A célebre pergunta "O que é que surgiu antes, o ovo ou a galinha?" ajusta-se na perfeição ao setor da bicicleta. Quando surge um novo standard ou tecnologia, será que aparece devido a uma necessidade ou primeiro essa necessidade é criada a partir de um novo produto lançado no mercado? Esta pergunta sempre existiu e tem respostas de todos os tipos, incluindo as mais obscuras ou teorias que dizem que os meios de comunicação social são cumplices na transmissão das mensagens de marketing das empresas, quando simplesmente são narradores de toda a história.
O problema é que também fica no ar uma estranha sensação de marioneta que se move de lado a lado, aos trambolhões, ao gosto do mercado, e tudo se agravou com a chegada das rodas de 29 polegadas e de todas as tecnologias associadas. Depois surgiram as 27,5", as 27,5 Plus, que levaram à extinção das 26", e agora começa-se a ver ao longe dados que indicam o desaparecimento das 27,5"... O que mais virá? Rodas de 28"?
HÁ MUITO, MUITO TEMPO...
O BTT nasceu associado às rodas de 26 polegadas e teve o seu primeiro "boom" nos anos oitenta. Há diferentes teorias, imagens que mostram franceses anos antes com bicicletas que supostamente são de BTT, mas o discurso oficialmente aceite e que colocou em marcha um movimento que revolucionou a indústria da bicicleta, está associado à California e às rodas de 26 polegadas. Perto de Sausalito, no coração da Califórnia e muito perto de São Francisco, um grupo de hippies rapidamente descobriu como era divertido descer as colinas com a sua cruiser, tendo na altura a maioria, não todas, rodas de 26".
Após o seu "nascimento", rapidamente foram desenvolvidos novos conceitos em redor destas novas bicicletas de BTT, uns com maior aceitação do que outros. E por vezes, as rodas estiveram no epicentro da inovação, com algumas tentativas de popularizar o uso da roda de 24 polegadas na parte traseira e 26" na dianteira. A marca japonesa Kuwahara, especializada em BMX, e outras marcas tentaram implementar esse conceito que poucos seguiram. Houve também quem tentasse fazer o inverso, procurando rodas maiores, tendo Gary Fisher sido um dos pioneiros.
A RODA QUE MUDOU TUDO
Como referimos, tudo começou com a adoção em massa por parte da maioria das marcas das rodas de 29", entre os anos 2007 e 2009. Existiram anteriormente algumas tentativas neste tamanho de roda, como a extinta Gary Fisher (absorvida pela Trek). Aliás, as Gary Fisher eram bicicletas bastante ágeis graças à sua inovadora geometria G2 (inicialmente denominada Genesis), idealizada pelo seu extravagante criador, o proprio Gary Fisher, lenda viva e um dos impulsionadores do BTT.
As suas bicicletas tinham um quadro mais comprido, usavam avanços curtos e uma suspensão com um offset exclusivo para elas, adiantando os dropouts 51 mm. Isto encurtava o "Trail" (força necessária para fazer girar a roda), algo que ao longo do tempo foi copiado por outras marcas.
Enquanto isso, as bicicletas de 29" dos restantes fabricantes eram volumosas, grandes e difíceis de manobrar, pelo que a indústria, antes de aplicar a filosofia de Fisher, teve uma ideia genial para contrariar este efeito: lançar umas rodas mais pequenas. Assim surgiram as rodas de 27,5 polegadas ou 650B, em 2012, com um diâmetro a meio caminho entre as 29" e as 26". Estas marcas argumentavam que deste modo ofereciam o melhor de dois mundos: a rapidez de rolamento e facilidade na superação de obstáculos das rodas 29" e a robustez e aceleração das 26".
Os fabricantes foram introduzindo estas rodas a conta gotas, substituindo paulatinamente as 26" pela nova medida, enquanto coexistiam com as de 29". Por exemplo, a Specialized adotou as 29", inclusivé no seu modelo de Enduro. E mais tarde introduziu as 650B na sua gama de 2014, numa altura em que essa medida já estava a ser amplamente adotada por outras marcas, como a Giant ou Scott. Esses anos foram de incerteza total.
