No ciclismo, a falta de empatia pode doer mais do que partir um osso. Ver que após 83 dias de competição, muito acima do limiar da dor, tem como resposta um encolher dos ombros, em sinal de desdém, é surreal. O "Escayolas", alcunha de Rubén Fernández, teve algumas experiência ingratas destas ao longo da sua vida.
Esta alcunha só é conhecida por um grupo muito restrito de amigos. Em 2024, só era conhecido como Rubén, mas esse foi o menor dos problemas.
Há três anos foi informado após um jogo de futebol disputado entre os jogadores da equipa satélite da Caja Rural-Seguros RGA, que iria subir à equipa principal na temporada seguinte. Nessa noite não conseguiu dormir, devido à ansiedade. No dia seguinte teria de assinar contrato e, passados alguns meses, conseguiu ganhar a prova sub23 mais importante do mundo, o Tour de Porvenir (considerado a Volta a França do Futuro). Para ele, ser ladeado no pódio por Adam Yates e Patrick Konrad é uma lembrança que guarda na sua memória com muito carinho e que relembra com muita humildade.
Após aquele resultado, e embora tenha respeitado o contrato com a Caja Rural, Eusebio Unzué, Diretor Geral da Movistar Team, fez-lhe uma proposta.
Ser ciclista do WorldTour ajudou-o a mostrar que é um ciclista trabalhador, fiel, e converteu-se no gregário de Alejandro Valverde e Nairo Quintana. Aliás, foi o colombiano que lhe proporcionou um dos melhores dias da sua vida em cima de uma bicicleta. Quando o pelotão perseguia Alexandre Geniez a caminho do alto do Mirador del Ézaro, na Volta a Espanha de 2016, Rubén recebeu luz verde do seu chefe de fila para seguir no encalce do francês. Apesar de só ter sido segundo nessa etapa, a vantagem alcançada fez com que ficasse a envergar a camisola de líder da prova, que usou orgulhosamente no dia seguinte e depois ofereceu ao seu irmão Jose Miguel, como prenda de aniversário.
O murciano esteve cinco temporadas na Movistar Team (2015-19), onde desempenhou sobretudo o papel de gregário. Foto: Sprint Cycling Agency
No entanto, após cinco anos na equipa espanhola, as quedas e as lesões sofridas deixaram-no animicamente em baixo, por isso mudou de ares e aceitou uma proposta da Euskatel-Euskadi em 2020. A descida de categoria significou uma subida na autoestima, além de que todo o grupo ajudou-o a lutar por um dos seus sonhos enquanto ciclista: ser Campeão Nacional.
En 2020 representou a Euskaltel-Euskadi. Foto: Sprint Cycling Agency
Nesse ano não conseguiu ganhar, foi quinto em Jaén. No entanto, alguns dias após esta prova, surgiu-lhe uma nova oportunidade no horizonte. "O que achas de assinar contrato connosco no próximo ano? Vais gostar, já conheces os espanhóis da equipa e o staff. Vamos ajudar-te", disse-lhe Bingen Fernández, que também ia ingressar na Cofidis como Diretor Desportivo.
Rúben não pensou muito no assunto. A ideia seria voltar ao WorldTour, embora na categoria das grandes multinacionais, a parte afetiva das equipas mais pequenas poderia perder-se.
Na sua primeira temporada com a equipa francesa, deparou-se com a ingratidão na sua única participação (até hoje) na Volta a França. Não estava bem devido a um estágio anterior em altitude com a equipa, no qual ficou num pico de forma demasiado rápido. Sofreu três semanas de tortura numa prova onde os melhores ciclistas do mundo criticaram o seu excesso de treino. Em contrapartida, desfrutou de um dos maiores prazeres que um ciclista pode vivenciar durante a corrida: cruzar a linha de meta nos Campos Elíseos.
Rubén Fernández com a camisola da Cofidis, equipa que representou entre 2021 e 2024. Foto: Sprint Cycling Agency
Na sua última temporada ao serviço da Cofidis, Rubén teve Covid, uma apendicite e sofreu uma fissura no tornozelo, mas nada disso o impediu de continuar a competir. Aliás, foi à Volta a Itália, embora num estado de forma muito delicado. Na segunda metade do ano, foi atropelado por um automóvel enquanto treinava na Sierra Nevada alguns dias antes de começar a sua participação na Volta a Espanha, o que o obrigou a competir com duas costelas fraturadas. No total, foram 83 dias de competição que se resumiram a um encolhimento de ombros como resposta à sua não renovação de contrato.
“Escayolas, este ano vais ter várias oportunidades”, disse-lhe Rubén Pereira, um dos Diretores Desportivos da Sabgal-Anicolor. A equipa portuguesa de categoria Continental vai apostar esta temporada num calendário mais amplo e fez um esforço para contratar ciclistas de categorias superiores. Um deles é ele. Sente novamente carinho e, sobretudo, que está em família. Agora, pode ser novamente o "Escayolas", ou "Emplastro", como dizemos por cá.
Rubén Fernéndez (à direita) junto ao seu companheiro na Sabgal / Anicolor Victor Martínez, numa fotografia tirada no Trofeo Palma (Challenge Mallorca). Foto: Sabgal / Anicolor Cycling Team