A vitória do australiano Rohan Dennis no contrarrelógio do Mundial de Yorkshire esteve rodeada de situações estranhas. Para além do seu comportamento nos últimos tempos - nao competiu desde o seu abandono no Tour, precisamente um dia antes da etapa onde era apontado como o grande favorito -, pode-se somar uma entrevista insólita ao diário The Advertiser, um jornal de Adelaide (Austrália), na qual assegurou que a sua intenção era continuar na Bahrain-Merida.
Nessa mesma entrevista, Dennis anunciou que em Yorkshire iria competir com uma bicicleta negra e sem marca que seria fornecida pela seleção australiana, em vez da oficial da sua equipa. Desde modo, o campeão do mundo de Innsbruck participou em Yorkshire com uma BMC Timemachine equipada com rodas PRO - a mesma bicicleta que utilizou na sua anterior equipa -, tendo escolhido um capacete Kask Mistral em vez do Rudy Project da equipa com quem tem contrato. Além disso, utilizou uns extensores da marca Speedbar realizados com o molde dos seus cotovelos e antebraços, um modelo que já tinha utilizado o belga Victor Campenaerts para bater o Recorde da Hora.
A bicicleta de Rohan Dennis captou todas as atenções, mas se formos ver as imagens que tirámos em Yorkshire, encontramos outras curiosidades no material escolhido pelos participantes neste mundial.
Um bom exemplo da importância do material, e também das manias/preferências de alguns ciclistas, é por exemplo, a ação praticada por Remco Evenepoel após descer da rampa de partida. O menino prodígio da Deceuninck-Quickstep subiu as meias após passar o controlo dos comissários da UCI, que limitaram o comprimento das meias a metade da distância entre o tornozelo e o joelho.
Evenepoel alcançou a medalha de prata com uma Specialized Shiv TT Disc, sendo o único ciclista que utilizou uma bicicleta com travões de disco entre os que finalizaram dentro do top 10.
O italiano Filippo Ganna fechou o pódio ao utilizar uma Pinarello Bolide da sua equipa, a Ineos, e o capacete Kask Bambino, com a ponta recortada.
Como curiosidade, Ganna utilizou uma roda com o desenho do aro a simular barbatanas, umas formas similares às das rodas Zip 454 e 858. Não conseguimos identificá-las, mas é provável que sejam um protótipo desenvolvido pela Shimano/PRO ou um modelo fruto da colaboração da equipa Ineos com a empresa suíça especializada em aerodinàmica Swiss Ride. Não parece um modelo Zipp, já que a inserção dos raios parece diferente das rodas existentes.
Além de Ganna, utilizaram esta roda dianteira os seus companheiros de equipa Jonathan Castroviejo, Dylan Van Baarle e Eddie Dunbar, enquanto o bielorusso Vasil Kiryenka optou pela roda Pro de três raios que utilizou na equipa britânica nos últimos anos.
O quarto lugar, a pouco mais de 2 segundos do pódio, foi para o neozelandês Patrick Bevin, que utilizou as rodas Cadex que recentemente a Giant incluiu no seu catálogo. Em concreto, a versão de quatros raios de carbono dianteira e a lenticular traseira.
O britânico Alex Dowsett fechou o top 5 com a Canyon Speedmax da sua equipa, a Kastusha Alpecin. Além de ser o único ciclista dentro do top 10 com monoprato - e também o único com SRAM -, na sua bicicleta encontramos como curiosidades o extensor Drag2zero e a roda dianteira de três raios, que não é fornecida à sua equipa - a ZIPP -, mas parece uma HED H3 de pneu (e não de tubular, como é tradição).
As HED de três raios foram consideradas tradicionalmente uma das opções mais eficazes aerodinamicamente. De facto, foi a opção escolhida para a roda dianteira tanto pelo argentino Eduardo Sepúlveda (43º) como por Lluis Mas (39º). No caso dos dois ciclistas da Movistar parece que não é a versão H3 de pneu, mas sim a versão GT3 para tubular.
Ao contrário dos seus colegas da Movistar Team, Nelson Oliveira, que alcançou um brilhante 8º posto, a 15 segundos do pódio, optou por utilizar o material oficial da equipa e rolou com a roda dianteira Campagnolo WTO de 77 mm.
Além do material, o contrarrelógio é um bom momento para ver as distintas posições que adotam os ciclistas para alcançar a máxima aerodinâmica numa postura na qual se sentem cómodos para desenvolver o esforço. Além de juntar ao máximo os extensores para separar ao mínimo os antebraços - fechando assim as omoplatas -, a última tendência parece ser adotar apoios de cotovelo mais altos, como vemos nesta imagem do suíço Stefan Kung.
O MATERIAL DOS MODESTOS
Os contrarrelógios dos Mundiais também são uma boa oportunidade para ver as diferenças de materiais entre os ciclistas que competem no circuito profissional e aqueles de países onde o ciclismo tem menos tradição. Entre os seis últimos classificados encontramos ciclistas que enfrentaram os 54 km do contrarrelógio sem material específico, ou com bicicletas e componentes de temporadas anteriores.
Apesar disso, o paraguaio Gustavo Adolfo Miño, que competiu com umas rodas de perfil médio, registou uma velocidade média superior aos 40 km/h, finalizando a 15:31 de Dennis.
Melhor material, ou pelo menos mais atual, levava Saied Jafer Alali (Kwait), que dispunha de roda lenticular traseira e dianteira de três raios. Ficou a 15:32 do vencedor.
Apenas 3 segundos a mais que Alali foi o tempo que demorou a terminar Drikus Coetzee, merecendo um destaque por completar o percurso a mais de 40 km/h com uma bicicleta convencional Scott Foil equipada com umas Campagnolo Bora Ultra de 50 mm. Pelo menos, utilizou um capacete aerodinâmico Rudy Project.
Destacamos também o mérito do ciclista sírio Nazir Jaser - refugiado na Alemanha após abandonar o seu país - que enfrentou esta prova com uma Canyon Aeroad equipada com Shimano 105 e rodas de alumínio Fulcrum Racing Sport. Sofreu uma queda que prejudicou ainda mais as suas possibilidades, embora tenha continuado e finalizado com uma média de 35,9 km/h.
O último lugar foi do ganês Christopher Symonds, que aos seus 45 anos completou o contrarrelógio em 1h33m20s, a mais de 28 minutos do vencedor. A sua bicicleta, uma Trek Speed Concept - que pelo esquema de cores pode ser o modelo de 2012 - equipada com rodas Zipp 404 e 808, leva um autocolante da loja londrina BikeandRun, pelo que é provável que se tratasse de uma bicicleta alugada. Temos de lhe dar todo o mérito.