O Giro d’Italia 2025 foi um daqueles momentos mágicos do desporto, capaz de fazer sonhar até o mais cético dos fãs de ciclismo. Durante três semanas, as estradas italianas (e não só) foram palco de drama, superação, lágrimas e festa, culminando num final épico com o Coliseu de Roma como testemunha silenciosa de mais uma página dourada da história do ciclismo mundial.
Tudo começou de forma inusitada, com a partida em Tirana, na Albânia, mostrando a internacionalização crescente do Giro. Desde cedo, as atenções estavam voltadas para as grandes estrelas como Primož Roglič (BORA-hansgrohe), Juan Ayuso (UAE Team Emirates XRG), Richard Carapaz (EF Education-EasyPost), Simon Yates (Team Visma | Lease a Bike), Egan Bernal (INEOS Grenadiers), Thomas Pidcock (Q36.5 Pro Cycling) e Giulio Ciccone (Lidl - Trek). A ausência de outros nomes tornou a disputa, diria interessante e imprevisível. Mas ninguém esperava que um jovem mexicano, Isaac Del Toro (UAE Team Emirates), de apenas 21 anos, se tornasse protagonista.
A etapa que terminou em Siena foi um dos pontos altos da corrida, na minha opinião. As estradas de terra da Toscana, conhecidas por fazerem parte do percurso da Strade Bianche, serviram de cenário para uma exibição de garra e resiliência de Wout van Aert (Team Visma | Lease a Bike). Sempre apontado como o eterno segundo lugar, Van Aert mostrou a sua resiliência, superação e inteligência tática, numa disputa com Isaac Del Toro (UAE Team Emirates) Foi nesta etapa que Del Toro surpreendeu o pelotão e o mundo, onde, diria, teve a performance da sua vida que lhe permitiu vestir, pela primeira vez, a maglia rosa, líder da classificação geral, entrando assim para a história do Giro.
O México, país sem tradição no ciclismo europeu, voltou a sonhar e vibrou com cada pedalada do seu novo herói. Del Toro tornou-se assim o primeiro mexicano a liderar o Giro d’Italia, um feito histórico para o ciclismo latino-americano.
MUDANÇA INESPERADA
Esta etapa alterou significativamente o desfecho do Giro, marcada por quedas, momentos dramáticos e avarias mecânicas. Muito se discute sobre a inclusão de etapas típicas de clássicas numa grande volta, dado que acrescentam um perigo extra e o azar pode ter um impacto decisivo. O ciclismo não é apenas força nas pernas ou capacidade estratégica; é também a ausência de azares, fatores que não se podem controlar. Esta etapa evidenciou isso, com alguns favoritos envolvidos em quedas e problemas mecânicos que lhes custaram tempo precioso na luta pela geral. A discussão centra-se agora numa questão fundamental: vale a pena aumentar o risco num desporto que, por si só, já é tão perigoso e exigente?
O Giro é conhecido pela sua dureza e imprevisibilidade, e em 2025 não foi exceção. Primož Roglič, um dos grandes favoritos, viu-se envolvido em quedas e acabou por abandonar, deixando a corrida ainda mais aberta. Juan Ayuso, jovem promessa espanhola, teve de abandonar após ser picado por uma abelha no olho — uma decisão difícil, mas sensata, pois a segurança está sempre em primeiro lugar no desporto.
Isaac Del Toro manteve a maglia rosa durante vários dias, liderando a corrida e acumulando bonificações, mas nunca esteve sozinho — contou sempre com a presença de Richard Carapaz, que animava a disputa pela liderança. Carapaz, campeão experiente, não deixou que a idade fosse um obstáculo: manteve-se combativo, atacando sempre que possível para recuperar tempo e continuar na luta pelo pódio. Sua persistência foi recompensada com um lugar entre os três melhores, mostrando que a experiência é um fator decisivo numa grande volta.
A ETAPA 20: TÁTICAS, SURPRESAS E UM NOVO HERÓI
A penúltima etapa foi um verdadeiro thriller. As equipas hesitaram, as táticas falharam e a fuga ganhou tempo. Wout Van Aert estava lá, uma boa premonição para o seu colega de equipa Simon Yates que não hesitou, arriscou tudo e atacou no momento certo. Del Toro e Carapaz, talvez por inexperiência (de Del Toro) ou falta de entendimento, não colaboraram e deixaram escapar a vitória geral para Yates.
O desempenho de Simon Yates no Giro d’Italia 2025 foi discreto inicialmente, mas com o passar dos dias tornou-se uma história de resiliência, estratégia e redenção. Sete anos após perder a liderança e a maglia rosa na mítica subida do Colle delle Finestre, Yates voltou ao mesmo cenário para reescrever a sua história: na penúltima etapa, lançou um ataque decisivo nas duras rampas de terra, aproveitando a marcação entre Isaac Del Toro (UAE Team Emirates-XRG) e Richard Carapaz (EF Education-EasyPost), e conquistou a liderança geral.
Com uma performance sólida e o apoio fundamental da equipa, Yates consolidou a vantagem e entrou em Roma de rosa, celebrando o seu segundo triunfo em Grandes Voltas, depois da Vuelta a España em 2018. Para o britânico, esta vitória foi o ponto alto da carreira, um fecho simbólico de um ciclo e a consagração de um ciclista que nunca deixou de acreditar no seu potencial.
ROMA: O FINAL DE UMA ODISSEIA
A última etapa, com chegada à majestosa Roma, foi uma autêntica celebração. O Coliseu serviu de pano de fundo para a consagração dos verdadeiros gladiadores modernos. Famílias, amigos e fãs de todo o mundo reuniram-se para aplaudir esses guerreiros que nos proporcionaram três semanas de espetáculo, emoção e inspiração.
O ambiente era de festa, mas também de alívio e cansaço extremo. O Giro não é apenas uma corrida; é uma prova de resistência física e mental, tanto para atletas como para todo o staff envolvido. Ver os ciclistas cruzarem a meta em Roma, depois de 21 etapas repletas de desafios, é testemunhar a essência do desporto: superação, paixão e sonho.
Mads Pedersen (Lidl-Trek) teve uma performance impressionante no Giro d’Italia 2025. Com 4 vitórias nesta edição, o ciclista da Lidl-Trek consolidou a liderança na classificação por pontos, somando mais que o dobro do segundo colocado, e reforçou também a sua presença entre os grandes sprinters do pelotão. Em Roma, a equipa Lidl-Trek vestiu-se literalmente de roxo e cantou "Purple Rain" para celebrar a vitória de Mads Pedersen na maglia ciclamino.
O britânico Symon Yates, agora com uma carreira reescrita, celebrou uma vitória merecida e emocionante. Simon Yates festejou a vitória com a sua equipa, que teve um equipamento especial para esta edição.
Também assisti a um momento que, para mim, define a essência do ciclismo: Yates celebrou a sua vitória com a sua antiga equipa, a Jayco AlUla.
Del Toro ficou com a camisola branca da juventude, símbolo de um futuro brilhante e subiu ao pódio ao lado de Yates, enquanto Carapaz fechou o pódio.
Esta edição do Giro d’Italia ficará para sempre na memória dos fãs. Pela imprevisibilidade, pelo surgimento de novos heróis, pela consagração dos veteranos e pelo espetáculo inesquecível que só o ciclismo pode proporcionar. Roma foi o palco final, mas o verdadeiro espetáculo esteve nas estradas, nas montanhas, nas aldeias e cidades por onde passou a caravana rosa.
Que venha o próximo Giro — porque o ciclismo, tal como a vida, é feito de sonhos, quedas, vitórias e, acima de tudo, de paixão.