"Estou bem, mas não quero que adoeças", disse-lhe Jennyfer há algumas semanas. O vírus ataca indiscriminadamente. Não pergunta, simplesmente ataca. Infelizmente ela acusou positivo no teste, e Nelson, bem como as filhas, tinham de permanecer afastadas dela.
Ele não hesitou. O confinamento era a única solução. Há muitos anos que, para ele, a família está em primeiro lugar. A Beatriz e a Maria crescem quase sem pedir licença e ele, tanto cá como lá, vai perdendo esse crescimento. Ele não permitiría que também elas ficassem infetadas. O seu teste, contudo, deu negativo. Bem como o das suas filhas. Mesmo assim, foi a Pamplona para que o médico da equipa descartasse efeitos colaterais do vírus no seu corpo. O médico aconselhou prudência. Disse-lhe para treinar sem abusar.
Por isso, hoje em dia treina, mas sem o sufoco dos watts. O vento que faz baloiçar as árvores que rodeiam Águeda, não parece afetá-lo. Parece que pedala em modo automático, com um olhar suspenso, enredado nas linhas contínuas da estrada, como se estivesse num contrarrelógio.
O Nelson é daqueles que analisa em silêncio aquilo que se passa à sua volta, mais concretamente o tumulto que é a sua vida. Vida essa "desenhada" pelo seu pai, Celestino Oliveira, que tudo fez para que o seu filho seguisse os seus passos. Celestino foi ciclista profissional no final dos anos 70, e estava convencido que o seu filho tinha bons genes. Nelson não estava para aí virado, mas as primeiras provas no clube de Sangalhos foram prometedoras. Na categoria de cadetes, ele era a roda que todos seguiam. A sua trajetória foi polida - primeiro - por Luis Enrique e depois pelos irmãos Fernando e Alberto Carvalho. Já aí notaram que o Nelson tinha dotes especiais no contrarrelógio.
Contudo, o destino empurrou-o para a vizinha Espanha, mais concretamente para Lugo, na Galiza, onde correu o último ano enquanto amador, tendo assinado (em 2010) o seu primeiro contrato como profissional na Xacobeo Galicia. Uma equipa feita à medida dos ciclistas da região. Era o único português, mas como todos sabemos, nós e os galegos compreendemo-nos perfeitamente. Ambientou-se rapidamente mas, à medida que os meses passavam, primeiro o seu instinto, e depois os seus companheiros avisaram-no que a equipa tinha os dias contados.
De facto, assim foi. Como não tinha um agente, falou com o seu amigo Vitor Carvalho, colega de treino, o qual entrou em contato com José Azevedo, que naquela altura corria na Radioshack. "José, pergunta por favor ao Johan Bruyneel se me quer dar uma oportunidade", Alguns meses depois, após o contrarrelógio final do Tour de Porvenir (nesse ano ganhou a geral o colombiano Nairo Quintana), Johan ofereceu-lhe um contrato, ao qual o Nelson respondeu com resultados e muito trabalho.
Foram os primeiros anos ao mais alto nível de um ciclista com grande futuro, embora modesto e tímido. E com pouco espaço para se destacar, pois estava rodeado por estrelas. Esteve em provas de grande envergadura, como a Volta a Espanha. A primeira das suas 13 grandes voltas - em 2011 - serviu para ter uma noção da dureza deste tipo de provas. Apegou-se aos ensinamentos de Sérgio Paulinho e Haimar Zubeldia. No seu trabalho diário, esmerava-se e levava o seu líder até onde tivesse que ser, consoante as instruções da equipa. Foi um ano vital para Janek Brajkovic. Depois, chegou a vez da Volta a Itália... E mais uma vez, ficou demonstrada a estirpe de que são feitos os portugueses, trabalhando incansavelmente para os seus líderes.
No entanto, o seu caminho também foi pródigo em lesões. Aliás, esse foi apontado por Bruyneel como motivo para não renovar o seu contrato. Por sua vez, a Lampre ofereceu-lhe a oportunidade de trabalhar para um compatriota, Rui Costa. O Nelson adaptou-se perfeitamente. Nunca foi uma decisão dele - ser gregário - mas o destino quis que assim fosse. E ele gostava desse trabalho. As oportunidades foram chegando a conta gotas. E soube aproveitar a melhor delas, a mais importante da sua vida. A caminho de Tarazona, na Volta a Espanha de 2015, na 13ª etapa.
Englobado numa fuga numerosa, a cerca de 30 km da meta, usou a sua melhor arma, aquela que os irmãos Carvalho ajudaram a polir. Como se de um contrarrelógio estivéssemos a falar, debitou a sua potência máxima sem sequer olhar para trás. Colocou o seu corpo na posição mais aerodinâmica possível e utilizou tudo o que tinha para tentar ganhar a etapa. Mesmo sendo perseguido por Ruben Plaza e Valerio Conti, Nelson Oliveira esteve imbatível nesse dia.
Aquela vitória teve ligação direta ao seu destino: o ingresso na Movistar, a convite de Eusebio Unzué, Manager da Movistar. Desde essa altura, que nunca mais deixou de vestir outra camisola. A Movistar é a sua segunda família. Admira Nairo Quintana, tendo sido seu companheiro de quarto em provas importantes como o Tour ou a Vuelta.
Mas também foram anos duros. "Eusebio, peço-te que não me convoques para o Tour, pois tenho muitas dores no joelho e não estarei em condições. Certamente outro colega estará melhor", disse-lhe um dia. A maldita queda sofrida na Paris-Roubaix deixou sequelas. Já antes tinha partido a clavícula, mas nesta altura, o que mais o afetava era a incessante dor no joelho. Mais tarde identificaram a causa: uma bursite.
Ele sempre foi honesto com a sua equipa e com os seus companheiros. E sempre disposto a esforçar-se em prol dos outros. Mas, em 11 temporadas, teve poucas oportunidades para mostrar o seu real valor, sobretudo no contrarrelógio. E é precisamente aí, nesse breve, mas asfixiante intervalo de tempo, que se entrega na plenitude ao calvário. No seu palmarés tem quatro medalhas de ouro nos nacionais de contrarrelógio e a contagem ainda não acabou. Também se destaca uma de bronze no Mundial de 2017, em Bergen (Noruega), mas a última subida final penalizou-o.
O Nelson não se arrepende de nada. O ciclismo sempre lhe deu a fama de uma pessoa fiel, mas que valoriza a melhor das suas qualidades: a confiança de todos aqueles para os quais trabalhou.
"Já estou curada, dei negativo!", disse-lhe à pouco tempo a sua esposa Jennyfer. Ela é a sua grande vitória e já está recuperada deste maldito vírus. As suas filhas continuam a crescer... são o reflexo do Nelson. Talvez um dia venham a ser ciclistas, ou talvez não. Isso vai depender do avô Celestino, que está cheio de orgulho do seu filho, que seguiu o seu legado.