Treino

Treino em climas quentes. O sofisticado método de alguns profissionais

Treinar exposto a altas temperaturas pode proporcionar melhorias semelhantes às conseguidas em altitude. Esta é uma das últimas tendências no treino de desportos de resistência e se queres saber porque acontece e como se faz, recomendamos-te que continues a ler este artigo.

Miguel Ángel Sáez // FOTOS: Arquivo BIKE e www.biketraining.es

6 minutos

Treino em climas quentes

Se acompanhas as transmissões televisivas das Grandes Voltas ou das Taças do Mundo de BTT que se realizam no verão, certamente já viste a importância que os ciclistas profissionais dão atualmente ao arrefecimento do corpo, quer se trate da utilização de coletes de gelo antes da partida, de batidos frescos ou de sacos de gelo, chamados "ice shoots", que são colocados no interior do vestuário.

Não é certamente uma coincidência que sejam feitos tantos esforços para manter a temperatura corporal sob controlo enquanto os ciclistas estão a competir. Isto deve-se ao conhecimento generalizado dos efeitos negativos do calor no desempenho humano.

O nosso corpo necessita de manter uma temperatura estável de cerca de 37Cº, quando tal não acontece e a temperatura desce ou sobe acima deste valor, algumas funções fisiológicas começam a alterar-se.

Para compensar e tentar manter esses 37Cº, são ativados alguns mecanismos que acabam por levar a um aumento dos custos energéticos e do stress fisiológico do atleta. Isto explica, por exemplo, porque é que a altas temperaturas o nosso desempenho diminui em relação a condições temperadas. Com o calor, o nosso corpo produz, por exemplo, um aumento do diâmetro dos vasos sanguíneos, um aumento da frequência cardíaca ou respiratória, entre outros, que nos levam a consumir mais energia e a cansarmo-nos mais cedo. 

FAZ DO CALOR O TEU ALIADO 

No entanto, nos últimos anos tem sido feita uma extensa investigação sobre o que acontece no corpo quando tentamos aclimatar-nos a temperaturas elevadas, comparando com os efeitos do treino em altitude. Os resultados foram surpreendentes e muito diferentes do que se poderia esperar.

O TREINO NO CALOR PRODUZ BENEFÍCIOS SEMELHANTES AOS DO TREINO EM ALTITUDE

Esta investigação demonstrou que o corpo tem, de facto, a capacidade de se aclimatar ao calor após um período de treino específico, submetendo-se a temperaturas elevadas, para que possamos reduzir o impacto negativo que estas têm na nossa fisiologia e performance. Isto significa, por exemplo, que os atletas que vivem em locais frios e têm de competir ocasionalmente em países ou zonas geográficas muito quentes, podem recorrer ao treino controlado de calor como forma de se aclimatarem e melhorarem o seu desempenho em condições que lhes são tão adversas. É a forma de melhorar a sua tolerância a temperaturas elevadas e, de certa forma, evitar uma redução significativa do seu rendimento físico nestas condições. 

CONCLUSÕES SURPREENDENTES 

Outro ponto importante de todo o conhecimento que se acumulou em torno do treino com calor é que os seus benefícios não são apenas utilizados para te aclimatares à competição ou ao treino em ambientes quentes. Os efeitos de um treino com calor regular e periódico conduzem a benefícios gerais no desempenho do atleta.

Por outras palavras, o treino com calor pode ser utilizado como um meio de melhoria e não necessariamente como aclimatação a temperaturas elevadas. Neste sentido, verificou-se que as melhorias que produz são semelhantes às observadas com o treino em altitude e, por isso, é mesmo uma alternativa para quem não tem a possibilidade de viajar para grandes altitudes para melhorar o seu desempenho. 

PORQUE É QUE MELHORA O DESEMPENHO 

Quando nos exercitamos no calor, são desencadeados dois mecanismos, entre outros, que são fundamentais para um aumento do desempenho. O primeiro é o aumento da produção de plasma sanguíneo. Isto acontece devido à redistribuição do sangue quando fazemos exercício a altas temperaturas, altura em que o sangue é redirecionado para zonas superficiais do corpo, junto à pele, para tentar evacuar o calor. É nesta altura que os músculos que exercitamos sofrem um défice extra de fluxo sanguíneo e, para compensar, a produção de plasma sanguíneo aumenta na tentativa de fazer chegar mais sangue aos músculos.

