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Evenepoel: "Ganhar a Volta a Espanha é histórico para mim, para o meu país e para a minha equipa"

É a primeira vitória de um ciclista belga numa Grande Volta desde 1978, quando Johan de Muynck ganhou a Volta a Itália.

Agência EFE e Carlos Pinto. FOTO: JAVIER LIZÓN (EFE)

Ganhar a Volta a Espanha é histórico para mim, para o meu país e para a minha equipa
Ganhar a Volta a Espanha é histórico para mim, para o meu país e para a minha equipa

Remco Evenepoel (Quick-Step Alpha Vinyl), vencedor da Volta a Espanha 2022, já começou a assimilar a sua vitória na edição número 77 da prova. "É histórico para mim, para o meu país e para a minha equipa", assegurou. 

"Estou contente por ter sobrevivido a estas três semanas. Acho que podemos estar muito orgulhosos do que conseguimos alcançar", disse o belga antes de ouvir o hino do seu país na Praça de Cibeles. 

O seu compatriota Fredy Maertens ganhou em 1977 e foi o último belga a vencer a Volta a Espanha. Também é a primeira grande prova por etapas para a Bélgica desde a Volta a Itália de 1978, quando Johan de Muynck se sagrou vencedor. 

"Agora já consigo assimilar, já é oficial. Ontem estava com as emoções à flor da pele. Já sabia que era o vencedor, mas faltava acabar a prova são e salvo. Acho que todos estivemos muito bem. Desfrutámos o que pudemos e agora vamos aproveitar ao máximo. Não tive sequer tempo para pensar na consagração em Madrid, porque o percurso era realmente técnico e em cada curva as coisas podiam complicar-se", concluiu Evenepoel. 

A MÁ RELAÇÃO COM O "CANIBAL"

Remco Evenepoel é, aos 22 anos, o sucessor de Roglic como grande vencedor da Volta a Espanha. Por já possuir no seu palmarés uma vitória numa grande volta, é considerado em todo o mundo e de forma unânime, um dos grandes talentos junto com Tadej Pogacar e Jonas Vingegaard. Lembramos que o Remco deu provas desde tenra idade (juvenil) que poderia ser um prodígio, tendo passado diretamente para profissional. Ou seja, nunca chegou a correr em sub23. 

As suas 35 vitórias ao mais alto nível incluem triunfos na Liége-Batogne-Liége, Clássica de San Sebastián e várias provas de uma semana quando se estreou em 2020. Por isso mesmo, muitos compararam-no ao lendário "Canibal" Eddy Mercks, provavelmente o melhor ciclista da história. 

O filho de Eddy Merckx, Axel, também foi ciclista e, tal como Evenepoel, antes foi futebolista, neste caso nas camadas jovens do Anderlecht. Eddy preferia que o seu filho seguisse a vida de futebolista, mas não conseguiu lutar contra a sua vontade. Axel foi medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Atenas, venceu uma etapa na Volta a Itália e ficou no top 10 na Volta a França em 1998, mas passou toda a sua vida na sombra do seu pai. Quem não se lembra quando o Miguel Indurain numa entrevista referiu que não queria que o seu filho também seguisse a vida de ciclista profissional. Mas o caso de Patrick Evenepoel, o pai de Remco é diferente. Foi um modesto ciclista nos anos 90 e sente orgulho naquilo que o filho está a fazer. Aliás, ele chora constantemente de alegria com as vitórias do filho. 

O seu relacionamento com o mítico Eddy Merckx nunca foi salutar. O "Canibal" criticou Remco Evenepoel depois do Mundial de Flandres, acusando-o de não ter trabalhado para a seleção belga, seguindo os seus próprios interesses. Além disso, antes dos Mundiais referiu que Evenepoel nunca deveria ter passado diretamente para os escalões profissionais. E apesar de não se ter tornado público, sabemos que Evenepoel rejeitou assinar contrato com a equipa de Axel Merckx quando estava a começar a sua carreira. "Hoje em dia todos sabemos que não basta ganhar todas as corridas, é preciso cair nas boas graças do público, ser humilde e agradecer", disse Eddy Merckx em jeito de crítica a Evenepoel. Mas pouco depois suavizou sarcasticamente, dizendo que admirava "o carácter de Remco, que é um ciclista com classe e muito forte". 

Estas declarações não agradaram a Remco, aliás, nota-se que quando lhe perguntam algo acerca de Merckx, a sua face transfigura, ficando mais sério. As suas respostas oscilam entre o diplomático e o evasivo. Nota-se que prefere não falar deste assunto, nem da sua faceta futebolista. "O Eddy tem sempre algo a dizer a meu respeito, o que é uma pena. Para mim, ele é um ídolo, alguém que admiro. O meu respeito e apreço por ele é enorme, mas aparentemente não é mútuo. Está sempre a criticar-me e ainda por cima sempre antes de momentos muito importantes. Isso deixa-me triste", destacou Remco. 

O ORGULHO DA FAMÍLIA

Remco Evenepoel converteu-se há apenas quatro anos, ou seja, quando tinha 18 anos, no ciclista jovem mais surpreendente do ciclismo mundial. Nessa altura, Egan Bernal, atualmente a recuperar de um grave acidente que quase o deixou numa cadeira de rodas, praticava BTT. Com 19 anos, o belga apresentou-se ao grande público com uma vitória na Clássica de San Sebastián. Antes, tinha sido formado nas camadas jovens de clubes de futebol de primeira linha como o Anderlecht e o PSV Eindhoven. Mas temos de ter a noção de que na Bélgica os ciclistas são mais venerados do que os futebolistas, portanto a escolha de Evenepoel não teve nada de bizarro ou extraordinário.

