Quando a Santa Cruz lançou a primeira geração da Heckler elétrica em 2020 (lembra-te de que Heckler era o nome do mítico modelo dos anos 90), foi criticada, ou melhor, mal interpretada. A sua primeira eMTB chegou tarde ao mercado e fê-lo com um motor de 70 Nm e uma bateria de 504 Wh, valores inferiores aos que a maioria dos principais fabricantes anunciavam na altura.
Mas a Santa Cruz sempre esclareceu que pretendiam criar uma bicicleta que mantivesse o peso baixo para que se movesse muito bem e fosse muito ágil – por isso mesmo, foi fabricada em carbono CC e com rodas de 27,5" - mesmo que isso significasse abdicar de outras capacidades. A pressão do momento era tão grande e tudo evoluiu tão depressa, que só dois anos depois lançaram o modelo atualizado, a Heckler que testámos neste comparativo.
Chegou com um motor muito mais potente e muito mais autonomia na bateria (Shimano EP801 de 85 Nm e 720 Wh), sacrificando parte da leveza e manobrabilidade por mais capacidade, que é o que a grande maioria dos consumidores procura, ou pelo menos, é o que é suposto ser. E, nos quatro anos que passaram, se pensares bem, essa ideia de uma bicicleta altamente manobrável e de capacidade algo limitada, que na altura poucos viam como atrativa, hoje, ironicamente, tornou-se uma das tendências mais populares. Chama-se eMTB Light ou agora também Full Power light (como a Cannondale Moterra SL ou a iLynx+ SL da BH), ou algo como uma mistura de ambas (como a Mondraker Dune com motor Bosch SX).
DUAS BICICLETAS PARA O MESMO TIPO DE BTT, MAS COM ESTILOS DIFERENTES
É por isso que a chegada do motor Fazua Ride 60 e as possibilidades que oferece trouxeram de volta à Santa Cruz a ideia original de uma bicicleta com motor, mas que quase se comporta como se não o tivesse, e que se materializou na Heckler SL que também testámos. Debita 60 Nm, tem bateria de 430 Wh e pesa menos de 20 kg e até menos de 19 kg nos modelos superiores.

A Heckler e a Heckler SL são muito semelhantes e, de facto, o tipo de percursos adequados para cada uma delas é o mesmo, mas ao mesmo tempo são diferentes na forma como realizam esses percursos. Uma requer mais ímpeto de pedalada da nossa parte e obriga-nos a estar mais atentos e preocupados com o consumo da bateria, mas em contrapartida tem uma agilidade muito boa.
A outra tem muita potência e bateria, permite não nos preocuparmos com a autonomia, mas é mais difícil movermo-nos e reagirmos, não sai do chão da mesma forma quando queremos saltar, e também proporciona muito equilíbrio. Mas, até aqui, estas são as diferenças gerais entre estas duas categorias. Vamos analisá-las com mais pormenor.
HECKLER
Não é a bicicleta elétrica mais "bruta" da Santa Cruz, embora possa dar essa impressão, já que também fabricam a Bullit (170 mm, motor EP8, bateria Shimano de 630 Wh), mas, como o aspeto desta Heckler indica, é uma bicicleta "dura" e daquelas que é difícil de tirar o máximo partido, tanto em termos de geometria como de autonomia.
Embora o motor seja Shimano, a Santa Cruz optou por instalar uma bateria alternativa, uma da Darfon, que para além de oferecer uma maior capacidade de personalização na sua forma, uma vantagem em termos de design de quadro, é também conhecida por oferecer uma das maiores densidades energéticas do mercado, razão pela qual começa a ser vista em mais marcas (Cannondale, por exemplo). Só podemos criticar o seu conector de carregamento, com uma tampa demasiado frágil para as exigências que colocamos a longo prazo numa bicicleta deste tipo.
Assim, o EP8, apoiado pelos seus 720 Wh, oferece uma boa autonomia para pedalar durante muitas horas. A Heckler, com um curso traseiro de 150 mm e dianteiro de 160 mm, tem a particularidade de podermos comprá-la de série com rodas de 29", se a ideia for percorrer distâncias maiores, ou Mullet (27,5" atrás, 29" à frente), se pretendemos colocar a tónica em percursos técnicos e com descidas sinuosas e verticais.
A HECKLER É UMA BICICLETA DE TRAIL MUITO POTENTE, PRATICAMENTE UMA ENDURO, COM MUITO POTENCIAL NAS DESCIDAS.
