Numa entrevista exclusiva e restrita, em que a revista Ciclismo a fundo foi o único órgão de comunicação social português, o belga Phillipe Gilbert, um dos ciclistas mais respeitados e consagrados do pelotão, teceu alguns comentários sobre a performance de João Almeida na Volta a Itália este ano e sobre os seus principais adversários. Mas não falámos somente sobre João Almeida...
A subida ao Stelvio, como se esperava, implicou uma luta acesa pela liderança geral da prova. Na tua opinião as equipas andaram a resguardar-se até esta etapa para decidir a geral?
Na minha opinião a Deceuninck-QuickStep geriu bastante bem a etapa de ontem, tentando manter a camisola rosa e o João Almeida esteve fenomenal na sua primeira Grande Volta. É prometedor o que ele está a demonstrar. Eles deram tudo e ontem tudo se resumiu a quem tinha pernas. Foi quase como o contrarrelógio. Ver alguns ciclistas sozinhos, ou com dois ou três companheiros... foi uma verdadeira batalha.
O Peter Sagan ganhou uma etapa nesta Volta a Itália, mas parece que deixou de lutar pela camisola ciclamino. Esperavas mais dele neste Giro?
O que ele está a fazer já é tão impressionante, porque na verdade ele está sempre lá, sempre na luta. Tenho muito respeito por ele. Ele está sempre lá o ano todo e é um ciclista de valor. Como veio praticamente direto do Tour, foi bom ter ganho uma etapa. Fiquei muito feliz quando ele ganhou.
Achas que alguém conseguirá bater o Filippo Ganna na etapa final e no contrarrelógio que termina em Milão?
Ele parece estar muito forte. Ontem ele esteve no Stelvio na luta e acho que ele pode estar pronto para domingo.
Esperavas que o João Almeida, no seu primeiro ano como profissional e na sua primeira Grande Volta, fosse capaz de vestir a camisola rosa durante duas semanas?
Acho que ninguém esperava isso. Ele tem muito talento, e no início da época já estava a andar muito bem, além disso é muito novo. Mas a este nível, é surpreendente e a Deceuninck-Quickstep geriu bastante bem a situação, pois tem muita experiência. A equipa esteve muito bem, além de que um segundo lugar no prólogo eliminou um pouco o factor surpresa. Ele teve pernas e até agora conseguiu fazer o que fez pois está em boa forma.
O que é que achas que o Wilco Kelderman pode fazer para ganhar este Giro? O seu melhor resultado numa grande volta até agora é um quarto lugar. Achas que poderá ganhar?
Se ele ganhar, certamente será o momento mais alto da sua carreira. Mas realmente acho que ele não será capaz de repetir este feito, contudo se o fizer, será muito bom, pois ele tem tentado chegar a este nível há mais de dez anos.
Tao Geoghegan Hart (Ineos) ainda pode ganhar este Giro. Achas que ele pode chegar a líder da equipa?
Se ele não ganhar a prova, vai na mesma ganhar muita confiança relativamente ao futuro. Ele é muito novo e já trabalhou bastante para os líderes na equipa. Agora que ele tem a hipótese de ganhar, está a aproveitar e não está a falhar mesmo com pressão. Ele ainda está na luta pela geral e isso é fantástico.
Esperavas mais do Jakob Fuglsang nesta Volta a Itália?
A sua equipa não esteve à altura e todos nós sabemos quão importante é a equipa para os líderes. O apoio de uma equipa é verdadeiramente muito importante e acho sinceramente que houve esta lacuna.
VOLTA A ESPANHA
O que achas do percurso da Volta a Espanha deste ano? É mais curto, mas pensas que é mais difícil?
A partida inicial deveria ocorrer na Holanda, com duas etapas planas, mas com muito vento, e que foram eliminadas devido ao coronavírus. A prova começou logo com etapas de montanha, o que mudou completamente o figurino. Vimos logo os ciclistas que lutam pela geral a atacar e alguns dos favoritos, como Valverde, já a mais de dois minutos da liderança. Acho que a partir de agora veremos mais fugas com hipótese de chegar à meta porque quando a geral está mais ou menos estabelecida, resta controlar e guardar tempo e energia para os dias mais importantes. Nos restantes dias, vão tentar deixar os sprinters e as fugas vingar. Vai ser interessante ver os ataques na Vuelta.
Achas que alguém conseguirá bater o Primoz Roglic nesta Vuelta?
Ele é fortíssimo. Ele também ganhou em Liége e não nos devemos esquecer disso. Em dois anos, ele ganhou praticamente tudo. Ok, ele não ganhou o Tour, mas esteve muito perto. Ele está sempre na luta e na Volta a Espanha está a demonstrar isso. Ele ganhou o ano passado e ficaria surpreendido se ele não ganhasse outra vez.
O Valverde agora provavelmente vai começar a trabalhar para o Enric Mas na equipa Movistar, que também tem um fortíssimo Marc Soler. Qual dos três achas que vai ter o melhor desempenho na Vuelta?
Provavelmente o Enric Mas. Ele terminou o Tour em boa forma. Nos últimos dias ele foi melhorando em termos de disponibilidade física e acho que isso lhe deu muita confiança. Ele ganhou alguns lugares na geral nos úlltimos dias. Eu conheço-o e sei que não é um tipo que vai baixar os braços. Ele reage bem quando está sob pressão e tenho a certeza de que treinou bem entre o Tour e a Vuelta, por isso não duvido que está pronto para lutar pela geral no seu próprio país.
Após o recente sucesso de João Almeida e Ruben Guerreiro na Volta a Itália, o que é que achas que os ciclistas portugueses presentes na Volta a Espanha podem fazer?
Acho que o Rui Costa e o Nelson Oliveira provavelmente vão tentar ganhar etapas. Eles têm hipóteses de ganhar uma etapa, especialmente o Rui Costa - ele é um corredor muito inteligente e sabe sempre escolher a fuga certa -. Quando ele está na fuga, sabemos sempre que ele vai estar perto de ganhar.