Competição

A curiosa história de vida de Dario Cataldo

O italiano da Lidl-Trek é um apaixonado por pintura e agora, após 18 temporadas no pelotão profissional, decidiu colocar um ponto final na sua carreira. Esta é a sua história de vida.

Rafa Simón

4 minutos

A curiosa história de vida de Dario Cataldo

Dario é um amante das artes. De facto, até poderia dedicar-se a esta área a nível profissional. Na sua garagem, que entretanto remodelou, tem perante si a tela mais díficil da sua vida: uma enorme tela branca que terá de ser pintada do zero, como um renascimento. 

Há muitos anos, quando ainda era ciclista amador não fazia ideia do seu potencial. Entretanto, venceu a Volta a Itália sub23 e as equipas mais importantes italianas nessa altura, a Liquigas e a Lampre, queriam contratá-lo. Acabou por ir para a Liquigas, porque alguém lhe disse que tratavam bem os jovens e, sobretudo, porque queria correr com Vincenzo Nilabi e Danilo di Luca. 

Foto: Sprint Cycling Agency.

Só esteve com o Di Luca um ano e passados dois anos assinou contrato com a Quick Step. Os belgas sempre estiveram focados na clássicas e nas etapas ao sprint, por isso ele teve o seu espaço, tentando ser o homem forte nas Grandes Voltas. Durante quatro anos tentou dar tudo o que tinha na Volta a Itália e chegou a rondar o top 10 duas vezes, mas percebeu que havia na equipa homens mais fortes do que ele com capacidade para voos mais altos. No seu último ano na estrutura flamenga (2012) viveu os 200 metros mais duros da sua carreira profissional, que culminaram com a vitória de uma etapa na Volta a Espanha, ainda por cima numa subida demoníaca chamada Cuitu Negro. O esforço foi de tal ordem quem nem sequer teve forças para levantar os braços na linha de meta, quando ultrapassou De Gendt. 

No entanto, acabou por aceitar que a sua carreira iria mudar de rumo e passaria a ser gregário, em vez de líder. Passou a ser um dos braços direitos de Chris Froome, o homem do momento, que no ano anterior teve de abrandar o ritmo na montanha para que o seu companheiro de equipa Bradley Wiggins vencesse em Paris. Mas todos perceberam que ele era realmente o mais forte esse ano. Dario Cataldo sentiu essa tensão interna dentro da equipa Sky e, sobretudo, apercebeu-se que era importante ganhar a confiança de Chris. Aproveitou a sessão fotográfica que a equipa organizou antes do início da temporada em Londres para se tornar seu companheiro de quarto, um sinal de que Froome confiava nele. 

Cataldo notou que Froome não tinha quaisquer sinais de altivez e que no fundo era um tipo tranquilo e simpático. Passadas algumas semanas, no Tour de Omán, durante a disputa da primeira prova juntos, procurou estar junto dele nos quilómetros finais da primeira etapa, que terminaria em sprint. O inglês parecia nervoso. Queria ficar numa das posições cimeiras, mas tinha medo de cair. "Segue-me, comigo não vais cair", disse-lhe Dario. Chris duvidou, mas seguiu na sua roda. Horas depois, e já no hotel, o britânico entrou no quarto e agradeceu o seu trabalho. 

Foto: Sprint Cycling Agency.

Os anos foram passando, e as cores da tela passaram a ser o azul celeste da Astana, equipa que representou durante algum tempo. Recorda com saudosismo um episódio passado em 2015 quando houve uma emboscada a Tom Dumoulin e que teve como resultado final a vitória de Fabio Aru na Volta a Espanha. Aliás, alguns meses antes tinham tentado o mesmo, junto com Mikel Landa, mas nessa vez o objetivo era apanhar Alberto Contador no Giro desse ano. 

Cataldo era indicutivelmente um capitão no asfalto, mas faltava-lhe uma vitória no Giro. Agora, despojado das dificuldades que viveu, sente alivio após ter conseguido em 2019 concretizar o sonho de uma vida. 

Depois, chegou a pandemia, que para além da instabilidade e incerteza, veio acompanhada de um convite por parte de Daniele Bennati. O seu compatriota convidou-o para se juntar a ele na Movistar. 

Foto: Sprint Cycling Agency.

Foi na equipa espanhola que ficou a conhecer a tenacidade e a combatividade de Alejandro Valverde, um ciclista que conseguia combater a passagem dos anos e que estava sempre motivado. "Sprint até aquele poste!", gritava o murciano aos seus companheiros de treino. A alegria daquele "jovem" de 40 anos contagiava tudo e todos. 

No entanto, Cataldo tinha longas conversas com Luca Guercilena, Manager da Trek há algum tempo. Até essa altura, nunca se proporcionou juntar-se à equipa americana, mas o apogeu de Giulio Ciccone, um miúdo da sua terra que conhecia desde que competiram em juvenis, fez com que desse o passo definitivo. Queria acompanhar de perto a evolução do seu conterrâneo. 

Infelizmente, esta alegria só durou um ano. Foi em 2023, precisamente na mesma etapa da Volta à Catalunha em que Sonny Colbrelli disputou a sua última corrida antes de colocar um ponto final na sua trajetória profissional devido a um problema cardíaco. Dario teve o pior dia da sua vida. 

Foto: Luis Ángel Gómez (Sprint Cycling Agency).

A cerca de 5 km para o fim, quando o pelotão descia Mont Feliú de Gixols a 80 km/h, ocorreu uma queda no lado esquerdo do pelotão. Dario estava no lado oposto, mas uma guinada no guiador de um dos ciclistas que ia à sua frente fez com que saísse disparado da sua bicicleta, embatendo violentamente no solo. No hospital em Girona foram-lhe diagnosticadas 15 fraturas, incluindo dois pneumotórax, que colocaram a sua vida em risco. 

Agora, reconhece que aquela queda acelerou o seu abandono da alta competição. Aos 39 anos de idade, deixa um ciclismo que o fez verter muitas lágrimas e que o fez perceber que afinal estava encurralado na solidão de um pequeno grupo. Reconhece também que exigiu tanto do seu corpo que ainda hoje sente as dores de tudo o que passou, sobretudo na zona das vértebras. No fémur tem placas que praticamente nem o deixam correr. Mas a sua alma está tranquila. As suas primeiras pinceladas foram pintadas quando o ciclismo ainda era "old school". As mais recentes, denotam o rumo que a modalidade tomou, dominada pelos dados e pelos medidores de potência. Felizmente, sempre gostou de transmitir aos mais novos tudo aquilo que aprendeu. Mas ainda espera impacientemente que seja convidado para ser Diretor Desportivo. Quando o ecrã do seu telemóvel brilhar, a sua tela também ganhará uma nova cor. Mas qual será?

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