Vinte anos depois de Cadel Evans ter sido o primeiro australiano a assumir a liderança da Volta a Itália, Jai Hindley (BORA-hansgrohe) converte-se no primeiro ciclista desse país a ganhar a "Corsa Rosa". Hoje é um dia de festa na Austrália e no Equador a sensação é agridoce dado que Richard Carapaz (INEOS-Grenadiers) esteve muito perto de ganhar e no penúltimo dia, tudo correu mal, perdendo a liderança. Neste contrarrelógio final, Carapaz deu tudo o que tinha, mas a margem obtida ontem por Hindley foi suficiente para hoje levar o contrarrelógio com mais tranquilidade. Em todo o caso, Carapaz acabou o Giro em segundo lugar, o que não deixa de ser um resultado soberbo. Em terceiro ficou Mikel Landa (Bahrain-Victorious) a 3m24, mas a grande dúvida que fica no ar é: que resultado final obteria João Almeida se não tivesse abandonado a prova por Covid 19?
Matteo Sobrero (Team BikeExchange Jayco) ganhou o último contrarrelógio deste Giro, fazendo um tempo notável: 22m24. Thymen Arensman (Team DSM) e Mathieu Van der Poel (Alpecin-Fenix) foram segundo e terceiro no crono, a 23s e 40s de Sobrero. É a primeira vitória do italiano no calendário World Tour, apesar de ser o Campeão Italiano de Contrarrelógio em 2021.
Juan Pedro López (Trek-Segafredo) ganhou a classificação da juventude e na geral ficou em 10º lugar, a 18m40 de Hindley. Arnaud Démare (Groupama-FDJ) venceu a classificação dos pontos e Koen Bowman (Jumbo-Visma) é o líder da classificação da montanha.
No cômputo geral, foi um Giro de certa forma amorfo, em que as duas primeiras semanas quase não tiveram movimentações de destaque dos favoritos. Fica também marcado por várias desistências de relevo (incuindo de João Almeida) e por uma produção televisiva que peca por escassez de informação e, por vezes, por falta de imagens importantes. Numa prova deste nível e com esta importância (lembramos que o Giro foi transmitido para mais de 190 países) é preocupante.
Destacamos também aquilo que tem sido debatido nos bastidores: João Almeida era claramente um candidato ao pódio, mas esse estatuto não fez com que a UAE Emirates levasse um conjunto de ciclistas com estofo para a alta montanha que pudessem ajudar o luso. A UAE não tem propriamente carência de trepadores, mas a maioria estão sobretudo canalizados para o Tour (ajudarão Pogacar). Mesmo assim, não compreendemos porque motivo não foi acautelado um grupo de três ou quatro bons trepadores para apoiar o ciclista das Caldas da Rainha. Enquanto esteve em prova, o luso sempre deu tudo o que tinha e embora ainda tenha algumas lacunas (sobretudo altas intensidades em alta montanha e descidas rápidas e técnicas), é jovem e tem tempo para melhorar.
Por último, duas notas: a BORA-hansgrohe soube gerir este Giro com primazia. Levou um plantel de qualidade, agarrou num ciclista que andou mais de um ano em maré de azar e, atribuindo-lhe toda a confiança do mundo, conseguiu provar que, com disciplina e trabalho, essa confiança seria retribuída com uma vitória no Giro.
Quanto à INEOS, parece estar a atravessar uma fase menos positiva. Embora tenha todos os recursos e mais alguns, a diferença face às restantes equipas já não é abismal. Pior que isso, a forma quase arrogante como a equipa chegava aos locais de prova e não cumprimentava ninguém, criou anticorpos e mesmo em competição, já não se nota um domínio inequívoco da formação britânica. Há equipas que, com menos recursos, têm planteis de luxo e veremos se no Tour a formação de Brailsford não vai sair novamente de mãos a abanar.
Excelente trabalho também de Rui Costa e Rui Oliveira neste Giro. A maior parte do trabalho de ambos é invisível nas câmaras de televisão, mas implica um esforço enorme de colocação dos ciclistas. O Rui Costa chegou a ajudar o João nas fases iniciais da montanha e o Rui Oliveira inúmeras vezes esteve a apoiar Gaviria e o João Almeida quando as etapas ainda não tinham muito acumulado de subida. É um trabalho valioso que o João sempre agradeceu. Parabéns a ambos por terminarem o Giro e pelo trabalho incansável.