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Caixas de velocidades: a outra opção para o BTT

Nem todas as transmissões de bicicletas de todo o terreno têm desviadores ou carretos como os conhecemos. Existe outra realidade, as caixas de transmissão, uma invenção pouco explorada no ciclismo e que ainda hoje pode revolucionar o segmento das transmissões.

Héctor Ruiz

Caixas de velocidades: a outra opção para o BTT
Caixas de velocidades: a outra opção para o BTT

A ideia de introduzir o sistema de desmultiplicação das mudanças dentro do quadro da bicicleta, tal como numa moto ou num automóvel, sempe esteve presente na mente dos engenheiros ligados a esta indústria, apesar de terem sido poucas as marcas que se atreveram até à atualidade. 

A elevada complexidade e custo, o peso elevado, a necessidade de quadros específicos para cada marca ou a sombra dos grandes fabricantes de transmissões que apostaram nesta tecnologia, são alguns dos fatores que motivaram a pouca popularidade destes sistemas. Estes são alguns dos mais conhecidos:

Mudanças integradas no cubo
Não são propriamente caixas de velocidades, mas têm algumas semelhanças, apesar da principal diferença ser a sua localização, dentro do cubo traseiro. 

Ao contrário das caixas de velocidades, chegaram a ser bastante populares, especialmente nas bicicletas urbanas, onde são usadas há várias décadas. 

A Shimano e o seu modelo Nexus é o conjunto mais utilizado do mercado. Basta viajar a países como a Holanda para ver que a grande maioria das bicicletas confiam neste sistema. No BTT a Shimano tem o grupo Alfine, focado num uso mais recreativo, apesar de o mais famoso ser o Speedhub da marca alemã Rolhof, creado em 1998. Conta com 14 velocidades e a sua manutenção é reduzida a apenas uma mudança de óleo a cada 5.000 km

 

Truvativ Hammerschmidt
Este sistema não tem nada a ver com uma caixa de velocidades, mas imita o funcionamento de um desviador, ou seja, faz com que a corrente se mova como se tivesse um desviador a movimentar a corrente, no qual se baseiam as transmissões convencionais. 

Basicamente integra um sistema de alteração das mudanças dentro do próprio prato, através de umas engrenagens específicas que desmultiplicam a rotação do prato em relação ao cranque, simulando uma cremalheira pequena. 

A sua vantagem face a uma pedaleira com duas cremalheiras é que foi determinante no caso das bicicletas de suspensão total, já que permitiu ter um único encaminhamento da corrente e desenhar a cinemática em torno dele, pelo que era frequente encontrá-lo em bicicletas de Enduro ou Freeride. O seu peso acrescido, o ruído e as fricções fizeram-no perder popularidade com a mesma velocidade com que a ganhou. Ainda hoje podemos encontrá-lo no site da Truvativ (SRAM). Existem rumores de que o seu conceito foi a semente que levou ao desenvolvimento das transmissões monoprato.  

Bionicon B-Boxx
Lançado na mesma época do Truvativ, em 2008, não chegou a ter a mesma popularidade do seu rival norteamericano. 




A sua principal diferença relativamente ao Hammerschmidt é que usava um mecanismo de mudança interna magnética em vez de um sistema por cabo. Nunca chegámos a vê-lo fisicamente. 

Honda NR01
O protótipo de caixa de transmissão mais famoso da história do BTT e um ícono do DH na década de 2000 e que chegámos a ver ao vivo no Lisboa Downtown e nos estágios que a equipa Honda fez em Portugal. 

 

Debaixo de muito secretismo, utilizando tecnologia do futuro e segredos do mundo automóvel, a bicicleta da equipa Honda G Cross aterrou na Taça do Mundo entre os anos 2004 e 2007 pelas mãos do simpático Greg Minnaar, com quem tivemos a oportunidade de conversar várias vezes no nosso país (aliás, ele ficou fã de Portugal). Na equipa estavam também Brendan Fairclought e Matti Lehikoinen, duas jovens promessas na altura. O seu quadro, muito parecido com um chassis de mota com a caixa de velocidades assente sobre uma cunha dupla, um amortecedor Showa e um link herdado da Honda usada no Moto GP nessa época (RC 211V) converteram-na em pouco tempo na bicicleta que todos tínhamos como poster no nosso quarto ou garagem. 

