- Quais são as tuas expetativas relativamente a este ano?
- Vamos ter a sorte de assistir a mais uma temporada que pode ser incrível. Os grandes ciclistas vão estar em todas as frentes: Pogacar, Remco, Vingegaard... Vai estar mais repartido, dado que Roglic foi para a BORA e isso pode significar uma alteração na condução das corridas. Agora já não há anos seguidos sem vermos chegar um grande ciclista. É um desporto em evolução contínua. Antigamente tínhamos de esperar cinco anos para ver um grande ciclista a aparecer e agora não. Isto é excelente. Vai ser uma temporada incrível.
- Qual vai ser o papel da Movistar?
- Continuamos a acreditar e a confiar no Enric. A chegada do Nairo depois de um ano tão difícil obriga-nos a ser prudentes. Já tem 34 anos, mas continua cheio de ambição. É incrível ver alguém como ele, com uma experiência tremenda de 12 anos, ainda ter esta força de vontade. Queremos preparar um calendário para ele, que começa aqui na Colômbia, depois segue-se O Gran Camiño, Catalunha e País Basco, com o objetivo de chegar bem ao Giro e depois à Vuelta. Pelo meio, vamos vendo os mais novos a evoluir, com o objetivo de ver que lugar ocupam na equipa.
- O Nairo está muito motivado. A sua performance está em consonãncia com essa motivação?
- Por enquanto já é bom que passado todo este tempo ele seja capaz de fazer este trabalho com o nível de exigência que esta modalidade tem, e os riscos que tem de correr. Depois do que aconteceu, continua motivado e continua a ser um lutador. Nos quatro anos em que esteve ausente da equipa ficou mais maduro e está com muita vontade de transmitir aos jovens toda a sua experiência. Acho que tem vontade de continuar a ser feliz no mundo do ciclismo.
- Como decorreram as negociações?
- Em Andorra, durante a Volta a Espanha, disse-me que estava a ter dificuldades em regressar ao mundo do ciclismo. Analisámos tudo o que aconteceu, percebi que, à margem dos erros que cometeu, nem o seu historial nem aquilo que ele trouxe a esta modalidade eram merecedores do castigo que lhe impuseram. Deu-nos muito, nós ajudámo-lo numa primeira fase, nos primeiros nove anos em que esteve connosco, e ele também nos ajudou. Sentíamo-nos na obrigação ao ver a sua motivação. Chegou o momento de corresponder, face a tudo aquilo que conseguimos em conjunto. Ele está super motivado. Nós conhecemo-lo e ele conhece-nos. Sente-se em família. Estamos esperançados nesta temporada.
- O que é que pediste ao Enric nesta temporada?
- É óbvio que há cinco ou seis ciclistas que marcam as corridas e o Enric é o que está mais perto deles.
- Exigiste algum lugar específico no Tour?
- Que ganhe (risos). Não podemos deixar de o levar ao Tour como chefe de fila, mas gostaria que mais tarde ou mais cedo fosse ao Giro porque acho que vai apreciar. Quanto ao Tour, estar entre os cinco primeiros é algo realista. Gostava de poder dizer que o pódio seria o ideal, mas com os ciclistas que já estão confirmados...
- Há rumores de uma espécie de Superliga, a One Cycling, impulsionada por Richard Plugge, com o objetivo de fazer algumas alterações no mundo do ciclismo profissional.
- Esta é a modalidade mais estática que existe na atualidade. Todas as outras estão a evoluir e nós continuamos a fazer as coisas tal como fazíamos há 40 anos. Muito pouco mudou em termos de regulamentos e temos de nos adaptarmos aos tempos modernos. Faltam muitas coisas. Temos de humanizar a regulamentação e deixarmos de ser tão frios. Por exemplo, quando alguém sofre uma queda e tem de terminar a etapa para poder continuar no dia seguinte sofrendo horrores até chegar à linha de meta. Isto não faz sentido. E se um ciclista cai, mas não partiu nada, mas se tiver de ir ao hospital de ambulância, sem poder terminar a etapa, deveria poder continuar no dia seguinte. Mas há mais coisas... Por que motivo não podemos ter ciclistas que possam substituir esses? Tenho 8 ciclistas em prova e 22 em casa. Se um cai, não o podes substituir? Falo sobretudo da primeira semana. A curto prazo há consenso e pode ser que aconteça. Todos temos a noção de que o ciclismo é um desporto épico, mas assumimos coisas que não podem acontecer. Os próprios ciclistas e equipas são os mais interessados. Não quero que ninguém saia beneficiado, mas quero que quem teve azar possa continuar no dia seguinte.
- Dá um exemplo de coisas que continuamos a fazer como há 40 anos.
- Por exemplo as Grandes Voltas. Se as fizessem só com quinze dias acho que os grandes ciclistas estariam nas três, porque teriam tempo de recuperar melhor.
- O Alejandro Valverde também está aqui na Colômbia e continua a treinar com os demais. Será que quer voltar a competir (risos)?
- Ele queria continuar a correr até Outubro. Estava super empenhado em continuar a competir, mas percebeu que tinha de parar, apesar de, pela qualidade que tem, poder seguir mais quatro ou cinco anos. Vejo-o a treinar com os outros e continua com um nível impressionante. Mas aos quarenta e tal anos não pode estar exposto aos riscos que corre no pelotão, que cada vez é mais kamikaze. Os mais jovens chegam famintos de vitórias e não sabem o que é o medo. Além disso, o nível médio não para de subir. Convidei-o e fiz questão que ele experimentasse uma vida fora do ciclismo. Quero ajudá-lo a criar rotinas na sua vida e ao estar perto da equipa, essa transformação não será tão difícil, estando num ambiente que conhece. É difícil para alguém que esteve 35 anos dedicado ao ciclismo abandonar do dia para a noite. Geralmente só nos preocupamos com os ciclistas quando estão em cima da bicicleta, mas o drama para muitos começa quando acabam a sua carreira e têm de enfrentar a vida.