Mal surgiram as primeiras imagens da SL8, a internet encheu-se de comentários e especulações acerca da mais recente geração da Tarmac. Tendo a difícil tarefa de substituir (e, por conseguinte, de aperfeiçoar) a SL7, todas as atenções estavam centradas nela e nessa inevitável comparação. Portanto a Tarmac SL8 nasce com acrescida responsabilidade e protagonismo e é sobre isso que se tem falado bastante e que vamos também aqui abordar.
E se em termos técnicos já estamos todos rodeados de informação, a verdade é que as sensações de condução são sempre um misto de experiência pessoal e condições de utilização e por isso iremos aqui usar uma abordagem um pouco diferente.
Conforme já mencionámos, não faltam comparações entre as duas últimas gerações da Tarmac. Elas existem e também vamos falar nelas. No entanto, nem todos os potenciais futuros proprietários da Tarmac SL8 são necessariamente atuais utilizadores da SL7. E restringir um teste a uma comparação entre gerações é redutor. Por isso, vamos hoje olhar para a SL8 pelo prisma de quem poderá estar pela primeira vez a pensar entrar no mundo Tarmac. Esse alguém pode ser um ciclista experiente a transitar de marca, alguém à procura daquela vantagem extra em relação à bike que tem neste momento, e até o ciclista que está em início de “carreira”, que terá começado por uma máquina mais modesta ou até de um segmento diferente (endurance/granfondo) e está a dar o próximo passo “evolutivo”.
20 anos de evolução
A Tarmac vai na oitava geração e leva já mais de duas décadas no ativo. Ao longo deste tempo, foi sofrendo melhorias em vários pirsmas, com a transição maior a ocorrer aquando da introdução dos travões de disco. E se por um lado é um desafio interessante para os técnicos da marca, por outro é uma grande responsabilidade pegar numa plataforma altamente aperfeiçoada e conseguir melhoramentos significativos.
Quando olhamos para a SL8 e a colocamos ao lado da SL7, à primeira vista são muito idênticas. Depois, começamos a olhar mais em detalhe e as diferenças começam a ser visíveis. Afinal de contas, seria estranho se a SL8 fosse muito diferente de um modelo que, segundo muitos, já roça a perfeição. Aliás, é perfeitamente aceitável que muitos possam coçar a cabeça e pensar no que é que se poderá fazer à SL7 para a tornar melhor. Apesar de podermos pensar que já não há nada a fazer, a verdade é que há. E por uma razão: a Tarmac sempre foi sendo aperfeiçoada como a derradeira bicicleta de competição, leve, rígida, de condução exímia e trepadora. Mas quem diz que a isto não se podem adicionar atributos que normalmente estão reservados para outras categorias de bicicletas de estrada? Porque é que não se pode melhorar o aspeto aerodinâmico, normalmente um atributo essencial em bicicletas aerodinâmicas? E será que se consegue aumentar um pouco o conforto, típico de bicicletas de endurance, sem perder as características que são fundamentais numa Tarmac? E que tal, no meio disto tudo, conseguir aligeirar um pouco o quadro para voltar àquelas cifras (leia-se kg) do tempo em que não haviam travões de disco?
Ora foi precisamente nessa direção que a marca de Morgan Hill seguiu para criar a SL8.
Capítulo 1: aerodinâmica
Nascida no túnel de vento e aperfeiçoada em condições reais, dois aspetos revelaram-se cruciais para que se consigam os resultados pretendidos: a testa Speed Sniffer e o guiador Rapide. A testa tem muito que se lhe diga. Aliás, já muito se falou dela e nem sempre os comentários foram simpáticos, comparando este desenho com animais ou outros objetos estranhos. Mas de onde vem este “bico”? Ora a testa de uma bicicleta é uma das maiores e primeiras superfícies a receber o impacto da deslocação de ar. Para conseguir uma maior penetração aerodinâmica, não bastava estreitar a testa, como aliás já se vem vindo a fazer há alguns anos. Este formato bicudo, e esguio, evita pequenas turbulências que criam resistência. Na prática, isto custou um aumento de 26g em relação à SL7 nesta zona mas também a torna, em conjunto com o guiador, mais rápida 16,6 segundos em 40 km. E esta é uma das frases mais comentadas quando se fala da SL8 e é também uma das garantias da marca, tendo este resultado sido obtido em testes com variadas circunstâncias que no fundo se traduzem nas condições em que rodamos.
Outra zona onde também se podia melhorar a penetração aerodinâmica é o cockpit. A placa frontal do avanço e o próprio guiador oferecem sempre alguma resistência. O novo Rapide resolve o problema com a integração dos dois componentes num só e também com um desenho mais esguio do guiador, ao mesmo tempo que poupa 50g em relação ao conjunto usado na SL7. E será que para ser mais rápida basta ser mais aero que a própria Venge? Não. A velocidade é uma combinação de outros fatores e um deles é o peso!
