Quando no passado domingo, Mathieu Van der Poel desatou a chorar após a sua histórica vitória na etapa (passando a liderar o Tour), o ciclista da Alpecin-Fenix olhou para o céu com a satisfação de ter saldado uma dívida de família. Mathieu tem como segundo apelido o ilustre nome Poulidor. Qualquer aficionado de ciclismo saberá que por detrás desse apelido há uma grande história, a de Raymond Poulidor (ou, como era carinhosamente chamado pelo povo, "Poupou"), um ciclista francês que nos anos 60 teve de enfrentar os "monstros" daquela geração, como Jacques Anquetil e Eddy Merckx, duas lendas da Volta a França, com cinco vitórias cada um. Estes dois corredores foram a pedra no sapato de Raymond Poulidor, pois nunca conseguiu ganhar a prova francesa, apesar de ter subido ao pódio final 8 vezes (mais do que qualquer outro) e ter obtido sete vitórias de etapa. Apesar disso, nunca conseguiu vestir a tão cobiçada camisola de líder do Tour.
Oriundo de uma família humilde, filho de agricultores do centro de França, Raymond Poulidor foi uma figura carismática e muito querida no pelotão, mesmo após o seu abandono da alta competição. Numa entrevista antes do seu falecimento em 2019, afirmou que o facto de nunca ter vencido o Tour, de ter sido um eterno "segundo classificado", lhe deu um maior protagonismo no misticismo do ciclismo: "Se tivesse ganho a camisola amarela não se tiveria falado tanto de mim todos estes anos depois de ter acabado a minha carreira".
Raymond Poulidor casou com Gisèle Bardet e tiveram duas filhas, Isabelle e Corinne. Gisèle, conhecedora do que era ser esposa de um ciclista profissional, com largos períodos ausente de casa e uma vida dedicada ao sacrifício e à preparação, obrigou as suas duas filhas a prometer que nunca se casaríam com um ciclista. Contudo, o destino e o acaso fizeram com que a mais nova das duas, Corinne, não pudesse cumprir a promessa. "Realmente quando conheci o meu marido não sabia que ele era ciclista", justificou Corinne.
O seu marido era o holandês Adri Van der Poel, que conheceu numa discoteca em La Martinica, quando ambos estavam de férias. Adri era, nessa altura, um corredor bastante conhecido e prestigiado, especialista em ciclocrosse (chegou a ser Campeão do Mundo em 1996), mas também era um ciclista com muita classe na vertente de estrada, um vencedor de etapas e um "classicómano". Aliás, conseguiu mostrar o seu valor por duas vezes na Volta a França, vestindo a camisola de líder durante um dia em 1984.
Corinne e Adri tiveram dois filhos, David e Mathieu, e no ambiente familiar onde se respirava ciclismo pelos quatro costados, ambos acabaram por se dedicar profissionalmente ao mundo das duas rodas, destacando-se, sobretudo, o mais novo, Mathieu, herdando a genética do seu pai e do avô, tal como o próprio Raymond reconheceu: "o meu neto tem os genes do seu pai e do avô, mas é melhor do que nós alguma vez fomos".
Mathieu Van der Poel, aos 26 anos, parece confirmar a previsão do seu avô: Campeão do Mundo de ciclocrosse por quatro vezes, vencedor e dominador na Taça do Mundo de BTT, vencedor de clássicas como o Tour de Flandres ou a Amstel Gold Race, e o melhor é que no seu horizonte vislumbram-se ainda mais êxitos, como - quem sabe - a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Tóquio em BTT ou, num espaço temporal mais curto, mais vitórias na Volta a França. Na sua primeira participação só precisou de dois dias para ganhar uma etapa e conseguir a camisola amarela, algo que nem o seu avô nem o seu pai conseguiram em toda a sua trajetória. Até onde será capaz de chegar a valentia de Mathieu?
CURIOSIDADES DE MATHIEU VAN DER POEL
Pai: Adri Van der Poel
Avô: Raymond Poulidor
Mãe: Corinne Poulidor
Irmão: David Van der Poel
Maiores rivais: Wout Van Aert, Thomas Pidcock, Julien Allaphilipe, Nino Schurter
Resultados mais importantes: 4 Campeonatos do Mundo de Ciclocrosse, vitórias em clássicas de estrada como Tour de Flandres ou Amstel Gold Race, 10 vitórias Short Track na Taça do Mundo de BTT, 3 vitórias na Taça do Mundo de XCO