Vários pódios nos Campeonatos do Mundo, inúmeras provas na Taça do Mundo e duas classificações gerais foram o avale desta bicicleta para ficar na história como uma das melhores de todos os tempos, apesar dos altos custos de produção que vieram fazer com que a sua construção em série se tornasse impossível. Pelo menos foi o que a marca declarou. 

Apesar de esta bicicleta ter revolucionado notavelmente o conceito na altura vigente, teve uma vida curta, chegando mesmo a ter uma versão em fibra de carbono na zona da caixa de velocidades. Além disso, para surpresa geral, possuía um desviador traseiro e uma cassete de 7 carretos enclausurada dentro da caixa, ou seja, era praticamente uma transmissão tradicional. O projeto da marca nipónica foi abandonado em 2007, mas ainda hoje é relembrado como uma referência. 

Nuseti IDS
Após a saída da Honda, as transmissões com caixa de velocidades ficaram sepultadas e pouco mais se soube, apesar de este pequeno fabricante polaco liderado por Gregory Zielinsky (ex-corredor Campeão de DH na Polónia) ter retomado esta ideia produzindo a sua própria versão, que viu a luz do dia em 2014. 

 

Com um quadro de carbono desenhado exclusivamente para o seu sistema IDS (Inner Drive System), contava com uma transmissão de 16 velocidades e com a vantagem de poder comutar as mudanças parado. 

 

Oferecia uma relação de andamentos muito ampla, com um avanço de 0,66 (quase equivalente a um prato de 32 dentes com um carreto de 50) até 3,77 (equivalente a um prato de 42 dentes e um carreto de 11). O projeto procurou financiamento através do Kickstarter, no entanto esta ideia arriscada não conseguiu obter verbas suficentes para chegar à fase de produção final e hoje em dia (aparentemente) a marca abandonou a sua atividade. 

Pinion
Esta marca alemã criada por ex-engenheiros da Porsche encarregados de desenhar caixas de velocidades, é a marca por excelência na atualidade. 

Nos últimos anos as caixas de velocidades generalizaram-se entre vários fabricantes de pequena dimensão, mas também em algumas marcas grandes, como a Ghost, que conta com vários modelos de suspensão total que a equipam de série. No total, são 90 as marcas que incluem este sistema, entre as quais incluem-se a Stevens, a Rose, a Nicolai, a Axxis, entre outras. 

 

Oferece distintos tipos de caixas de velocidades para BTT (até 4 tipos) e para uso urbano, com transmissão com corrente ou correia, todos herméticos e com combinações de 9, 12 e 18 velocidades e pesos que vão dos 2.200g aos 2.700g. Só é necessária uma mudança do óleo (cerca de 60 ml) cada 10.000 km ou uma vez por ano, além de ter uma vida útil de 60.000 km

Suntour  V-Boxx FR9
Muito pouco conhecido, o sistema da Suntour já é comercializado há quase uma década.

 

Este sistema está mais focado para Downhill pelas suas dimensões e peso (as primeiras versões pesavam 4,5 kg). Conta com uma relação de 9 velocidades e um rácio que vai de 0,63 a 3,84. A Ghost, Bergamont e a Diamond Back são algumas das poucas marcas conhecidas onde já vimos este sistema montado. 

 


Linhas Futuras
Excetuando a Pinion, poucas marcas seguem a linha de desenvolvimento de caixas de velocidades, embora a entrada das bicicletas elétricas possa ser decisiva para a sua futura implementação. 




A marca Continental já se está a mexer neste aspeto através do seu motor Revolution, que inclui um mecanismo de desmultiplicação contínuo (ou seja, sem saltos, como ocorre em todas as transmissões) e automático graças a uma engrenagem específica, integrada junto ao motor no pedaleiro. Será que veremos esta tecnologia dar o salto e chegar ao BTT? Por enquanto está muito conetada ao ciclismo urbano, mas o enorme potencial do e-MTB não deixa lugar a dúvidas de que brevemente veremos versões específicas e aí, quem sabe, possa reavivar a chama do mundo das caixas de velocidades nas bicicletas, quer sejam elétricas ou não.