Capítulo 2: conquistar a balança
Uma das alterações visíveis no design da SL8 é a traseira, nomeadamente o conjunto formado pelas escoras superiores, tubo de selim e o próprio espigão. E se parece estarmos a falar de algo que se prende sobretudo com a aerodinâmica, a verdade é que o maior resultado deste novo desenho é a poupança de peso: 15% em relação à SL7 para ser mais preciso. Em testes e simulações, a marca percebeu que o espigão, as escoras superiores e o tubo do selim não precisam de ser tão espalmados para obter bons resultados. Reduzindo o seu tamanho, consegue-se uma poupança de peso sem que haja penalização aerodinâmica. Basta pensar que estes elementos se situam já na metade traseira da bicicleta e representam uma área mínima de influência aerodinâmica quando comparadas com o próprio ciclista, cujas pernas criam uma enorme turbulência que torna irrisório o papel desses mesmos elementos da bicicleta no cômputo geral da aerodinâmica.
Isto tudo para dizer que aqui se ganharam gramas importantes, usando soluções que foram estreadas na super leve Aethos. E ao mesmo tempo melhorou-se o conforto, que é o outro elemento responsável pela performance e que veremos de seguida.
Mas só para terminar o capítulo do peso, e não com menor importância, a história das camadas e das fibras. A Aethos abriu caminho para a otimização do uso e combinação de camadas de carbono. Mas para alcançar a rigidez pretendida com a Tarmac que tem um desenho diferente, especialmente no que respeita às escoras superiores rebaixadas, a marca teve de se aplicar a fundo e precisou de mais de 50 diferentes simulações para conseguir obter a combinação perfeita de leveza, aerodinâmica e rigidez estrutural nas zonas em que é essencial, não desperdiçando nenhuma oportunidade para retirar material que não faz falta. O resultado: um quadro mais rígido e mais aero, apenas 100g mais pesado que o Aethos. Com 685 gramas (tam. 56), detém o título do quadro de produção mais leve do mercado nesta categoria. Já agora e por curiosidade, deixamos os pesos dos restantes tamanhos de quadro, a começar pela S-Works com carbono Fact 12: 44cm-640g, 49cm-645g, 52cm-660g, 54cm-670g, 56cm-685g, 58cm-705g, 61cm-725g. Nas versões Fact 10: 44cm-720g, 49cm-740g, 52cm-760g, 54cm-765g, 56cm-780g, 58cm-825g, 61cm-855g. Quanto às forquetas, a 12R pesa 358g e a 10R 371g, ambas pesadas com 240mm de tubo.
Resta referir que a poupança de peso obtida não se restringe ao carbono apenas. O hardware foi aligeirado, desde o dropout aos eixos das rodas e sistema de aperto do espigão.
Capitulo 3: aumentar para conquistar
Se a SL8 representa acima de tudo reduções (do peso e da resistência aerodinâmica), aqui acontece o inverso. E ainda bem! Falamos do conforto e da rigidez. A Tarmac não era propriamente uma bicicleta pensada para um vasto leque de utilizadores e para um uso mais confortável. Com as introduções que mencionámos acima, a fasquia já não está tão alta e assim abre-se a porta a um perfil mais amplo de utilizadores que não iria saber lidar bem com a rigidez traseira da SL7. E como abordaremos mais à frente, nas sensações de condução, a SL8 está longe de ser uma bicicleta para granfondos.
Ainda falando de aumentos, passemos agora à rigidez. Se o conforto foi aumentando através de uma redução de 6% na rigidez vertical, já o desempenho desportivo foi também melhorado através de alterações na zona do pedaleiro e da testa/frente do quadro, resultando numa relação peso/rigidez 33% maior.
Uma máquina diferente?
Face às diferenças técnicas serão as sensações de condução assim tão diferentes? Também neste aspeto há muitas opiniões e comparações. Os que estão muito familiarizados com a SL7 poderão até tecer comparações diretas. Mas para a maioria de nós e sobretudo para quem está prestes a entrar no mundo Tarmac, as sensações serão sempre distintas e as eventuais comparações com a SL7 acabam por passar para segundo plano.
Com as alterações introduzidas é notório que o resultado são duas bicicletas diferentes. Mas serão assim tão distintas? E onde é que as diferenças são mais notórias? No conforto? Na velocidade? Nos arranques? Todas estas questões são pertinentes e os resultados estão comprovados em laboratório. E se a componente aerodinâmica poderá ser um pouco mais subjectiva e difícil de validar no terreno (pelas inúmeras variáveis que não controlamos), já a cura de emagrecimento e de “suavização” pode ser mais visível.
