perder tempo, basta saber que pode sentar-se no selim e pedalar e deixar que o sistema faça a sua magia…
Vamos então por partes. O sistema de mudanças conta com três modos: M (manual), A1 (automático mais ativo) e A2 (automático menos ativo). É muito fácil alternar entre os três modos através de um botão de boas dimensões localizado no shifter.
Ora o M, sendo manual, desliga qualquer automatismo e somos nós que escolhemos a mudança que queremos, tal como nos Di2 já existentes. E mesmo estando num dos modos automáticos, podemos sempre que quisermos acionar o shifter para irmos na mudança que queremos caso não estejamos de acordo com a escolha do sistema.
Quanto aos dois modos automáticos (A1 e A2) são completamente personalizáveis, podendo ter um deles definido de modo a ser menos ativo (para trilhos menos acidentados ou quando circulamos em estrada) e ter outro, mais sensível, que reaja à mínima alteração do terreno e mais indicado para trilhos mais acidentados. No fundo é como num carro quando podemos ter na caixa de velocidades automática um modo normal e um sport, mais sensível e ativo.
Além do sensor de cadência e de torque do motor, que analisa o que se está a passar em termos do esforço que estamos a fazer, temos ainda o algoritmo inteligente que faz os devidos cálculos e engrena a mudança certa para cada ocasião em função da informação que recebe dos sensores.
E como o algoritmo não é infalível, temos ainda uma série de parâmetros que podem ser ajustados na app e-Tube da Shimano. E nos modos A1 e A2, podemos criar dois perfis diferentes de mudanças para se adaptarem ao tipo de condução mais frequente. Se um dia formos para um trilho diferente que exija outro tipo de comportamento, podemos sempre alterar esses parâmetros no momento.
Inteligente, mas não adivinha
Após várias horas a testar o sistema e a experimentar diferentes parâmetros, a conclusão a que chegamos é que o sistema é inteligente e adapta-se bem a um tipo de utilização, mas não consegue ser bom em todos os tipos de situações. Se tivermos de resumir o seu desempenho numa frase, diríamos que é inteligente a ler as situações, mas não adivinha as intenções do rider.
Se por um lado os sensores já mencionados conseguem saber a velocidade, a cadência e a pressão que estamos a colocar nos pedais, por outro não adivinha o que é que o rider pretende naquele momento. E isso foi notório nalgumas situações. Por exemplo, se formos numa subida de inclinação constante, e sem alterações na velocidade, o sistema não vê necessidade de alterar a mudança em que vai. Mas se o rider decidir acelerar para ganhar velocidade, para fugir dos colegas que o perseguem, por exemplo, o que vai acontecer é que, ao querer acelerar, vai colocar mais pressão nos pedais. O sistema interpreta isto como havendo maior resistência do terreno e, para facilitar a vida ao rider, mete uma mudança mais leve, impedindo-o, na prática, de acelerar. E só quando ganharmos um pouco de velocidade e a cadência começar a ficar muito alta é que mete uma mudança mais pesada, ou seja, aquela em que já estava antes da aceleração. Portanto qualquer tipo de “fuga” ao grupo é anulada pelo sistema.
Noutra situação, por exemplo, quando chegamos ao fim de uma subida e começamos a descer, o sistema pensa que queremos descansar uns instantes e então não começa de imediato a descer a corrente na cassete com a rapidez que precisamos. Por várias vezes chegávamos às 100 rpm de cadência até ele meter uma mudança mais pesada. Mais valia simplesmente ir a descer sem pedalar e esperar pela função free shift. Para quem esteja num ritmo mais ativo estilo “sempre ao ataque”, terá momentos em que terá de esperar mais que o ideal e nem sempre terá por parte do algoritmo a escolha mais adequada.
Segundo a Shimano, este sistema destina-se a um uso e a um utilizador mais descontraído, que não puxa muito nas subidas nem acelera nas descidas. E nesse sentido funciona na perfeição. Mas para uma pilotagem mais agressiva e com constantes acelerações, seja a subir ou a descer, o sistema já não é tão eficaz. Daí termos mencionado que o sistema é efetivamente inteligente a ler o que se passa; mas ao não saber quais as intenções do rider, nem sempre toma a melhor decisão. Felizmente, podemos sempre anular a decisão do sistema usando o manípulo para escolher a mudança que queremos.
Muitos settings
Tentámos contornar esta situação alternado os vários parâmetros possíveis de serem personalizados. E são 3: starting gear, climb response e cadence.
Starting gear é a mudança com que queremos começar quando estamos parados. Podemos definir qualquer uma das 11 que temos na cassete. E é esse carreto que vai estar engrenado cada vez que pararmos em plano. O objetivo desta função? Se formos a rolar numa mudança pesada e de repente deixamos de pedalar e começamos a parar, quando voltarmos a arrancar a mudança engrenada vai ser aquela que nós definimos anteriormente na app. Isto faz com que, mesmo que nos esqueçamos de “reduzir”, o sistema fá-lo por nós e mesmo sem ser preciso pedalar graças ao free-shift. Claro que a regra não se aplica nas subidas e aqui o sistema está bem pensado.
Se vamos a subir na mudança mais leve e de repente paramos, o sistema fica quieto, pois sabe que vamos continuar a subir e convém estar naquela mudança quando voltarmos a arrancar.
Ao alterar a mudança inicial, podemos no fundo dizer ao sistema em que mudança queremos estar no final de uma descida para que quando chegue a subida ou novo arranque, onde a velocidade é menor ou nenhuma, o sistema possa voltar a essa mesma mudança, adiantando serviço e deixando-nos já mais perto da mudança certa para subir/arrancar.
O Climb response é o nível de sensibilidade que queremos nas subidas. Existem 5 níveis e quanto mais baixo for o número, mais pesada é a mudança escolhida e menos assistência o motor dá. No nível mais alto, temos o contrário; o sistema reage de imediato e tem sempre uma mudança leve para que a cadência seja sempre alta e possamos aproveitar o torque máximo (assistência) do motor.
Por fim temos ainda a cadência de referência, que podemos escolher entre 50 e 100 rpm. O valor que escolhermos é aquele que o sistema assume como sendo o que gostamos de utilizar na maioria das vezes. É, portanto, em torno deste valor que as decisões de engrenar uma ou outra relação são tomadas.
Infelizmente não tivemos oportunidade de experimentar todas as combinações possíveis entre estes 3 settings de modo a encontrar um compromisso que nos agradasse em todas as situações. E o que a maioria dos jornalistas concluiu é que se os settings estão otimizados para um tipo de condução mais descontraído. Por outro lado, tentámos perceber se, tal como algumas caixas automáticas de automóveis inteligentes que aprendem com o nosso estilo de condução, este algoritmo poderia registar o nosso comportamento e aprender com ele. Mas para já ainda não tem essa capacidade.
No fundo, estamos perante uma tecnologia nova, que foi desenvolvida sobretudo para um tipo de cliente menos “desportivo”, e nesse sentido abre novos horizontes ao facilitar imenso a condução em trilhos técnicos. Por outro, ainda há arestas a limar e a Shimano está bem ciente disso. A vantagem é que, tratando-se apenas de software, isto pode ser melhorado e atualizado à medida das diversas exigências.
Mas para já estamos perante novas tecnologias que vão certamente revolucionar este segmento e atrair um novo tipo de utilizadores.