Ninguém estava de acordo acerca de qual diâmetro era o melhor, se 27,5", se 29". Por isso começaram a lançar modelos nos dois tamanhos, ou seja, bicicletas para a mesma utilização, mas disponíveis nos dois tipos de rodas, para grande dor de cabeça de lojas e consumidores. Tentou-se centralizar as rodas 29 como a opção ideal para XCO, mas sempre existiram contradições... Nino Schurter ganhou os Mundiais com a sua Scott Scale com 27,5" à frente enquanto todos os seus rivais usavam 29". Mais tarde descobrimos que o Nino usava umas 27,5" com um diâmetro ligeiramente superior. Mas, como em tudo na vida, o tempo coloca tudo no seu devido lugar. No caso das rodas, além do tempo, a evolução das geometrias e dos componentes desempenhou um papel importante.
FERIDA DE MORTE
A evolução da geometria dos quadros e das suspensões seguiu o caminho livre deixado por Gary Fisher na primeira década de 2000. Além disso, a tecnologia Boost aplicada em cubos e quadros impulsionada pela Trek e pela Sram em 2017 (a qual proporciona rigidez à roda, ao mesmo tempo que desloca a transmissão e permite criar escoras mais curtas para aproximar a roda ao quadro) e a adoção das leves rodas de carbono, foram peças chave na globalização do rendimento das 29" nas restantes disciplinas, conservando a agilidade de resposta, a leveza, resistência e durabilidade, ferindo irremediavelmente de morte as 27,5".
Uma das marcas que sofreu com a aposta nas 27,5" foi a Giant, o fabricante número um do mundo, a qual (contra ventos e marés), decidiu seguir o seu caminho e virar costas à restante indústria, esquecendo-se durante algum tempo das rodas 29", confiando nas 27,5", inclusivé nas suas bicicletas mais focadas no Cross Country. Após vários anos a perder vendas nestas categorias, a marca mudou a sua posição face às rodas 29" e hoje em dia conta com modelos de topo em quase todas as categorias (excepto, por exemplo, a nova Reign E de Enduro, uma ebike de BTT que somente está disponível com rodas de 27,5").
Atualmente, e em geral, ninguém que tenha testado uma bicicleta com rodas de 29" quer voltar a ouvir falar de umas rodas mais pequenas, e não falamos somente em bicicletas de Cross Country e tamanhos pequenos, mas também em qualquer tamanho e modalidade. As 29" também estão disponíveis nos tamanhos S e XS e se tradicionalmente as 29" foram indiscutivelmente as rainhas e dominadoras do XC, agora também o são nas vertentes "Gravity" do BTT, do Enduro ao Downhill, embora alguns "prós" optem por usar 27,5" na roda traseira. Foi o caso de Loic Bruni (Specialized Demo), Campeão do Mundo de Downhill em 2019, ou Martin Maes (GT Force), vencedor da Enduro World Series de 2019.
Esta mesma configuração mista de 29 à frente e 27,5" atrás está a ser utilizada em muitas ebikes, onde a 29" proporciona uma maior capacidade a superar obstáculos e segurança em zonas verticais, enquanto a 27,5" confere mais robustez, controlo e capacidade de aceleração. É óbvio que as 27,5" não vão desaparecer de todo, salvo que alguém lance de repente uma nova medida que a substitua. Valorizando a tendência atual, ficarão relegadas para as rodas traseiras de algumas bicicletas, bem como para bicicletas de criança, ou como ponto intermédio entre as 24" e as 29".
E AS PLUS?
Como se não fosse suficiente ter dois diâmetros de rodas, surgiram as Plus, versões sobredimensionadas com pneus 3.00" ou 3.200". As novas medidas chegaram em 2015, com mais argumentos de marketing do que prestações reais. Prometiam ser muito absorventes e com uma elevada aderência e tração graças à sua capacidade para rolar com baixas pressões (inclusivé com menos de 1 bar), mas rapidamente ficou notório que as suas frágeis carcaças começaram a dar problemas em termos de fiabilidade por cortes (contato com o aro) e, claro, se aumentássemos a pressão para evitar que isso acontecesse, elas saltitavam como se fossem bolas de basquetebol.
Qual foi então a solução? A indústria teve outra ideia brilhante: reduzir o balão até 2.80", ou seja, torná-las menos "Plus" e assim seria possível reforçar os flancos sem aumentar muito o peso.
Nem assim conseguiram resolver o problema, pois essas bicicletas continuaram a apresentar muito atrito e peso... A resposta da indústria foi reduzir ainda mais o balão até aos 2,60" e deixar de as chamar Plus. Ou seja, em última instânica o pneu de downhill foi reinventado. Atualmente tem 2.50", mas foi adaptado a uma utilização mais cómoda e polivalente. Como diz a canção de Ricky Martin: "dos pasitos adelante y dos pasitos patrás", algo que só gera desconfiança entre os utilizadores. O que é que surgirá agora? Em breve saberemos...