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Afinal, devemos ou não pedalar? A visão dos médicos e polícias

Perguntámos a um médico e a um polícia, ambos praticantes de BTT e ciclismo, se devemos ou não pedalar nesta fase de mitigação da pandemia.

Afinal, devemos ou não pedalar? A visão dos médicos e polícias
Afinal, devemos ou não pedalar? A visão dos médicos e polícias

Já publicámos aqui um artigo de opinião acerca deste tema, contudo quisemos agora ouvir a versão tanto de um médico (neste caso de uma médica), como de um agente das forças policiais. Ambos pediram anonimato, o que é perfeitamente compreensível. Mas salientamos que ambos são praticantes de BTT e de ciclismo (entre outros desportos). O "Pedro", chamemos-lhe assim, é agente da PSP há alguns anos e apesar de já ser ter deparado com alguns cenários complicados, confessa que nunca passou por algo como esta pandemia. "O mais impressionante é o facto de ter de ir trabalhar, deixando a minha mulher e as duas filhas em casa, e quando saio para a rua vejo pessoas a passear, a conversar, como se tudo estivesse normal. Isto é surreal! As pessoas não têm a mínima noção do que se está a passar, pois só acordam quando lhes toca a elas, ou seja, quando algum familiar adoecer." Perguntámos-lhe, como agente da autoridade e como praticante de ciclismo e de BTT, qual é a sua visão da situação atual. "Uma parte da população tem noção da gravidade da situação que estamos a viver e pensam nos outros. Mas ainda há cidadãos que só pensam no próprio umbigo e no seu bem estar. Continuam a fazer exatamante as mesmas rotinas, como se nada se passasse, criticando até o "excesso de zelo" dos que se protegem. Os mais velhos têm dificuldade em acatar as ordens e alguns deles expoem-se desnecessariamente. São grupos de risco, mas não se comportam como tal."

Perguntámos, obviamente, qual acha que deve ser a nossa atitude, enquanto ciclistas, nesta fase. "O que diz a norma atual, e saliento atual pois pode ser alterada a qualquer momento, é que as pessoas podem sair para atividades físicas de curta duração, mas nunca em grupo. O problema é que como há mais pessoas sem trabalho nesta fase, há o dobro a querer sair para sua volta de bicicleta, passeio ou corrida a pé, aumentando o risco de contágio. Há zonas onde antigamente estavam 20 ou 30 pessoas a correr e agora esse número duplicou ou triplicou. E agora pergunto eu: essas pessoas têm a noção de que nós, agentes de segurança e os profissionais de saúde estamos a correr um elevado risco para manter esta pandemia controlada e que pelo simples facto de estarem na via pública, tal como dezenas de outras pessoas, não estão a dar um bom exemplo, quando o que todos deveríamos fazer é estarmos confinados em casa? Eu queria estar em casa com a minha esposa e com as minhas filhas, resguardado, mas estou na rua e vejo este cenário. Não me preocupo por mim, mas sim pelas minhas filhas e pelos meus pais e sogros. Além de que já temos colegas doentes, alguns deles possivelmente infetados por terem estado em contato com essas pessoas que estão na rua. É uma falta de altruísmo brutal (...) E ressalvo que sou desportista também, nas minhas horas vagas. Este não é o momento de pensarmos em nós, mas sim no bem coletivo."

Por seu lado, "Filipa", nome fictício, é médica de clínica geral e, tal como todos os profissionais de saúde no ativo, foi chamada para ajudar nesta fase de pandemia. "A bicicleta é o meu escape. Só descobri o ciclismo há alguns anos, mas adorei." Perguntámos qual era a sua visão da situação atual. "Como era expectável, os números estão a crescer diariamente, mas temos profissionais altamente qualificados e tudo faremos para ajudar quem precisa de nós. (...) Estamos ainda na fase ascendente, o que implicará o aumento do número de infetados e de óbitos, e à medida que as semanas forem passando, também aumentará o número de recuperados. Mas temos de ter a noção de que esta pandemia não terminará amanhã. O que estamos a tentar fazer é achatar a curva de progressão da pandemia, o que pode, por um lado, alargar no tempo a curva epidemeológica, e por outro, evitar um pico demasiado elevado que estrangule por completo o SNS. Mas isto, saliento, não depende de nós, médicos. Depende de todos, da população em geral, ou melhor, do seu comportamento."

Tendo em conta o que se sabe atualmente à luza da ciência, tentámos perceber se devemos ou não andar de bicicleta nesta altura. "Nós entrámos na fase de mitigação, em que já há contaminação social, ou seja, em que já não é possível verificar na totalidade os links de contágio. Como profissional de saúde tenho de ser bastante direta: fiquem em casa. Este vírus não tem nada a ver com uma simples gripe e nos hospitais temos pessoas internadas com Covid 19 de todas as idades, incluindo pessoas sem qualquer outra patologia conhecida, desportistas e não desportistas. Sabemos também que, apesar de o vírus não se propagar pelo ar, existe um método de contágio através do spray em que as partículas mais leves ficam suspensas no ar. Suponhamos que alguém vai andar de bicicleta, passa por uma rua onde alguém espirou ou tossiu alguns segundos antes. É uma potencial fonte de contágio. Ou que, por exemplo, vamos a passar de bicicleta numa rua com prédios em que alguém numa varanda tossiu ou espirrou. Essas gotículas, e é disso que se trata, de algo tão pequeno como pequenas gotículas, podem entrar no aparelho respiratório de alguém que vai a passar de bicicleta, ou a correr, ou mesmo a andar. A hipótese é remota, mas pode acontecer."

A lei atual ainda permite as chamadas "saídas higiénicas", como foi salientado pelo Primeiro Ministro António Costa. Quisémos saber a opinião da médica. "Percebo a pergunta, mas acima de tudo deve estar o senso comum. Numa altura destas, em que vivemos a pior crise sanitára da nossa geração à escala global, a bicicleta não é claramente a prioridade. Ainda não atingimos o pico e a situação vai agravar-se. Há quem queira correr riscos? Com que necessidade? Não digo para ficarem parados, pois por uma questão de saúde física e mental, é necessário estarmos ativos, mas há tantas formas de o fazermos em casa. Não faltam sugestões na internet... Na pior das hipóteses, e até para desenjoar, podem eventualmente uma ou duas vezes por semana darem uma pequena volta nas imediações, mas sempre com cuidado, respeitando as regras de segurança e higienização."

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