Antes de se converter no Campeão da Europa e do Mundo nas categorias jovens, Remco foi jogador de futebol internacional pelo seu país enquanto sub-15 e sub16. Esteve em 9 jogos internacionais antes de sentir o chamamento do ciclismo. Na verdade, deixou o futebol pura e simplesmente porque uma vez deixaram-no no banco e não gostou dessa provação. Como não podia ser protagonista, mudou-se de armas e bagagens para as duas rodas. 

Quem o conhece diz que é um desportista de um nível muito superior aos restantes e que é bastante completo. Pelo meio, foi correr a meia maratona de Bruxelas e fez um tempo que, para alguém que não costuma correr com regualridade, é impressionante: 1h16. O seu pai, Patrick, chegou a participar na Volta a Espanha em 1993 e curiosamente ficou em último na geral. O seu filho, 30 anos depois, estreou-se na Vuelta e ganhou. "Há pouco tempo, estávamos a fazer um churrasco em casa, ao lado da piscina, e disse à minha namorada que seria engraçado se eu acabasse em primeiro, tendo o meu pai terminado em último". E assim foi. 

O ACIDENTE QUE QUASE O DEIXOU PARAPLÉGICO

A evolução de Remco foi gigantesca. Os dados que o seu potenciómetro apresenta desde tenra idade são surpreendentes e é um grande contrarrelogista e trepador. É muito ambicioso e não gosta de perder, nem a feijões. Ganhou o Mundial júnior tanto na disciplina de estrada como na de contrarrelógio apenas um mês depois de se ter sagrado em Glasgow Campeão da Europa absoluto de contrarrelógio. Como deu nas vistas desde cedo, Patrick Lefevere (manager da Quick Step) esteve de olho nele e ofereceu-lhe o primeiro contrato em 2019. 

Um ano depois, em 2020, estreou-se ao mais alto nível no Tour de San Juan (Argentina), coincidindo com Peter Sagan, Nairo Quintana e Julian Alaphilippe. Não defraudou as expetativas e ganhou batendo Filippo Ganna e Oscar Sevilla. Depois, ganhou na "nossa" Volta ao Algarve, na Volta a Burgos e na Volta à Polónia. Uma estreia espetacular que terminou de forma trágica. Na Lombardia, sofreu um grave acidente que quase lhe custou a própria vida.

Caiu de uma ponte, sofreu inúmeras fraturas e, segundo os médicos, por muito pouco não ficou paraplégico. "Quando cheguei ao hospital depois da minha queda, um TAC revelou que tinha uma veia rebentada na virilha. Felizmente os médicos viram a tempo, caso contrário poderia esvair-me em sangue. Depois disseram-me que a minha fratura na anca estava um milímetro ao lado de um nervo e que poderia passar toda a minha vida numa cadeira de rodas", explicou o ciclista. A sua mãe e a namorada estavam ao seu lado quando lhe foi dado o diagnóstico. "Ficaram pálidas quando souberam"

EVENEPOEL, POGACAR E VINGEGAARD: O TRIO DO FUTURO  

Com esta vitória na Volta a Espanha, Evenepoel retirou dos seus ombros um enorme peso e uma dúvida que todos tinham quando a prova começou em Utrecht no dia 19 de Agosto. Na altura, todos questionavam se ele tinha capacidade para lutar pela vitória durante três semanas duras e intensas, ou se só seria capaz de o fazer em clássicas ou provas de uma semana. O seu palmarés, com 35 vitórias, não deixava dúvidas, mas aqueles que duvidavam ficaram com a resposta este fim de semana. Em 2021, Evenepoel participou na Volta a Itália como uma espécie de experiência piloto e abandonou na etapa 18 quando já estava afundado na classificação geral. Mas agora, totalmente recuperado das lesões sofridas e com uma preparação decente, mas não perfeita devido a alguns percalços (como fez questão de salientar), ganhou categoricamente. 

Nas suas declarações sempre se mostrou confiante, tranquilo e sem receio de ninguém. Nem de Roglic, quando este ainda estava em prova. E agora, qual vai ser o futuro? Competitivo como é, quer mais, muito mais. Não demonstra ter pressa em participar na Volta a França, mas sabe que é uma questão de tempo até os patrocinadores da equipa exigirem a sua presença na prova mais importante do mundo. Lá, coincidirá com Pogacar e Vingegaard, bem como, esperamos nós, com um Bernal totalmente recuperado. Será certamente uma batalha épica que ninguém quererá perder...

Até lá terá de resolver algo que transparece para o público... uma certa arrogância. O episódio mais conhecido aconteceu numa das últimas etapas desta Volta a Espanha quando uma criança pediu que Remco autografasse a sua jersey, mas o belga recusou. Quem anda no meio prontamente justificou a atitude do ciclista com o stress e o acumular de tensões provocadas por uma Volta a Espanha desgastante e em que as comunicações com os carros de apoio por vezes foram débeis, mas não é a primeira vez - vimos também isto na Volta ao Algarve - que Remco não se sabe comportar em público.

Ser uma personalidade conhecida, um exemplo a seguir, acarreta responsabilidades e o seu comportamento é sempre escrutinado. Como é jovem, tem tempo para crescer e amadurecer, mas também vimos o outro lado da moeda, ou seja, o ciclista amigo, humano, que chorou após cortar a linha de meta em Madrid e que fez questão de agradecer a todos os seus colegas pelo trabalho realizado ao longo dos 21 dias. A pressão na alta competição é abismal e por isso mesmo a importância dos psicólogos dentro das equipas de topo é cada vez mais vital. 

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