Agora quase todas as montagens estão equipadas com suspensões de 38 mm (RockShox ZEB e Fox 38), enquanto antes predominavam os modelos de 35 e 36 mm, um aspeto que a Santa Cruz mudou. Supomos que a chegada da Heckler SL tem a ver com isto e que agora já não procuram poupar peso numa bicicleta que não precisa tanto disso. A verdade é que a ZEB é perfeita para a Heckler, controlando melhor toda a sua compostura em descidas, que é uma das suas características mais notáveis.
O sistema VPP, que equilibra muito bem o apoio do amortecedor na secção central, evita a sensação de estar demasiado afundado quando está a ler o terreno, mas ao mesmo tempo mantém a bicicleta perto do chão, permitindo que progrida muito bem em descidas.
A unidade testada pesa pouco mais de 22 quilos (22,11 kg no tamanho L, sem pedais), o que é o peso ideal para o tipo de bicicleta em questão. Esta Santa Cruz tem um Flip Chip no link traseiro para modificar a geometria. Na sua posição mais lançada, dá-nos valores de 64,5º na direção, 76,4º no tubo de selim e um reach de 472 mm (no tamanho L testado).
Não são medidas extremas, mas falam por si, é uma bicicleta de Trail muito vocacionada para o downhill. Também é de salientar, como na sua irmã, que os tubos do selim são curtos (405 mm no tamanho M), para baixar o centro de gravidade e melhorar a compatibilidade com espigões de selim de longo curso. Já agora, se quiseres montar uma mola para melhorar ainda mais em descidas, podes fazê-lo sem qualquer problema.
HECKLER SL
Baseia-se na mesma plataforma que a sua irmã e, à exceção do tubo da direção, que é muito mais estilizado nesta SL (devido à sua bateria muito mais compacta) e das dimensões do motor, de resto, tudo é praticamente igual. Também tem 150/160 mm de curso e, ao contrário da sua irmã, só é feita para rodas Mullet. Aqui descartaram as 29" em ambas as rodas, maximizando a leveza e a agilidade.
O motor Fazua torna o quadro muito discreto em toda a área envolvente, especialmente na zona do pedaleiro, onde marca uma grande diferença em termos estéticos e é mais minimalista se compararmos com outros motores (apenas a TQ lhe faz frente). A Santa Cruz usa a bateria standard de 430Wh da Fazua nesta bicicleta, e não a Darfon, o que significa que a bateria da Fazua cumpre todos os seus requisitos.
A Heckler SL inclui o display da Fazua integrado no tubo superior, tal como a maioria das outras marcas que equipam este motor (a Fazua oferece a opção de outro controlo remoto que integra o ecrã LED), embora a Heckler normal opte pelo ecrã do guiador Shimano junto ao avanço, portanto menos integrado.
MESMO COM UMA GEOMETRIA MAIS AGRESSIVA DO QUE A SUA IRMÃ, A HECKLER SL REFORÇA O LADO RECREATIVO, GRAÇAS AO SEU PESO E AGILIDADE.
A Heckler SL também dispõe de um Flip Chip para modificar a geometria. E uma curiosidade sobre esta bicicleta é que os seus valores geométricos são um pouco mais acentuados do que os da sua irmã Full Power. Estamos a falar de um ângulo de direção meio grau mais aberto (64º), um tubo de selim mais vertical (77,2º) e um maior alcance (477,5), no tamanho L.
Também é mais comprida entre eixos, cerca de 10 mm por tamanho, e o tubo da direção é um pouco mais alto. Parte destas diferenças deve-se ao facto de a SL ter sido desenvolvida apenas como uma bicicleta Mullet, enquanto a Heckler foi desenvolvida para ser usada também como uma 29" em ambas as rodas, o que implica valores diferentes. E outra parte está nas tendências do mercado, uma vez que a SL é uma bicicleta desenvolvida um pouco mais tarde e sabemos que as geometrias evoluem quase de um ano para o outro.
Em termos de montagem, apesar de ser uma eMTB leve, não se sacrificou a fiabilidade por um peso recorde e, no geral, não há nada que nos faça sofrer por não conseguir acompanhar o ritmo. Pesa 18,94 kg, mais uma vez um valor bastante bom quando consideramos o curso, a capacidade da bateria e os componentes.
ANÁLISE GERAL
Nenhuma destas duas bicicletas é "para todos", pois depende de cada ciclista, dos seus gostos, preocupações e necessidades, bem como do tipo de bicicletas que os nossos amigos de pedaladas têm (todos sabemos que isso influencia no momento da escolha). Logicamente, o facto de a Heckler ter muita capacidade em todos os sentidos fará sempre com que abranja uma gama mais ampla de perfis, especialmente entre aqueles que têm medo de ficar aquém com uma eMTB leve como a Heckler SL.