O aumento do plasma sanguíneo aumenta o volume de sangue, mas não o volume de glóbulos vermelhos, que são, em última análise, o agente transportador de oxigénio. E é este fenómeno de uma menor concentração de glóbulos vermelhos que produz o segundo mecanismo interessante para o nosso desempenho. O organismo, na tentativa de compensar a menor concentração de glóbulos vermelhos, aumenta a sua produção, promovendo um maior fornecimento de oxigénio ao sangue.

Estes dois mecanismos, o aumento do volume plasmático e a produção de glóbulos vermelhos, são as principais razões pelas quais o treino com calor geralmente aumenta a performance do atleta, para além de o aclimatar e reduzir o impacto negativo das altas temperaturas no nosso rendimento.

COMO FAZER

Estudos realizados com atletas determinaram que é necessário um mínimo de 4 a 6 semanas de treino com calor para estimular o corpo e provocar todas as adaptações mencionadas acima, com uma frequência semanal de 2 a 4 sessões com uma duração mínima de 45 minutos cada. No entanto, as desvantagens deste tipo de treino são o desconforto, uma vez que o treino a altas temperaturas não é nada agradável, e a capacidade de controlar a temperatura para que o estímulo seja realmente suficiente.

No treino ao ar livre teríamos de pedalar num ambiente quente ou, na sua falta, com roupa extra quente para conseguirmos elevar a temperatura corporal acima dos 38ºC e também controlar que durante o percurso a temperatura ambiente não varie muito, o que inevitavelmente faria variar, também, a temperatura corporal.

Por esta razão, quem planeia treinar no calor deve considerar fazê-lo dentro de casa, num rolo. Nestas condições, é muito mais fácil ter um controlo preciso da temperatura ambiente e programar sessões de treino específicas. 

COMO CONTROLAR A TEMPERATURA CORPORAL

Para atingir a temperatura corporal que conduzirá a adaptações e subsequentes melhorias no desempenho, existem duas formas. Por um lado, a intensidade do esforço. Quanto maior for a intensidade, maior será a temperatura corporal. Mas em condições ambientais temperadas, por mais que nos esforcemos, não conseguimos aumentar suficientemente a nossa temperatura corporal.

É por isso que precisamos de fazer exercício a uma temperatura ambiente elevada ou de a favorecer com vestuário quente. O objetivo é atingir uma temperatura, normalmente entre 38 e 38,5ºC, e manter-se estável a essa temperatura durante toda a sessão. Para isso, existem dispositivos como o sensor de temperatura CORE, que foi cientificamente validado pela sua elevada fiabilidade na estimativa da temperatura corporal interna através da medição da temperatura da pele. Com um dispositivo como este, podemos monitorizar a temperatura corporal a que estamos a treinar e, assim, conseguir uma precisão total no treino com calor. 

O TREINO NO CALOR SÓ É ADEQUADO PARA CICLISTAS COM UM BOM NÍVEL DE CONDIÇÃO FÍSICA.

É evidente que o treino com temperaturas elevadas é um stress fisiológico a que apenas se devem sujeitar os ciclistas com anos de experiência e um bom nível de condição física que procuram novas formas de melhorar. Os ciclistas que treinam há pouco tempo ou que têm um nível básico de condição física têm formas mais convencionais e menos dispendiosas de melhorar. Neste artigo, quisemos apenas mostrar-te uma forma de treino avançada e sofisticada, que é utilizada por atletas de elite para atingir excelentes níveis de desempenho. Cada pessoa terá de refletir sobre a conveniência da sua utilização em cada circunstância.

EM SUMA. TREINO COM CALOR:

Melhorias:

  • Aumenta a capacidade de esforço a altas temperaturas 
  • Aumento da capacidade de transporte de oxigénio no sangue
  • Aumenta a tolerância mental ao calor 

Como é que o devemos fazer:

  • Treina no interior
  • Com um medidor de temperatura (tipo CORE) 
  • Pedala a uma temperatura corporal central constante entre 38 e 38,5ºC
  • 2 a 4 sessões por semana
  • Durante 40 a 50 minutos por sessão 
 
A quem se destina:
  • Para ciclistas que vivem em climas frios ou temperados e que têm de competir em ambientes quentes. 
  • Para aqueles que têm uma vasta experiência de treino e um bom nível de condição física e procuram novas formas de melhorar.

Que precauções devemos ter: 

  • Hidrata-te mais durante o treino do que em temperaturas moderadas. 
  • Não excedas a temperatura corporal de 39°C em nenhuma circunstância. 
  • Por precaução, é preferível treinar várias sessões curtas por semana do que algumas sessões muito longas em tempo quente.

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