E como já referi, deixamos a componente aerodinâmica para aqueles capazes de manter médias superiores a 40km/h em longas distâncias e que assim beneficiam da mesma. Vamo-nos centrar nos aspetos que poderão ter mais interesse para aquele perfil de ciclistas que falei no início.
3, 2, 1, lift off
As últimas bicicletas que testei e a minha própria fiel companheira não eram tão abonadas em termos de componentes nem tinham o quadro mais leve da categoria. Daí que as primeiras impressões a bordo desta SL8 foram sobretudo no campo da aceleração. Nem as rodas CLXII a pesar quase 1600g esmorecem a capacidade de arranque desta SL8. Esta é sem dúvida uma das características que mais me marcou na nova Tarmac. A aceleração é qualquer coisa de impressionante. O (baixo) peso é sem dúvida um dos “culpados”, mas a rigidez do quadro, sobretudo ao nível do pedaleiro e direção, fazem com que os 1300w que por vezes saem das pernas (num dia bom claro) sejam imediatamente traduzidos num avançar de metros sem hesitações ou flexões.
Esta rigidez é também sentida ao nível da estabilidade a altas velocidades, travagens fortes e em curva. A SL8 é uma bicicleta muito precisa, curva com muita estabilidade e facilidade. E em caso de correções de trajetória não se sentem flexões indesejadas que normalmente nos fazem perder a linha perfeita na curva. A posição de condução, mesmo com espaçadores por baixo do avanço, é tendencialmente agressiva, para tirar partido da direção e agilidade do conjunto.
Quanto ao conforto, apesar de ter sido melhorado, continua a estar num plano distante de uma bicicleta de endurance. Não é notório quando o piso é bom, mas em situações de empedrado ou piso degradado, quase todo o input da estrada é passado sobretudo ao selim, mas também ao resto da bicicleta.
É óbvio que se te apaixonares por esta Tarmac mas preferires um pouco mais de conforto, não és obrigado a escolher outro modelo. A SL8 permite montar pneus até 32mm. Nós testámos com os de origem de 26mm. Com um 28 e, no principalmente, um 30, o conforto aumenta substancialmente e ainda podes trocar o selim por um mais confortável e assim tens o melhor de dois mundos.
E já que falámos de controlo e estabilidade, é inevitável falar do novo cockpit Rapide. Ele é, além de responsável pela redução de peso (50g), responsável pela redução de atrito aerodinâmico. Claro que nestes casos de integração, as opções de medidas são muitas vezes limitadas. No entanto, a Specialized conta com 15 combinações de larguras de guiador e comprimentos de avanço. Em casos limite, não abrange tudo. A marca diz que as combinações baseiam-se na base de dados dos bike fits. Mas quem quiser por exemplo um guiador de 44cm, só tem opções de avanço de 110 ou 125mm de comprimento. Nós testámos o tamanho 56 com combinação 420x100mm. E nesta medida, a rigidez é bastante boa. Mesmo a sprintar de pé, não se sente qualquer flexão digna de registo. Apenas um pequeno amortecimento vertical que as mãos agradecem (em pisos piores) e que em nada afetam a confiança na condução.
Não podemos concluir este teste sem falar das espetaculares rodas Roval Rapide CLXII. Não são as mais leves do catálogo nem do mercado. Mas a escolha é óbvia: a Tarmac pede velocidade e as Rapide têm de sobra. Os cubos ostentam falanges elevadas com desenho aerodinâmico que escondem a cabeça dos raios e recorrem a rolamentos cerâmicos. Os aros de 21mm internos são agora compatíveis com tubeless. Quanto à largura externa, na frente temos uns impressionantes 36mm, que fazem com o que aro seja mais largo que o pneu, enquanto atrás têm apenas 30mm, tendo sido optimizados para pneu 26mm (que montados nestas rodas têm 27mm reais).
A aerodinâmica é um dos principais critérios de performance desta roda que foi desenhada em túnel de vento. E daí este aspeto fora do comum. Na sua construção, esta segunda geração das CLX alterou também o posicionamento das camadas de carbono para reforçar os flancos e ao mesmo tempo conseguiu poupar peso. Ao todo, no par, a redução foi de 100g (parte desta redução vem dos cubos).