O que acontece é que a Heckler tem tanta capacidade que no dia a dia vais ter bateria de sobra (a não ser que gostes de andar sempre no Turbo até ao fim), e talvez pagar o “preço” de uma bicicleta mais pesada e com mais dificuldade em termos de manobrabilidade. Se a Heckler SL pudesse ser equipada com uma bateria adicional, certamente equilibraria um pouco o desempenho entre as duas bicicletas, para que quem optasse por ela pudesse descartar a autonomia das suas preocupações e limitações no caso de querer fazer um percurso mais longo do que o habitual. Mas, para já, a Fazua ainda não tem um Range Extender disponível, e o quadro desta bicicleta não parece ter sido especificamente concebido para transportar a segunda bateria e guiar o cabo de alimentação.
Percursos de 40-50 km com 1200-1400 m de desnível são fáceis de conseguir com a SL se não abusares da assistência e fores económico. Claro, assume que a pedalada não é a mesma: com o motor Fazua - como com os motores leves em geral - a pedalada tem de ser ágil e responde de forma ideal com cadências bastante elevadas (cerca de 75-85 rpm). Com a Heckler é mais do que óbvio que vais conseguir fazer esses quilómetros sem grandes problemas, e podes relaxar mais com o teu estilo de pedalada, porque o motor não se importa com nada, só vai usar um pouco mais de bateria se pedalares a cadências muito baixas - tem de usar mais binário.
Se gostas muito de descidas, é quase lógico pensar que a Heckler é a escolha certa. Sim, é possível que num contexto de Enduro te permita pedalar mais rápido nas subidas e fazer mais descidas, embora estejamos perante o típico dilema "quantidade vs. qualidade".
Numa descida técnica, mas rápida, onde a velocidade é nossa aliada, a Heckler SL pode ter alguma dificuldade em seguir a roda da sua irmã devido a uma diferença de postura, já que a Heckler tende a acelerar mais (especialmente se usarmos os 85 Nm do motor para arrancar) e a ir mais colada ao solo quando soltamos os travões, é mais relaxada e estável nestas condições. Além disso, a suspensão ZEB e o guiador ligeiramente mais rígido também transmitem mais precisão à frente quando as coisas ficam difíceis.
E o nível de proteção dos pneus é um pouco mais elevado na Heckler, o que apreciamos, com as carcaças Maxxis EXO+ e Double Down em comparação com EXO e EXO+ da sua irmã SL. Mas quando o trilho tem obstáculos que requerem levantar as rodas, brincar, saltar ou travar por curtas distâncias para colocar a bicicleta no caminho certo, a Heckler SL dá a volta por cima. Com uma diferença de peso de pouco mais de 3 quilos, torna tudo mais fácil e responde mais naturalmente.
E é surpreendente como se move bem, apesar dos 19 quilos, mas faz-nos lembrar um pouco como se move uma mota de enduro sem motor. E outra coisa... o som do motor não só é mais percetível na Shimano da Heckler quando pedalamos, mas também em descidas, tende a fazer mais "barulhos", enquanto o Fazua não faz qualquer som. E uma bicicleta silenciosa é também uma bicicleta mais rápida.
Então, afinal, qual é a melhor? Se tivermos em conta que, em termos de construção, detalhes e qualidade, ambas as bicicletas são praticamente idênticas, a chave para nos inclinarmos mais para uma do que para a outra centra-se principalmente no que procuramos nos nossos percursos, se muita capacidade perdendo um pouco de agilidade, ou naturalidade e leveza em troca de ter de estar mais atento à forma como o “depósito” de energia vai baixando.
QUADRO Carbono CC. Curso 150 mm. AMORTECEDOR RockShox Super Deluxe Ultimate. SUSPENSÃO RockShox ZEB Ultimate, curso 160 mm. RODAS Mullet. 29-27,5”. MOTOR Shimano EP801. 85 Nm. Potencia máxima 600 W. BATERIA Darfon integrada, 720 Wh. TRANSMISSÃO SRAM X0 AXS T-Type. TRAVÕES SRAM Code Silver Stealth. Discos SRAM HS2 200 mm. GUIADOR Santa Cruz e35 Carbon. 800 mm. PUNHOS Santa Cruz House. AVANÇO Burgtec Enduro MK3. ESPIGÃO DE SELIM OneUp V2. 150 mm. SELIM WTB Silverado Medium Ti. RODAS Reserve 30 HD fr. 31 DH tr. Carbon. Cubos DT Swiss 350. PNEUS Maxxis Assegai 29x2.25”, 3C, MaxxGrip, Exo +. Minion DHR, 29x2.4”, 3C MaxxTerra, Double Down. PESO (tamanho L, sem pedais) 22,11 kg. + INFO Bicimax www.santacruzbicycles.com