E enquanto algumas marcas já transitaram para o sistema hookless, a Specialized mantém-se com os aros tradicionais. Em termos dinâmicos, estas rodas com 51mm de perfil na frente e 60mm atrás, comportam-se praticamente como umas de 40mm, o que anula logo uma das desvantagens deste perfil. Conferem uma estabilidade e neutralidade face a ventos laterais e cruzados que muito poucas rodas oferecem, às vezes até com menos perfil. E graças ao seu peso considerado bastante leve para rodas de 60/50mm, as acelerações estão ao nível do que o quadro fornece. Podemos obviamente poupar 300g montando um par de rodas ultraleves. Mas será um preciosismo com um custo elevado…
Tela em branco
Apesar de estarmos perante uma montagem que oferece do melhor que há em desempenho, isto não significa que não se possa melhorar esta SL8 no que respeita ao peso. A S-Works pode ser uma tela em branco para compor uma obra de arte não só visual como a nível de leveza de componentes. Nesta versão Red AXS, com rodas Rapide CLX II, podemos já tirar entre 100 a 400g (consoante o investimento) colocando um par de menor perfil (40mm). Também existem selins e câmaras de ar mais leves.
Mas sobretudo para quem gosta de projetos, terá aqui seguramente das melhores opções no mercado para montagens super leves e exóticas. Se o orçamento não for impedimento, não será impossível fazer a balança descer dos 6kg. A versão que testámos, em tamanho 56, acusou 6.82 kg com suporte GPS (sem pedais nem grades).
A SL8 é para mim?
Num mercado cheio de opções, torna-se por vezes complicado escolher a bicicleta mais indicada para o nosso gosto e necessidades. E em especial a este nível, de performance e preço, é preciso ter já alguma experiência para poder tomar certas decisões. Será a Tarmac SL8 a bicicleta certa para mim? Sem sairmos da marca, para não complicar ainda mais as coisas, temos por um lado a Aethos que é mais leve, confortável, trepadora nata e bastante polivalente. Pessoalmente, seria a minha escolha. Depois temos a Tarmac, avassaladora em acelerações, rápida em subidas e a rolar a velocidades de meter respeito, mais aerodinâmica e agressiva na sua posição de condução. Pode ser ligeiramente “domada”, calçando-a com pneus mais largos e um selim mais confortável em troca de um pequeno aumento de peso. Se gostas de rolar em plano e em pisos nem sempre lisos, pode ser uma solução. Toda a vantagem aero e competitiva num “pack” tornado mais confortável. Ajustes discretos que podem fazer com que a Tarmac se adapte ao que precisas. Depois há ainda aspetos como o preço, as cores e montagens. Há muito por onde escolher com quadros S-Works ou Fact10. Esteticamente é apurada e apenas a testa poderá dividir opiniões. Nalgumas cores é mais discreta. E ao fim de algum tempo poderás já nem dar por ela. É um pequeno preço a pagar por uma vantagem aero. Só o tempo dirá se esta solução veio para ficar.
Em suma, se queres ter o melhor desempenho desportivo, a Tarmac serve que nem uma luva. Rápida, rígida, leve, convida a andar rápido e dá gosto tirar o rabo do selim e sentir a resposta aos sprints. Em voltas de curta e média duração, tal como está de origem, nem mexia! Mas quando passamos das 4h, e se o fizermos com frequência, já convém ponderar alguns ajustes de componentes acima mencionados. Seja qual for a estratégia, a SL8 terá sempre alguma flexibilidade para se adaptar às tuas necessidades desde que não se afastem muito daquilo que falámos.
GEOMETRIA
TAMANHO 56
- Tubo vertical: 494
- Tubo horizontal: 563
- Entre eixos: 991
- Escoras: 410
- Ângulo de direção: 73,5º
- Ângulo de selim: 73.5º
- Reach: 395
- Stack: 565
FICHA TÉCNICA
- Quadro: Carbono Fact12R
- Forqueta: Carbono Fact12R
- Tamanhos: 44, 49, 52, 54, 56, 58, 61
- Pedaleiro: SRAM RED AXS Power Meter 35-48T
- Desviador tras.: SRAM Red eTap AXS
- Desviador diant.: SRAM Red eTap AXS
- Manípulos: SRAM Red eTap AXS
- Corrente: SRAM RED 12-speed
- Rodas: Roval Rapide CLX II
- Cassete: SRAM RED XG-1290, 12-speed, 10-33t
- Pneus: S-Works Turbo Rapidair 2BR, 700x26mm
- Travões: SRAM Red eTAP AXS hidráulicos
- Guiador/avanço: Roval Rapide Cockpit
- Espigão: S-Works Tarmac SL8 Carbon 12mm offset
- Selim: Body Geometry S-Works Power
- Peso total: 6,82 kg (sem pedais, tamanho 56, com suporte GPS)
- Preço: 12.350€
- Distribuidor: Specialized
- Site: www.specialized.com/pt